#Relatos_de_experiência
Resumo: Logo que pensamos nos antigos manicômios, observamos a evolução do cuidado com a saúde mental, logo surgiram os hospitais psiquiátricos e então, a Rede de Atenção Psicossocial – RAPS. Não tão rápido quanto o pensamento, mas o caminho de luta e busca por respeito, igualdade e cuidado para as pessoas com algum comprometimento da saúde mental seguiu por um caminho de evolução escalonado. É necessário avançar na luta, buscar melhor condição e qualidade de vida para as pessoas consideradas “loucas” por uma parcela da sociedade. Também consideramos o avanço de instituições de ensino, com legislações específicas e profissionais da área voltando o cuidado para crianças, adolescentes e adultos com diagnósticos nos quais anteriormente seriam encaminhados ou enclausurados em manicômios. E é sobre o prisma de uma professora de uma Classe Especial em uma Escola Municipal na cidade de Foz do Iguaçu, que vamos discorrer interligando a Luta Antimanicomial.
Palavras-chave: luta antimanicomial; escola municipal; classe especial.
THE MUNICIPAL SCHOOL IS ALSO IN THE ANTIMANICOMIAL STRUGGLE
Abstract: As soon as we think about the old insane asylums, we observe the evolution of mental health care, soon the psychiatric hospitals appeared and then, the Psychosocial Care Network – RAPS. Not as fast as thought, but the path of struggle and search for respect, equality and care for people with some commitment to mental health followed a path of progressive evolution. It is necessary to advance in the struggle, to seek better condition and quality of life for people considered “crazy” by a portion of society. We also considered the advancement of educational institutions, with specific legislation and professionals in the area returning care to children, adolescents and adults with diagnoses in which previously would be referred or enclosed in asylums. And it is about the prism of a teacher of a Special Class in a Municipal School in the city of Iguassu Falls, that we will talk interconnecting the Antianemia Struggle.
Keywords: antimanicomial struggle; municipal school; special class.
LA ESCUELA MUNICIPAL TAMBIÉN ESTÁ EN LA LUCHA ANTIMANICOMIAL
Resumen:Luego que pensamos en los antiguos manicomios, observamos la evolución del cuidado con la salud mental, luego surgieron los hospitales psiquiátricos y entonces, la Red de Atención Psicosocial – RAPS. No tan rápido como el pensamiento, pero el camino de lucha y búsqueda por respeto, igualdad y cuidado para las personas con algún comprometimiento de la salud mental siguió por un camino de evolución escalonado. Es necesario avanzar en la lucha, buscar mejor condición y calidad de vida para las personas consideradas “locas” por una parte de la sociedad. También consideramos el avance de instituciones de enseñanza, con legislaciones específicas y profesionales del área volviendo el cuidado para niños, adolescentes y adultos con diagnósticos en los cuales anteriormente serían encaminados o encerrados en manicomios. Y es sobre el prisma de una profesora de una Clase Especial en una Escuela Municipal en la ciudad de Foz de Iguazú, que vamos a discurrir interconectando la Lucha Antimanicomial.
Palabras clave: lucha antimanicomial; escuela municipal; clase especial.
O tratamento psiquiátrico vem sofrendo alterações profundas desde os primórdios do século passado. De um regime de exclusão social onde os pacientes eram colocados à margem da sociedade, como seres indesejáveis, sendo os próprios hospitais localizados à margem das cidades, como se não existissem. Para uma nova e completa reviravolta, oriunda das mudanças sociais no transcurso do século passado. Em 1960, em Trieste, na Itália, Francisco Basaglia passou a trabalhar com outra perspectiva, excluindo a vida encarcerada nos hospitais psiquiátricos.
Por aqui, no Brasil, em 1987, na cidade de Bauru, no estado de São Paulo, durante o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental no dia 18 de maio, foi pautada a discussão a respeito das novas formas de tratamento de doentes psiquiátricos, tendo como modelo o que já vinha ocorrendo em Trieste, na Itália. Com o fim da ditadura militar, temos um surto de democratização e da ampliação de tudo aquilo que era então negado, ou seja, a plenitude dos direitos humanos que serão consagrados com a nova Constituição de 1988.
