Revista CadernoS de PsicologiaS

A práxis da psicologia na execução penal durante a pandemia - relato de uma psicóloga em penitenciária feminina no Paraná

Karine Belmont Chaves
Departamento de Polícia Penal do Paraná - DEPPEN - PR

Psicóloga (CRP-08/09262) - E-mail: karinechaves@depen.pr.gov.br

#Relatos_de_experiência

Resumo: Este texto é um relato da experiência de uma psicóloga em penitenciária feminina no Paraná, discorrendo sobre algumas situações do cotidiano e medidas adotadas nas prisões em função da pandemia do CORONAVÍRUS – COVID -19 A visita online, por exemplo, se mostrou uma alternativa positiva para manutenção do vínculo familiar. Em relação à saúde mental, nos atendimentos psicológicos, foi observado também sofrimento nas mulheres que estavam presas, com um aumento do número de solicitações e queixas frequentes de ansiedade. Os cuidados de saúde de modo geral são importantes, bem como reconhece-se, mais uma vez a importância do cuidado em saúde mental, com a presença de um profissional de saúde como o psicólogo nas prisões.

Palavras-chave: psicologia jurídica; execução penal; pandemia.

THE PRAXIS OF PSYCHOLOGY IN CRIMINAL EXECUTION DURING THE PANDEMIC – REPORT OF A PSYCHOLOGIST IN A FEMALE PENITENTIARY IN PARANÁ

Abstract: This text is an account of the experience of a psychologist in a female penitentiary in Paraná, discussing some daily situations and measures taken in prisons due to the CORONAVÍRUS pandemic – COVID -19 The online visit, for example, proved to be an positive alternative for maintenance of the family bond. Regarding mental health, in psychological assistance, suffering was also observed in women who were imprisoned, with an increase in the number of requests and frequent complaints of anxiety. Health care in general is important, and the importance of mental health care is recognized once again, with the presence of a health professional such as a psychologist in prisons.

Keywords:  juridical psychology; penal execution; pandemic.

LA PRAXIS DE LA PSICOLOGÍA EN LA EJECUCIÓN PENAL DURANTE LA PANDEMIA – RELATO DE UNA PSICÓLOGA EN UN PENITENCIARIO FEMENINO DE PARANÁ

Resumen: Este texto es un relato de la experiencia de una psicóloga en un centro penitenciario de mujeres de Paraná, en la que comenta algunas situaciones cotidianas y las medidas tomadas en las cárceles debido a la pandemia de CORONAVÍRUS – COVID-19 La visita en línea, por ejemplo, resultó ser una alternativa positiva para mantenimiento del vínculo familiar. En relación a la salud mental, en la asistencia psicológica, también se observó sufrimiento en las mujeres encarceladas, con un aumento en el número de solicitudes y frecuentes quejas de ansiedad. La atención de la salud en general es importante, y se reconoce una vez más la importancia de la atención de la salud mental, con la presencia de un profesional de la salud como un psicólogo en las cárceles.

Palabras clave: Palabras clave: psicologia jurídica; ejecución penal; pandemia.

O mundo parou. Ao menos em parte. Quase todo ou parte dele. Estamos certos de que esta experiência mudou muito nossas vidas e a compreensão sobre a saúde de modo geral.  

Um vírus, chamado CORONAVÍRUS, que causa a doença denominada de COVID 19, desencadeou uma pandemia em março de 2020, uma emergência de saúde pública, sendo uma vivência nova para as pessoas, que tiveram que aprender novos cuidados para proteger suas vidas. Um vírus com uma rápida propagação, com uma ação orgânica contundente que nos remeteu ao risco de morte. A pandemia vem a ser uma propagação de determinada doença de forma generalizada em diversos locais do mundo e surge pra todos de modo surpreendente e preocupante. 

Todos passaram a viver com o risco de contaminação. Entretanto, muitos arriscaram (e arriscam) a sua vida, exercendo sua atividade profissional e também arriscaram (e arriscam) a dos outros, quando negligentemente não consideram as orientações das autoridades em saúde pública. Muitas pessoas já morreram e o número de mortos mostrados nos painéis estatísticos pelo mundo ainda causam perplexidade. Passamos a conviver com muitas mortes e não são apenas números, são vidas desaparecendo de forma dolorosa, mas num velocímetro desenfreado, visualizadas por um painel eletrônico de contagem. Muitas famílias devastadas. Muito adoecimento físico e sofrimento psíquico.  

