Revista CadernoS de PsicologiaS

A importância de uma psicologia que lute
contra a gordofobia no Brasil

Lilian Caron
(CRP-08/08743)
Coordenadora da pós-graduação em Psicologia na FAE Centro Universitário
E-mail: lilian.caron@fae.edu
Luana Gabriela da Silva
Estudante de graduação em Psicologia na FAE Centro Universitário
E-mail: luana.gabriela@mail.fae.edu
#Inquietações_teóricas

Resumo: A Psicologia brasileira ocupou-se, nos últimos anos, de trazer à tona o sofrimento de minorias sociais: pessoas pretas, pertencentes à comunidade LBGTQIAPN+ e mulheres, por exemplo. Além disso, também promove a luta antimanicomial a fim de eliminar estigmas associados aos indivíduos que padecem com algum transtorno mental. No entanto, há um debate de extrema relevância que é negligenciado pelas instituições: a gordofobia e seus impactos na saúde mental dos indivíduos. Esse preconceito, tão enraizado na sociedade, pode afetar milhões de pessoas no país, por esse motivo deve ser objeto de atenção de profissionais e instituições da área. Esse trabalho faz uma breve análise de como a gordofobia ainda é trabalhada de maneira embrionária por instituições e profissionais, isso porque as discussões sobre esse preconceito ainda estão limitadas à escrita acadêmica. Isso contribui diretamente para a perpetuação desse preconceito e, consequentemente, para o sofrimento das pessoas com obesidade.

Palavras-chave: psicologia; gordofobia; saúde mental.

THE IMPORTANCE OF A PSYCHOLOGY THAT FIGHTS FATPHOBIA IN BRAZIL

Abstract: In recent years, Brazilian Psychology has focused on bringing to light the suffering of social minorities: black people, those belonging to the LBGTQIAPN+ community and women, for example. Furthermore, it also promotes the anti-asylum struggle in order to eliminate stigmas associated with individuals who suffer from a mental disorder. However, there is an extremely relevant debate that is neglected by institutions: fatphobia and its impacts on individuals’ mental health. This prejudice, so deeply rooted in society, can affect millions of people in the country, which is why it should be the subject of attention from professionals and institutions in the field. This work makes a brief analysis of how fatphobia is still dealt with in an embryonic way by institutions and professionals, because discussions about this prejudice are still limited to academic writing. This directly contributes to the perpetuation of this prejudice and, consequently, to the suffering of people with obesity. 

Keywords: psychology; fatphobia; mental health.

LA IMPORTANCIA DE UNA PSICOLOGÍA QUE COMBATA LA GORDOFOBIA EN BRASIL

Resumen: En los últimos años, la Psicología brasileña se ha centrado en visibilizar el sufrimiento de las minorías sociales: los negros, los pertenecientes a la comunidad LBGTQIAPN+ y las mujeres, por ejemplo. Además, también promueve la lucha contra el asilo para eliminar los estigmas asociados a las personas que padecen un trastorno mental. Sin embargo, existe un debate sumamente relevante y descuidado por las instituciones: la gordofobia y sus impactos en la salud mental de las personas. Este prejuicio, tan arraigado en la sociedad, puede afectar a millones de personas en el país, por lo que debe ser objeto de atención por parte de profesionales e instituciones del ramo. Este trabajo hace un breve análisis de cómo la gordofobia aún es abordada de forma embrionaria por parte de instituciones y profesionales, porque las discusiones sobre este prejuicio aún se limitan a la escritura académica. Esto contribuye directamente a la perpetuación de este prejuicio y, en consecuencia, al sufrimiento de las personas con obesidad.

Palabras-clave: psicología; gordofobia; salud mental.

O avanço das pautas sociais na psicologia

O contexto contemporâneo, a psicologia brasileira tem se ocupado, há alguns anos, mais recentemente nesta última década, do debate acerca das questões sociais e o impacto dessas na saúde mental dos indivíduos. Isso ocorre, especialmente, quando os indivíduos pertencem a alguma minoria social: mulheres, negros, indígenas, pessoas da comunidade LBGTQIAPN+, entre outros. Nesse cenário, os estudos sobre os preconceitos destinados a essas populações crescem e, consequentemente, esses temas começam a ocupar espaços em congressos e cursos destinados aos profissionais da psicologia. Isso faz com os profissionais, sejam quais forem, estejam mais preparados para receber em suas clínicas (ou em qualquer outra área que atuem) as pessoas que pertencem a essas minorias. 