É nesse contexto que temos a chamada luta antimanicomial, propondo novas alternativas para o tratamento psiquiátrico, evitando a exclusão social e entendendo que os pacientes psiquiátricos são cidadãos brasileiros e, portanto, portadores de direitos que estão postos na Constituição de 1988. Tudo isso pode ser constatado na obra Holocausto Brasileiro da jornalista Daniela Arbex, um relato extremamente forte, levando os leitores, à comovente cena de ter os olhos embaçados em várias partes da leitura da obra.
É realmente algo terrível a que eram submetidos os pacientes psiquiátricos, rejeitados pelas famílias e pela própria sociedade e, dessa forma, impedidos de viverem em sociedade. É justamente contra essa realidade que o movimento antimanicomial vai se colocar, entendendo que os pacientes devem estar plenamente inseridos na sociedade com suas famílias como qualquer outro tipo de paciente e não mais reclusos em unidades hospitalares, já que o convívio social permite uma melhor situação de recuperação e proporcionando dignidade e qualidade de vida a esses pacientes. O cerne da questão é a garantia de direitos desses cidadãos portadores de grandes desequilíbrios emocionais, mas que jamais podem ser excluídos da vida em sociedade.
Tivemos outro avanço importante com a Política Nacional de Atenção Básica, sendo sua estratégia prioritária, a expansão e consolidação da Saúde da Família, incluindo o cuidado das pessoas com transtorno mental. Ainda na década de 1980, surgiram no Brasil os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), onde teve sua regulamentação em 1992 através da Portaria SAS/MS nº 224/92. A proposta desses equipamentos é garantir a territorialidade de usuários com sofrimento psíquico e de aportarem como serviços de cuidado intensivos, substitutivos aos serviços que eram oferecidos nos hospitais.
Em um tempo não tão distante, em 2011, houve importantes alterações no Sistema Único de Saúde com o estabelecimento da estratégia das Redes de Atenção à Saúde, tendo como prioridade, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Sendo que esse serviço ampliou e qualificou o acesso à rede de atenção integral à saúde mental. Possuindo papel fundamental nas ações intersetoriais de inserção social e reabilitação, além de ações de prevenção e redução de danos. Oportunizando um suporte essencial para pessoas com a saúde mental comprometida (Brasil, sd).
Com o avanço da Reforma Psiquiátrica, as pessoas, aos poucos, vão ocupando seus espaços de direito, fazendo parte do dia a dia da comunidade no qual estão inseridos. Quando uma nova política pública é implementada, é necessário monitoramento, estudos e avaliação da efetividade dos serviços. Sendo esse, um dos fatores que nos faz continuar na Luta Antimanicomial, ainda é necessário desfazer estigmas, preconceitos e, qualificar os equipamentos de cuidado que o Estado já dispõe.
Resta-nos, sempre aprofundar e buscar maiores estratégias de cuidado e conhecimento na condução dos serviços para que as pessoas com algum tipo de transtorno mental possam ter permanente contato social, evitando assim a exclusão anteriormente entendida como um eficaz meio de tratamento. Observamos por meio de nossos estudos e prática de membros do grupo de estudo em psicanálise e educação do qual fazemos parte na Universidade do Oeste do Paraná que, a escola também desenvolve um papel fundamental no cuidado, inclusão e até mesmo na reabilitação de crianças e adolescentes diagnosticados com alguma síndrome/doença mental. Quando a escola, sendo um espaço coletivo, consegue transformar o singular de cada aluno diagnosticado com alguma doença ou síndrome mental, entendemos que esse lugar também faz parte da Luta Antimanicomial. a inserção, inclusão, cuidado e respeito são diretrizes para a garantia de direito e humanização de crianças e adolescentes dentro do convívio social.
Quando falamos em ensino, temos a convicção de salas de aulas, divididas por seriação e professores capacitados para atuação nessas turmas. Mas quando se trata de inclusão, surgem algumas incertezas tanto na prática pedagógica quanto dos órgãos envolvendo políticas públicas de saúde e educação. O processo de ensino aprendizagem envolve o aluno como um todo, um ser pensante com direitos e deveres, necessitando de atenção e respeitando as suas individualidades.