Convivemos com o chamado “lockdown”, com o isolamento, com a quarentena, com as restrições de circulação e contato. Viagens internacionais e até nacionais e interestaduais canceladas. Em muitas localidades atividades não essenciais foram suspensas.  Em muitos locais de trabalhos, pessoas pertencentes aos grupos de risco foram afastadas por um tempo, visando protegê-las, poupando-as de exposição. Em outros, adotado trabalho remoto quando possível. Também houve redução de carga horária ou revezamento para alguns funcionários, mas alguns tantos continuaram trabalhando normalmente. 

As escolas foram esvaziadas e o sistema de ensino à distância passou a ser mais difundido, utilizado como o recurso possível, diante da necessidade de manter o controle de circulação de pessoas e o distanciamento social. Os professores e alunos tiveram sofrimento nesta adaptação e reorganização da vida.

Vimos um cenário de guerra, com hospitais superlotados e outros sendo montados em caráter de urgência/emergência e muitos profissionais da saúde trabalhando em meio à falta de estrutura decorrente da inesperada pandemia. Milhares de pessoas morrendo num curto espaço de tempo, no Brasil e pelo mundo todo e a ciência tendo que se desdobrar para encontrar meios de controle do contágio desenfreado, com o desenvolvimento de exames, testes e vacinas e quiçá a cura.

Os profissionais da segurança pública, assim como os da saúde e outros auxiliares da manutenção da vida e do cotidiano mínimo, não pararam de trabalhar. Este relato diz respeito à vivência de uma psicóloga na Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu e que trabalha com pessoas presas há quase 20 anos. Esta unidade, que conta com 248 vagas, abriga mulheres que cometeram crimes e lá cumprem suas penas, ou que estão eventualmente aguardando seus julgamentos e decisões.

Nosso país é um dos que mais encarcera no mundo e, apesar da sabida falência da pena de prisão, tem poucas alternativas jurídicas para ela e muitas pessoas para serem assistidas. O Conselho Federal de Psicologia tem buscado orientar seus profissionais, mas depende de uma política anti-aprisionamento. (Conselho Federal de Psicologia, 2021). A prisão, ainda que lugar rejeitado e criticado, existe e nelas estão pessoas a serem consideradas. 

Este relato trata de uma experiência na Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu – unidade de progressão, o que não necessariamente objetiva expressar a realidade de outras localidades, visto que sabemos de inúmeras dificuldades de gerenciamento pelo Brasil

Os cuidados da saúde na pandemia

Profissionais e atividades vistas como essenciais permaneceram ativos, mesmo nos momentos de restrições. 

A Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, descreve uma lista com nomes dos diversos profissionais considerados essenciais ao controle de doenças e à manutenção da ordem pública, entre eles os médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e outros profissionais envolvidos nos processos de habilitação e reabilitação, dentistas, psicólogos (incluídos pela Lei nº 14.023 de 2020), assistentes sociais, policiais federais, civis, militares, penais, rodoviários e ferroviários e membros das Forças Armadas, agentes socioeducativos, agentes de segurança de trânsito, e agentes de segurança privada, brigadistas e bombeiros civis e militares, vigilantes, guardas municipais e outros elencados, e demais auxiliares, tendo em vista a necessidade de manutenção e funcionamento de diversas atividades da nossa organização social. 

O Brasil está entre os países que mais encarcera no mundo, apresentando uma das maiores populações em presídio, cujo número é de aproximadamente 700 mil pessoas.  O número elevado dificulta a gestão, que por sua vez revela número insuficiente de vagas disponíveis nos estabelecimentos prisionais, sendo comum encontrar locais com superlotação. 