No entanto, esse movimento ainda não se ocupa da pauta da gordofobia, pelo contrário, mantém sua atenção em trabalhar a obesidade relacionando-a diretamente aos transtornos mentais e na avaliação psicológica para realização de cirurgia bariátrica. Em uma breve busca na plataforma do Capes percebe-se que temas relacionados à gordofobia são bem menos recorrentes entre as teses elaboradas do que temas relacionados à cirurgia bariátrica, por exemplo. O tema gordofobia apresentou 51 resultados (42 mestrados, 09 doutorados), entre os anos de 2018 a 2023, dessas teses 05 eram da área da psicologia. Já quando o termo pesquisado foi cirurgia bariátrica foram obtidos 1092 resultados (749 mestrados, 343 doutorados), no período de 2018 a 2023. Desses 1092 trabalhos, 38 eram da área da psicologia. Por fim, a efeito de comparação com a relevância dada a algumas minorias sociais, quando o termo população LGBT foi pesquisado, apareceram 700 resultados (551 mestrados, 149 doutorados), no mesmo período, sendo desses, 71 da área da psicologia. Além disso, em datas como o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+ (junho) ou o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) as instituições que representam a psicologia no Brasil manifestam-se em favor de tais lutas, o que não ocorre com a mesma frequência, por exemplo, no dia 10 de setembro, o Dia da Luta Antigordofobia. 

Vale ainda ressaltar que segundo índices recentes publicados pelo jornal Folha de São Paulo, mais de 50% da população brasileira (56,8%) está com excesso de peso, um aumento de quase 10% em relação a 2022, quando a prevalência foi de 52,6%. Segundo a notícia, os dados são do Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia) pesquisa desenvolvida pela Vital Strategies, organização global de saúde pública, e pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas), com financiamento da Umane e apoio da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Ainda de acordo com esse estudo,  os adultos são o público mais afetado (entre 45 e 54 anos) 68,5% deles estão com sobrepeso ou obesidade. A segunda faixa etária mais atingida é de jovens entre 18 e 24 anos, 40,3% deles apresentam IMC (índice de massa corporal) igual ou acima de 25 kg /cm².

Dessa forma, percebe-se que estatisticamente esses indivíduos poderão ser mais frequentes na busca pelos serviços da psicologia em qualquer área e eles não podem encontrar entre os profissionais pessoas que reproduzem os preconceitos já enraizados na sociedade brasileira. Devem, assim como qualquer outro indivíduo, encontrar acolhimento, sem julgamentos.  Por esses motivos, faz-se necessário que o tema ganhe mais espaço não só nas discussões acadêmicas (teses, artigos), mas ganhe espaço entre os profissionais (revistas, debates, congressos) a fim de formar psicólogos que combatam a gordofobia na sua prática profissional e, portanto, estejam aptos a acolher os indivíduos com obesidade.

O surgimento e a concretização da gordofobia na sociedade

Gordofobia é um termo usado para fazer referência ao preconceito em relação às pessoas gordas. É necessário ressaltar que apesar de conter a expressão fobia, não se trata de um termo usado com significado psicopatológico, ou seja, não significa aversão à gordura em sua literalidade.  (Mariano, 2019, p. 09)

De acordo com Jimenez (2019, como citado em Paim 2022) gordofobia

Método

O objetivo desta revisão narrativa foi examinar a relação entre indivíduos com TEA e o uso de substâncias, considerando as implicações para o sujeito e as consequências para a saúde pública. A busca dos artigos ocorreu na base de dados da National Library of Medicine (PubMed) no período de 2014 a 2024, utilizando os descritores: “autism”, “substance use disorder”, e “comorbidity”. A seleção dos estudos visou garantir a relevância e a qualidade das evidências analisadas. Foram incluídos estudos de ensaios clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises. Estudos descritivos compostos exclusivamente por relatos de casos ou que fugissem muito do tema central foram excluídos. Ao final, foram selecionados seis artigos que abordam o tema, dos 22 resultados encontrados.

É um preconceito com pessoas gordas. É uma discriminação que leva à exclusão social, e, portanto, nega acessibilidade às pessoas gordas. É um estigma estrutural e cultural, reproduzido em diversos espaços e contextos sociais na sociedade. Esse prejulgamento gera a desvalorização, humilhação, inferiorização e restrições aos corpos gordos de modo geral. (Jimenez, 2019 como citado em Paim, 2022)

Conforme Foucault (1997, p. 127) o que a sociedade entende como poder perpassa pela saúde e pelo corpo, mas antes passava pela alma. Dessa forma, pode-se compreender que em uma sociedade gordofóbica como a brasileira, os indivíduos com sobrepeso ou obesidade são privados desse capital. 