Mas sempre foi assim? Todo aluno aprende da mesma forma? O professor tem capacidade para trabalhar de forma diferenciada? E aquele aluno que precisa de um professor exclusivo como apoio? Algumas perguntas norteiam os nossos pensamentos, nos levando a repensar e refletir a educação, especialmente no que envolve o aluno de Classe Especial e o quanto formas diferenciadas de ensino contribuem na inclusão social e somam como uma das vertentes da luta antimanicomial.
Ao longo dos anos a infância passou a ser reconhecida como um passo fundamental de suma importância para o desenvolvimento do ser humano. Por outro lado, houve uma grande discriminação e repúdio com as crianças que eram vistas como “diferentes”, pois nem toda criança era igual e a sociedade segregava algumas delas como loucas e incapacitadas. Essas crianças eram julgadas o tempo todo, além de serem rotuladas como violentas e sem expectativas de uma vida com dignidade. Mesmo que a contribuição pessoal de Freud tenha sido escassa no campo da pedagogia, ele considera o grande valor social do trabalho de seus colegas pedagogos (Freud, 1996).
Em seu texto de 1927, O futuro de uma ilusão, considerado como testamento pedagógico, Freud já vinha pensando sobre a educação. A finalidade da educação é a instauração do princípio de realidade, sendo possível a simbolização das relações afetivas. Freud já entendia a sala de aula como um espaço de vários sujeitos com várias facetas de transferência. Ou seja, um lugar de transformações das emoções e comportamentos humanos (Freud, 1996).
A professora Lucineia, que leciona em uma escola municipal na cidade de Foz do Iguaçu, trás um retrato de suas vivências no que tange o Capítulo III, art. 4º, inciso III da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, no qual rege que, é dever do Estado garantir o “atendimento especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”. E a partir dessa vivência, atrelado aos estudos e discussões acerca da Luta Antimanicomial que vem buscando aprimorar o olhar para essa temática social.
Segue relato:
Nunca se fez tão necessário e instigante esse assunto, que me fez ver a educação com outros olhos. Há dois anos atuo com alunos da Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) e confesso que foi um desafio e tanto. Sou formada em Pedagogia e tenho especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, porém vi a necessidade de procurar atualização diante da minha nova realidade. Atendo crianças que passaram por avaliação neuropsicopedagógica da rede municipal de ensino, além dessa avaliação, essas crianças podem ser encaminhadas para outros profissionais, como neuropediatra, psicólogos, oftalmologista, otorrinolaringologista, entre outros, tudo com intuito de chegar a um diagnóstico mais assertivo.
No Brasil a questão da saúde mental muitas vezes é levada em tom de brincadeira, como muitos dizem: “de louco todo mundo tem um pouco”, mas como ficam as nossas crianças? Como fica o seu ensino, já que em salas regulares muitas dessas crianças não conseguem acompanhar o ritmo de aprendizagem da turma? O que fazer e como tentar mudar essa realidade ainda discriminatória?
Temos a convicção de que o COVID-19 e a pandemia deixaram muitas pessoas desestabilizadas economicamente e emocionalmente. Com as crianças não foi diferente, pois muitas dessas que atendo enfrentava a incerteza de um retorno, algumas até apareceram com sintomas de ansiedade. Cada dia que passava sua dificuldade de aprendizagem era afetada, sendo que o ensino remoto teve sim suas especificidades, porém não atingiu os alunos como esperávamos. Na região que atuo as crianças são carentes, muitos não têm acesso à internet ou dispositivos para realização das atividades propostas. Foi um desafio enfrentado por muitos, porém, quando retornamos presencialmente, me vi no papel de educadora, que além de ministrar aulas, precisava trabalhar com o aluno que estava fragilizado emocionalmente. Nessas vivências eu notei como era importante trabalhar a autoestima, a confiança, o convívio em sala de aula além de contemplar o conteúdo de ensino.