As prisões de todos os tipos, assim como os asilos (casa de repouso para idosos) requerem sempre maiores cuidados para um controle de uma situação, prevenção de surto, pelo risco de contaminação em massa. Esses lugares fechados, denominados por Goffman (1988) de “instituições totais” (quando se refere à estabelecimentos sociais com determinado tipo de atividade, onde as pessoas são submetidas às regras e características específicas de administração de seu tempo, assim como os manicômios e conventos), necessitam de cuidado permanente, tanto pelos funcionários quanto pelas pessoas que ali se encontram, pelo risco de ocorrências de surtos, pelo contágio coletivo.  As pessoas em geral, tanto fora quanto dentro de instituições, revelaram algum receio de adoecer e também de morrer, tendo em vista que o crescente número de contaminados e mortos como nunca antes visto pelas últimas gerações, trazendo sofrimento para perto de todos.

Apesar de várias dificuldades e impasses políticos que interferiram na condição da pandemia, tivemos um plano de contingência nacional de infecções humanas pelo CORONAVÍRUS, que mobilizou ações em maior ou menor grau, logo de início, das estruturas correspondentes do Sistema Único de Saúde (SUS), atuando de forma integrada,  na Atenção Básica (Atenção primária em saúde, que diz respeito à porta de entrada dos usuários do sistema público de saúde), na Vigilância em saúde (que desenvolve ações de prevenção e controle de doenças transmissíveis) e na Atenção especializada (que envolve um conjunto de ações, práticas e conhecimentos, com uso de equipamentos disponíveis, para os cuidados de média e alta complexidade), embora a rapidez e o volume de infectados e infecções não tenha possibilitado evitar todas as mortes ocorridas.

O Conselho Nacional de Justiça, elaborou documentos de recomendação e orientação, publicou resoluções, compreendendo a necessidade de cuidados com as pessoas privadas de liberdade e os impactos dessa população na saúde coletiva como um todo.  A Recomendação nº 62 de 11/03/20, por exemplo, discorre sobre a adoção de medidas alternativas à prisão e à medida socioeducativa de internação, no caso de crianças e adolescentes, podendo estas ser substituí-las em determinados casos, entre outras medidas como antecipação de concessão de benefícios, priorizando os que se enquadram no grupo de risco para infecção pelo novo coronavírus – Covid-19, que compreende:

as pessoas idosas, gestantes, pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções. (Conselho Nacional de Justiça, 2020).

Também passou a monitorar as estratégias e os casos de adoecimento nas diversas localidades do país, disponíveis para consulta no site institucional, com atualizações periódicas. (Brasil, 2021a).  Na página online sobre as “Medidas de Combate à COVID-19”, do Governo Federal (Brasil, 2021b), na data de 12/11/2021, indicava-se 278 óbitos no sistema penitenciário em nosso país e no Paraná foram 25 óbitos até esta data. No mundo todo, neste painel, constavam 3676 óbitos. Apesar de o número de contaminação ter sido bem maior, e considerando ainda alguma subnotificação ou ausência de dados de alguma localidade, no geral os números não causaram maior pavor dentro da prisão do que fora, onde acompanhamos números assustadores de contaminação e óbitos. 

Os espaços de privação de liberdade, sejam eles as prisões ou lugares de cumprimento de medidas sócio educativas, tiveram suas inspeções mantidas, bem como outras medidas foram adotadas visando a prevenção de contágio e de propagação do vírus.

O Poder Judiciário é orientado de que:

o contexto de surto de Covid-19 não veda, não impede e não descredencia a fiscalização dos estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo. Tampouco se presta a servir de escusa simples e injustificada, por parte da administração penitenciária e socioeducativa, para impedir a realização de visitas de inspeção atribuídas a órgãos ou autoridades com competência para tanto. (Conselho Nacional de Justiça, 2021).

Decorrente da pandemia e das legislações referentes, foram adotadas medidas específicas, também nas unidades prisionais, entre elas, as gerais como o uso de equipamentos de proteção (máscaras), distanciamento social (cerca de 2 metros de uma pessoa para outra), embora dentro das celas, isso não fosse possível e a adoção de procedimentos de prevenção como a higienização do corpo e dos locais (álcool em gel e água sanitária por exemplo).
A saúde da pessoa presa

O Paraná também traçou e adotou suas medidas preventivas, de cuidado, para além de outras advindas do Ministério da Saúde.  O Departamento Penitenciário também disseminou as informações e as medidas necessárias de controle. O Decreto nº 4230 por exemplo, obriga a adoção do teletrabalho para servidores acima dos 60 anos e também aos que possuem doença crônica, problemas respiratórios, gestantes e lactantes. 