São saberes hegemônicos em que o corpo gordo é entendido como doente, inferior e desprezível, reverberando, na sociedade contemporânea, um ódio a pessoas gordas e provocando perda de direitos, falta de acessibilidade e estigmatização, que as exclui, humilha, cria traumas e, muitas vezes, mata. (Jimenez, 2020 p. 148, 2020)

Faz-se necessário, inicialmente, destacar que ao longo deste texto serão usadas as expressões “pessoas gordas” e “pessoas com obesidade” para se referir aos indivíduos com sobrepeso e com obesidade. Isso porque tem-se como objetivo validar os apontamentos do movimento ativista gordo, segundo o qual, os termos “pessoas obesas” ou “pessoas com obesidade mórbida” produzem estigmas, pois de acordo com Kyle e Puhl (2014) é necessário não rotular as pessoas a partir de suas doenças, nesse contexto, portanto, evita-se chamar pessoas de diabéticas, aidéticas, obesas, já que a linguagem também é um instrumento de estigmatização. Dessa forma, Albury (2020) apresenta como sugestão o uso da expressão pessoas vivendo com obesidade. A fim de simplificar essa expressão, neste trabalho será usada a expressão: pessoas com obesidade ou indivíduos com obesidade.

Assim, Rangel (2018) destaca que a gordofobia gera um preconceito em relação à pessoa com obesidade ou sobrepeso o que resultará em uma opressão e exclusão estrutural nos mais diversos âmbitos da sociedade: saúde, educação, acessibilidade, mercado de trabalho, relacionamentos de amizade e amorosos entre outros. 

Os estudos que apontam o percentual de pessoas com sobrepeso ou obesidade no Brasil seguem os padrões internacionais, segundo os quais considera-se com excesso de peso o indivíduo com índice de massa corporal (IMC) maior do que 25. A pessoa com obesidade tem IMC maior do que 30. O IMC é calculado pelo peso em quilograma dividido pelo quadrado da altura em metros. Há um movimento, ainda minoritário, de cientistas da medicina contemporânea que têm defendido que o cálculo de IMC é insuficiente para afirmar se o indivíduo é ou não saudável. É válido salientar que a sociedade considera um corpo gordo por si só doente. Apenas pela aparência julga-se que um indivíduo é doente, sem nenhuma outra análise. Ainda sobre o IMC, é importante pontuar que ele desconsidera questões de gênero e raça, por exemplo, que têm influência sobre o peso dos indivíduos. 

De acordo com Paim (2022) a popularização do cálculo do IMC é de interesse do sistema neoliberal, o qual fortalece as indústrias farmacêuticas, de alimentos e a indústria do emagrecimento. Tal afirmação baseia-se no fato de que o cálculo é simples de ser feito, isso possibilita que a população o realize em casa e possa, a partir do resultado, procurar ações individuais que visem ao emagrecimento, como tomar medicamento, fazer dietas restritivas, trocar produtos (como o açúcar pelo adoçante), servindo assim aos interesses das grandes empresas e sem orientação médica, já que a desigualdade social não permite o acesso a médicos de forma facilitada. (A J Tomiyama et al., 2016; Poulain, 2013).

Para além dos aspectos técnicos, é importante considerar o que os indivíduos com obesidade têm a pontuar sobre a gordofobia. Assim, cabe aqui uma percepção de Jimenez (2020). 

Hoje, com mais conhecimento, percebo que a gordofobia aumenta a depender do tamanho de seu corpo. Como antes eu era gorda menor, a gordofobia também era menor. Ela acontecia, mas, depois de chegar aos 100 quilos, a gordofobia era muito mais agressiva e frequente; e com 120 quilos, já era considerada um monstro, alguém que não merece ser respeitado como qualquer outro ser humano. (Jimenez, 2020)

A partir da fala da autora é possível perceber um dos mais graves problemas que os indivíduos com obesidade enfrentam na sociedade brasileira: a desumanização. 

Diante desse contexto, é preciso compreender as diferentes formas nas quais a gordofobia se apresenta na sociedade. Fachim (2022) aponta para a existência da gordofobia médica, a qual é realizada por agentes da saúde, essa, talvez, seja uma das piores. Afinal, torna a busca por saúde e o autocuidado mais um sinônimo de sofrimento. Fato que não pode se repetir, por exemplo, nos atendimentos psicológicos. O autor também aponta a gordofobia na educação, produzida por agentes da educação, que, em geral, ocorre na escola. Aqui o autor fala não só das crianças que sofrem bullying, mas lembra de casos em que professores aprovados em concurso não puderam assumir o cargo devido à obesidade. 