Alguns dos alunos que atendo tem TDAH, microcefalia, distúrbios de aprendizagem, de comportamento e deficiência motora. Cada um tem sua especificidade, diante disso em conversa com os demais professores, nota-se a importância de se ter o conhecimento prévio sobre a atuação nessas turmas não seriadas. As atividades precisam ser diferenciadas, isso envolve também as atividades de coordenação motora. Preciso inserir meu aluno de forma que não sejam prejudicados por sua deficiência motora ou cognitiva. Mas pensar a classe especial em uma escola gera embate de quem concorda e de quem não concorda, já que muitos dizem não ser uma inclusão, mas sim segregação. Para ser incluído, o aluno precisa estar numa sala regular com os demais alunos.
Nem sempre uma aula sai como planejada, algumas vezes não atinge os objetivos que proponho para meus alunos ou tão pouco consigo que retenha o conteúdo. Mas tento meios para que tenha esse aprendizado, mas além de conteúdo, volto a enfatizar a importância de se trabalhar a questão da saúde emocional de nossas crianças. Em sala de aula, costumo trabalhar a latinha dos elogios com eles, são várias frases afirmativas com muitas qualidades e elogios que tem o intuito de deixar seu dia mais leve e fica disposto na estante para que possam manusear quando necessitarem. Também temos um espelho, eles escrevem nesse espelho os adjetivos que melhor os descrevem. Ao lado, um cartaz que diz que quando não se sentir bem ou estiver aborrecido, pode sim dar uma pausa nas atividades. Procuro ao máximo respeitar a individualidade de cada aluno, os conteúdos são seguidos conforme suas dificuldades, mas faço questão de trabalhar o emocional diariamente. Eu defendo que o profissional atuante nessas turmas, pesquise, se especialize e não se cobre tanto ao ponto de adoecer, vejo como a formação nessa área auxilia na nossa prática pedagógica.
Dediquei boa parte para a educação especial nos últimos dois anos e vejo como foi importante para entender e trabalhar melhor com esses alunos, pois eles merecem nossa atenção e cuidado. E, diante de diversos fatores, entendo que cabe à escola fazer um trabalho de inclusão, fazer da criança uma pessoa capaz de aprender, mesmo que seja no seu ritmo, mesmo que ela demore a ter confiança e convívio com os demais integrantes da sala de aula. Chega de rotular as crianças como loucas, as pessoas precisam entender e inseri-las na sociedade, para que possam ter o direito de prosperar e serem respeitadas e integradas à sociedade chega de querer escondê-las, de tratar com preconceitos e descaso. Por um mundo com mais igualdade e ensino aprendizagem de qualidade.
Referências
Brasil (sd). Conheça a RAPS Rede de Atenção Psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde Recuperado de: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/conheca_raps_rede_atencao_psicossocial.pdf
Freud, S. (1996). O futuro de uma ilusão. In Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 21 – O futuro de uma ilusão, O mal-estar na civilização e outros trabalhos [1927-1931], J. O. A. Abreu, trad.). Rio de Janeiro: Imago.
Gombrich, E. H. (1999). Meditações sobre um cavalinho de pau ou as raízes da forma artística. In E. H. Gombrich, Meditações sobre um cavalinho de pau e outros ensaios sobre teoria da arte (pp. 1-11, G. G. Souza, trad.). São Paulo: Edusp, 1999.
Lei nº 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996, 20 de dezembro). Recuperado de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
Portaria SAS/MS nº 224/92 (1992, 29 de janeiro). Recuperado de: https://saude.mppr.mp.br/pagina-319.html.
APA – Veiga, F. S., Oliveira, J. A., & Oliveira, L. (2022). A escola municipal também está na luta antimanicomial. CadernoS de PsicologiaS, 3. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/a-escola-municipal-tambem-esta-na-luta-antimancicomial/
ABNT – VEIGA, F. S.; OLIVEIRA, J. A.; OLIVEIRA, L. A escola municipal também está na luta antimanicomial. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 3, 2022. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/a-escola-municipal-tambem-esta-na-luta-antimancicomial/ Acesso em __/__/___