Resumidamente, os departamentos penitenciários tem como objetivo cumprir as disposições da Lei de Execução Penal, que prevê em seu artigo 1º:

A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para harmônica integração social do condenado e do internado.”. Em seu artigo 10º descreve: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso”. E, artigo 11º “A assistência será: I – material, II –à saúde, III – jurídica, IV – educacional, V – social, VI – religiosa. (Lei de Execução Penal, 1984).

Portanto, retoma-se a função básica de cuidado, de responsabilidade da instituição prisional, para além da “microfísica do poder”, do controle implícito, ideológico e disciplinar sobre os corpos, descrito por Foucault (2007) quando apresenta a história das prisões. Os corpos concretos, as vidas que estão sob a custódia do estado devem ser cuidadas e, para além das condições físicas, também as mentais, das pessoas que fazem parte da execução penal, que estão cumprimento suas penas, ou aguardando seus julgamentos em estabelecimentos prisionais. 

A Psicologia, portanto, neste contexto, integra, não só a área de segurança pública quanto atua em unidades prisionais, fazendo parte da assistência a ele dispensada de modo geral, mas também o quadro de profissionais de saúde, área reconhecida anteriormente a esta e definido em resolução do conselho de classe:

(…) o PSICÓLOGO, é um profissional que atua também na área da SAUDE, com fundamento, inclusive, na caracterização efetuada pela OIT, OMS e CBO (…)

Art. 1°- É atribuição do PSICÓLOGO a emissão de atestado psicológico circunscrito às suas atribuições profissionais e com fundamento no diagnóstico psicológico produzido.

Parágrafo único – Fica facultado ao psicólogo o uso do Código Internacional de Doenças – CID, ou outros Códigos de diagnóstico, cientifica e socialmente reconhecidos, como fonte para enquadramento de diagnóstico. (Resolução CFP nº 15, 1996).

Nas unidades prisionais, durante a pandemia, eventualmente passamos a elencar casos graves para atendimento presencial, em função das orientações do DEPEN de redução das movimentações. (DEPEN, 2020). Tivemos que rever, dentro da saúde mental, também os casos de emergência, neste novo tempo pandêmico e continuamos a acompanhar os casos de pessoas que já apresentavam quadros depressivos e outras psicopatologias já existentes e ainda atender a nova demanda, casos novos com queixas, frequentemente, de angústia e ansiedade. Alterações de humor, no sono e na alimentação de modo geral foram também relatadas. 

Assim como foram suspensos atendimentos não emergenciais fora da prisão, para dar prioridade à emergência pandêmica, nas unidades prisionais também as saídas com autorização judicial e escolta para consultas diversas, como as psiquiátricas, exames ou outros procedimentos como de dentista, por exemplo, foram suspensos, para dar espaço às prioridades da situação. 

A saúde mental das pessoas, em geral, na condição pandêmica, se alterou, diante da vivência de uma situação inesperada, bem como ocorreu com pessoas fora das prisões.  A preocupação com a saúde de si mesma e das pessoas ao redor aumentou e na sequência ainda, uma preocupação com a questão financeira, tendo em vista o sofrimento refletido na economia e mostrado no noticiário, causaram um aumento da ansiedade e outros sintomas como tristeza, desesperança e até crises de choro e pânico.

As pessoas presas passaram a acompanhar as notícias pelos aparelhos de rádio e televisores. As notícias eram por si só angustiantes e constantes, com números de infectados e de óbitos crescentes, numa velocidade impactante. A preocupação, para essas pessoas, para além das suas vidas, era também com os seus familiares. 

No caso das pessoas presas, também é recomendável que não assistam à todo momento os noticiários, pois os sintomas do sofrimento aumentavam e assim foram orientadas.