Fachim (2022) ainda defende que a gordofobia é uma forma de violação dos Direitos Humanos. Segundo ele, isso se dá porque ocorre privação dos direitos da pessoa gorda, por exemplo o de ir e vir afetado pelo tamanho dos assentos em ônibus, avião, direito ao lazer, com a falta de poltronas grandes no cinema e no teatro. Neste trabalho, entende-se a gordofobia como violação dos Direitos Humanos, basicamente como a gordofobia estrutural. Já que a sociedade toda se desenvolveu com base nas ideias gordofóbicas aqui já relatadas. 

Assim, considerando as determinações dos documentos que regem a prática profissional do psicólogo, é necessário que a pauta da gordofobia seja mais abordada a fim de não desrespeitar os direitos humanos dos indivíduos com obesidade. 

Mudanças no mercado de trabalho, o neoliberalismo e o desenvolvimento da obesidade

De acordo com Jean Trémolières (1975, citado por Rangel, 2018, p. 4) a sociedade atual cria os corpos gordos e ao mesmo tempo os rejeita. Essa afirmação tem base, principalmente, nas transformações no padrão de trabalho e alimentação que resultam no aumento da obesidade que é possível observar no mundo todo e não apenas no Brasil. 

Nesse contexto, a Revolução Verde mudou o padrão de alimentação da sociedade. Ainda que tenha permitido a ampliação da produção agrícola, tal feito foi acompanhado pela inferiorização da qualidade dos alimentos, isso graças ao uso de agrotóxicos. Além disso, a urbanização, processo que distancia a população da produção do alimento, contribuiu com o crescimento do consumo de alimentos industrializados, os quais têm maiores taxas de sódio, gordura e açúcares. De acordo com o sociólogo Richard Sennet (1999, citado por Rangel, 2018, p. 4) todas essas transformações estão diretamente ligadas à flexibilização do trabalho. 

Entre as principais mudanças no mercado de trabalho estão: a instabilidade, a insegurança em relação à permanência no cargo e flexibilização do tempo. Essas circunstâncias geram a precarização não só do trabalho em si, mas da vida do trabalhador, incluindo a alimentação. (RANGEL, 2018, p. 5)

Nesse cenário, ainda vale enfatizar a diminuição do trabalho físico que acarretou, logicamente, em menos exercício durante a jornada. Além disso, houve diminuição do tempo para preparo e realização das refeições. Come-se, portanto, comida com qualidade nutricional menor e come-se mais rápido (Popkin & Larsen, 2004, citado por Rangel, 2018, p. 6). Rangel (2018) conclui que o mercado de trabalho desregulado é condição fundamental para o crescimento da obesidade. 

Diante desse cenário, o fortalecimento das indústrias de alimentos ultraprocessados favorece o desenvolvimento da obesidade. Paim (2022, p. 22) defende que quanto mais a situação do trabalhador for precarizada mais ultraprocessado será o alimento deste trabalhador e menos nutrientes terá. Esse é um ciclo perfeito para o desenvolvimento da obesidade. 

Com o objetivo de compreender de maneira mais profunda a questão do crescimento dos índices de obesidade e, portanto, da gordofobia, Paim (2022) aponta que não há um interesse real dos governos de desenvolver políticas públicas voltadas para a melhoria da alimentação da população e, consequente, redução da obesidade. Isso porque seria necessário atingir os interesses da indústria de alimentos – o que não seria benéfico para os governos. 

Dessa forma, o neoliberalismo aponta que a resolução da questão não é coletiva, mas individual. Assim, faz com o que os indivíduos assumam toda a culpa sobre suas condições e não questionem o contexto no qual estão inseridos. (Fachim, 2022) 

Diante desse contexto sócio-histórico, a gordofobia é uma realidade inclusive no mercado de trabalho. Isso ocorre especialmente devido a dois fatores: à patologização do corpo gordo e à existência de um padrão de beleza, o qual o corpo gordo não atende (Paim e Kovaleski, 2020). Isso ocorreu, de acordo com os autores, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS), a partir da década de 1990, passou a apontar descritivamente “o corpo gordo como uma doença perigosa e epidêmica mundialmente” (Jimenez, 2022, p.156). A partir dessa determinação da OMS a mídia passa a difundir amplamente essa visão patológica do corpo gordo. Assim, os indivíduos gordos passam a ser vistos como doentes e a carregar esse estigma além de todos os outros que já carregavam como preguiçosos, incapazes, que não se cuidam.