O número de solicitações de atendimento, feitas através de um pequeno papel, um formulário interno disponível na Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu, semanalmente, aumentou, demonstrando a necessidade e importância da escuta psicológica, ainda mais em condições como a da pandemia, que acarretou uma mudança concreta na vida das pessoas e alterou uma suposta “estabilidade psíquica”. Muitas dessas mulheres presas demonstraram uma necessidade de falar sobre seus pensamentos e seus sentimentos, revelando ser importante a manutenção da agenda dos atendimentos psicológicos dentro das prisões. 

Observamos prejuízos na saúde mental, também com o sofrimento agravado pelo aprisionamento, pelas relações desgastadas, pelo convívio constante nas celas, agravado na condição pandêmica. Até mesmo as agentes penitenciárias (policiais penais) traziam indicações para atendimento psicológico, diante do que observavam e viam no convívio das galerias onde se situam as celas. 

Foi possível perceber também, por parte das mulheres presas, uma confiança na equipe de funcionárias da Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu.  De algum modo elas se sentiram também alguma segura sobre suas vidas, sensação decorrente do cuidado recebido.

A pandemia na prisão

O sofrimento psicológico, decorrente do momento pandêmico foi marcante e crescente, dentro e fora das prisões. Fora da prisão, a psicoterapia e demais atendimentos passaram a ser feitos com mais frequência via computador, de modo online para as pessoas em geral, o que antes era prática tímida e que encontrava muita resistência até por parte de muitos profissionais mais tradicionais. Muitas pessoas que nunca haviam pensado em procurar um psicólogo, reconhecendo o próprio sofrimento, recorreram aos profissionais. Mas os atendimentos psicológicos puderam e necessitaram ser mantidos na situação pandêmica. 

Dentro desta unidade prisional feminina, os atendimentos continuaram a ser feitos individualmente, ainda que com cuidados como: sala arejada, distanciamento, uso de máscara e álcool em geral para higienização geral. 

O Paraná também traçou e adotou suas medidas preventivas, de cuidado, para além das advindas do Ministério da Saúde. Medidas específicas, como a suspensão ou diminuição de atividades, suspensão da entrada de sacolas com itens até então permitidos nas unidades e até a suspensão de visitas foram prudentes e necessárias – conforme. as Recomendações para prevenção e cuidado da COVID -19 no sistema prisional brasileiro, (Brasil, 2021c).

O desenvolvimento de atividades alternativas, como a adoção de um DIÁRIO COVID na Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu adotado pela gestão administrativa e operacional, em parceria com a área de educação, foi implantado (cada mulher presa recebeu um caderno e caneta, para expressão de sentimentos e alívio das angústias deste período). 

Atividades de artesanatos como o crochê, comum nas unidades prisionais brasileiras e que permite ainda a remição da pena, foram mantidas dentro das celas. O “fuxico”, artesanato feito com linha, agulha e sobras de tecido cortadas em círculo, foi alternativa adotada como atividade terapêutica, sem remição de pena, para alguns casos de pessoas em caráter provisório, na condição de elevado sofrimento psíquico. É uma atividade que não tem um custo relevante (desonerando também seus familiares). 

Outras medidas alternativas foram sendo adotadas, para a continuidade do fluxo da vida, a exemplo da realização de cursos à distância e círculos da paz, por exemplo, que passaram a ocorrer no modo “online”. 

As visitas presenciais também foram suspensas e foram adotadas as webvisitas, também chamadas de visitas virtuais ou visitas online, nos moldes das webconferências e audiências online feitas pelo Judiciário. Estas, dizem respeito às atividades não-presenciais que, por meio de equipamentos de informática, possibilitam contatos e conexões entre as pessoas.

Como as mulheres têm menos visitas presenciais que a maioria dos homens, este novo modelo de visita, além de auxiliar no controle do contágio como em outras unidades prisionais, possibilitou que as mesmas tivessem acesso aos familiares distantes, que por algum motivo não vinham presencialmente (por distância geográfica ou condição financeira, por exemplo) e não as viam há muito tempo, que não estavam a se comunicar antes, a não ser por cartas, em alguns casos. 