O impacto da gordofobia na vida dos indivíduos com obesidade

A partir dos contextos apresentados, é inegável, que o modo como a gordofobia se propaga na sociedade brasileira impacta diretamente na qualidade de vida dos indivíduos com obesidade. De acordo com Marchioro e Viecili (2024) uma paciente clínica internalizou crenças sobre si a partir de suas vivências com pessoas gordofóbicas.

Conforme os relatos de Marina, familiares, inclusive o pai, desde a infância, realizava comentários depreciativos acerca do ‘comer compulsivo’ (sic) e da aparência de Marina, por exemplo, o pai costumava fazer (e ainda faz) afirmações como ‘se fosse mais magra isso não acontecia’ (sic) (…) A percepção de Marina a seu próprio respeito, provavelmente, foi selecionada e mantida por atos (comentários, gestos, expressões faciais) depreciativos aos quais tem sido submetida desde a infância. (Marchioro & Viecili, 2024, p. 6)

As autoras destacam que a paciente tem sentimentos de culpa, inadequação, baixa autoestima, baixa autoconfiança, que surgiram, devido ao comportamento gordofóbico da sociedade como um todo. (Marchioro & Viecili,  2024, p. 12)

Além dos processos internos, a gordofobia tem impacto direto, por exemplo, na exclusão das pessoas gordas. Nesse aspecto, Mariano (2019) aponta que as pessoas com obesidade internalizam que elas são o problema – por, por exemplo, não caberem na cadeira de um bar, do avião, do cinema, e que para isso, segundo o autor, acreditam que devem emagrecer. (Mariano, 2019, p. 14) Percebe-se essa realidade também no depoimento de Claudia dado para Jimenez et al. (2023, p. 8)

Fui me inscrever numa rede de academia bem famosa, a tal da Smartfit, unidade aqui da minha cidade… eu sempre busquei ser ativa quanto a atividade física, o que não tem nada a ver com meu peso. Fiz a matrícula (…), assinei o contrato (…) a atendente disse que eu não iria poder malhar porque visivelmente eu teria uma comorbidade. (…) Será se só eu tinha comorbidade naquela academia? E os hipertensos? Diabéticos? Ah, claro, eles não são obesos e logo não são visíveis (contém ironia) (Jimenez et al., 2023, p. 14)

Por fim, destaca-se que, infelizmente, a psicologia também tem propagado esses ideais gordofóbicos. É o que revela o depoimento anônimo abaixo, o qual integra o trabalho “Gordofobia e seus impactos na saúde mental da população: à luz da Teoria das Microagressões”, apresentado em 2023, no III Congresso Brasileiro de Psicologia da FAE Centro Universitário, elaborado por Silva. 

É importante destacar que a prática da psicologia também perpetua os preconceitos instaurados na sociedade, como a gordofobia. Prova disso é o relato de Anônimo 6.

“Fui em uma psicóloga do meu convênio e ela me comparou ao meu marido dizendo que ele era “sarado” e que eu claramente estava ali por causa disso, já que eu estava “severamente acima do peso” — ela disse isso na frente dele (achamos que era uma sala de espera) e antes de eu sequer dizer o motivo de ter procurado terapia.”

Finalmente, é preciso combater tais discursos em todas as áreas da psicologia. Afinal, deve-se respeitar os Direitos Humanos, defender a prática de uma psicologia plural que reconheça às individualidades dos corpos e de como as vivências desses corpos pode impactar na saúde mental dos indivíduos sejam eles com obesidade, negros, indígenas, LGBTs, entre outros. 

Assim, é necessário fomentar os debates acerca da gordofobia como tem sido feito em relação às demais minorias e para isso é imprescindível conhecer os fatos sociais e biomédicos que corroboram a gordofobia para que então se possa questioná-los e combatê-los com o exercício da psicologia ética. O que este texto propõe é uma reflexão inicial sobre o tema que é urgente na sociedade brasileira. 

Referências

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Tremolières, j. Partager le pain.  In-8. Broché. Bon état, Couv. convenable, Dos satisfaisant,    Intérieur frais. (1975)

Como citar esse texto

ABNT —  CARON, L.; SILVA, L. G. da. A importância de uma psicologia que lute contra a gordofobia no Brasil. CadernoS de PsicologiaS, n. 6. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/a-importancia-de-uma-psicologia-que-lute-contra-a-gordofobia-no-brasil/. Acesso em: __/__/___.

APA — Caron, L., & Silva, L. G. da. (2024). A importância de uma psicologia que lute contra a gordofobia no Brasil. CadernoS de PsicologiaS, n6. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/a-importancia-de-uma-psicologia-que-lute-contra-a-gordofobia-no-brasil/