As cartas ainda existem nas prisões, elas existem e continuam sendo um meio de comunicação que, apesar das queixas de que demoram até meses pra chegar, sendo mais   demorado, serve para manter os vínculos, alimentar afetos, aliviar as saudades. As cartas além de serem um meio de expressão, ajudam a desenvolver o raciocínio e a escrita, facilmente verificado, num lugar onde o predomínio da escolaridade é o ensino fundamental incompleto (dados brasileiros). Elas também costumam desenhar nas cartas, seja para romantizar, seja para agradar ou suavizar a carta dos filhos que as receberão. Infelizmente é preciso pontuar que algumas cartas são comercializadas entre elas. 

Mas, tanto as cartas, quanto as visitas, presenciais ou virtuais, aliviam a saudade. A visita virtual também ajuda a diminuir a preocupação mútua, visto que os familiares também observam pela câmera que as pessoas presas estão minimamente bem e bem cuidadas. 

Em Foz do Iguaçu, existem algumas unidades prisionais próximas, e foi possível verificar que houve uma manifestação tímida de alguns familiares de homens presos, para reivindicação do retorno à visita presencial, mas esse movimento discreto não teve representatividade na unidade feminina. Não dispomos dos números exatos, mas houve aumento no número de visitas para as mulheres presas, que tiveram contato com familiares que há tempos não as viam. 

As visitas presenciais das “pessoas privadas de liberdade” foram retomadas, de forma gradativa, a partir de novembro de 2021, conforme Portaria 101/2021 (Paraná, 2021), de modo experimental, respeitando ainda as medidas sanitárias adotadas nos estados e municípios condizentes. 

Embora saibamos que todas as vidas importam, as contaminações nas unidades prisionais de modo geral foi baixa no Paraná, havendo surtos isolados e rapidamente controlados com a quarentena e o isolamento das pessoas. Em alguns locais não houve focos descontrolados da doença, nem entre os as pessoas nem entre os servidores. Tanto as pessoas presas, quanto os funcionários demonstraram responsabilidade quanto aos cuidados adotados. Tivemos poucas notas de falecimento por COVID ou de outras mortes de pessoas durante este período de 2020 e 2021 dentro da prisão. 

Vale pontuar que nesta unidade, algumas mulheres presas, foram liberadas para prisão domiciliar, em função de uma Recomendação nº 62 de 17/03/20, feita aos tribunais e magistrados pela necessidade de se adotar medidas preventivas, tendo em vista a preocupação emergente com a saúde coletiva.  (Conselho Nacional de Justiça, 2020).

Considerações finais

A grande população carcerária brasileira sinaliza de assistir e manter os cuidados à todas as pessoas, sem exceção. A assistência às pessoas presas precisa se manter na pauta das ações globais, como pudemos observar com a pandemia. Embora exista uma tendência na atualidade a se pensar em penas alternativas à prisão, para alguns casos, ela ainda existe e as pessoas que nela estão precisam ser olhadas.  

Diante de tantas mudanças no cotidiano advindas da pandemia, dentro e fora das prisões, verificamos deliberações e orientações administrativas e da ordem da saúde, para gerir este momento crítico e atípico da vida social. 

Diante do sofrimento globalizado, significativamente, os atendimentos psicológicos nesta unidade prisional feminina se mantiveram na situação pandêmica. 

 O psicólogo na prisão, de modo geral, para além da Psicologia Jurídica, continua sendo solicitado enquanto profissional da saúde e quando presente, mostra-se essencial para a escuta e orientação das pessoas presas e para a promoção da saúde mental de forma geral, auxiliando ainda no cotidiano da gestão administrativa da unidade.

Referências

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Como citar esse texto

APA – Chaves, K. B. (2022). A práxis da psicologia na execução penal durante a pandemia – relato de uma psicóloga em penitenciária feminina no Paraná. CadernoS de PsicologiaS, 3. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/a-praxis-da-psicologia-na-execucao-penal-durante-a-pandemia—relato-de-uma-psicologa-em-penitenciaria-feminina-no-parana/

ABNT – CHAVES, K. B. A práxis da psicologia na execução penal durante a pandemia – relato de uma psicóloga em penitenciária feminina no Paraná. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 3, 2022. Disponível em https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/a-praxis-da-psicologia-na-execucao-penal-durante-a-pandemia—relato-de-uma-psicologa-em-penitenciaria-feminina-no-parana/. Acesso em __/__/____