Revista CadernoS de PsicologiaS

Autoestima, infância e maternidade: um percurso psicoterápico apoiado na terapia cognitivo-comportamental

Ana Paula Wilvert
Psicóloga (CRP-08/21368) — E-mail: apwilvert@gmail.com
Lucas Stolarz Tissi
Centro Universitário Campos de Andrade

E-mail: lucastissi@gmail.com
#Relatos_de_experiência

Resumo: Este relato de experiência aborda o caso clínico de R., paciente de uma clínica-escola. A mesma possui 31 anos e dois filhos. Inicialmente trouxe demandas relacionadas ao comportamento disruptivo de seu filho mais velho, questões acerca de seu autocuidado, estresse excessivo e dificuldade de regulação emocional. Os atendimentos foram realizados com base na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), para abordar cientificamente e empaticamente os fenômenos psicológicos que surgiram no processo psicoterápico. A partir de uma revisão bibliográfica, este relato articula a TCC como sendo uma abordagem que enfatiza os processos emocionais, cognitivos e as consequências comportamentais no paciente. O foco das intervenções foi inicialmente na demanda de sobrecarga de responsabilidades e autocobrança da paciente. Observou-se a diminuição dos comportamentos e pensamentos que traziam prejuízo ao dia a dia da paciente, e maneiras mais saudáveis de lidar com situações estressoras foram adquiridas durante o período de atendimento.

Palavras-chave: Estágio clínico; Terapia Cognitivo-Comportamental; Estresse.

SELF-ESTEEM, CHILDHOOD AND MOTHERHOOD: A PSYCHOTHERAPEUTIC PATH SUPPORTED BY COGNITIVE-BEHAVIORAL THERAPY

Abstract:

This experience report addresses the clinical case of R., a patient at a teaching clinic. She is 31 years old and has two children. Initially, she brought demands related to her eldest son’s disruptive behavior, questions about his self-care, excessive stress and difficulty with emotional regulation. The services were carried out based on Cognitive-Behavioral Therapy (CBT), to scientifically and empathically address the psychological phenomena that arose in the psychotherapeutic process. The focus of the interventions was initially on the patient’s demand for overload of responsibilities and self-demand. A reduction in anxious behaviors and thoughts that caused harm to the patient’s daily life was observed, and healthier ways of dealing with stressful situations were acquired during the period of care. Based on a literature review, this study articulates CBT as an approach that emphasizes emotional, cognitive processes and behavioral consequences in the patient.

Keywords: Clinical internship; Cognitive Behavioral Therapy; Stress.

AUTOESTIMA, INFANCIA Y MATERNIDAD: UN CAMINO PSICOTERAPÉUTICO APOYADO EN LA TERAPIA COGNITIVO-CONDUCTUAL

Resumen:

Este relato de experiencia aborda el caso clínico de R., paciente de una clínica. Tiene 31 años y dos hijos. Inicialmente trajo demandas relacionadas con el comportamiento disruptivo de su hijo mayor, cuestionamientos sobre autocuidado, estrés excesivo y dificultad en la regulación emocional. Los servicios se realizaron con base en la Terapia Cognitivo-Conductual (TCC), para abordar de manera científica y empática los fenómenos psicológicos surgidos en el proceso psicoterapéutico. El foco de las intervenciones estuvo inicialmente la demanda del paciente por sobrecarga de responsabilidades y autoexigencia. Se observó una reducción de conductas y pensamientos que causaban daño a la vida diaria del paciente y se adquirieron formas más saludables de afrontar situaciones estresantes durante el período de atención. Basado en una revisión de literatura, este estudio articula la TCC como un enfoque que enfatiza los procesos emocionales, cognitivos y las consecuencias conductuales en el paciente.

Palabras-clave: Estadio clínico; Terapia de conducta cognitiva; Estrés.

 

Introdução

Este relato tem por objetivo demonstrar os registos das atividades desenvolvidas no Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica I, elaborado no decorrer do 9º Semestre no primeiro semestre do ano de 2023, como requisito obrigatório parcial para a obtenção do título de Psicólogo pelo Centro Universitário Campos de Andrade. Com a supervisão da Professora Ana Paula Wilvert por meio da abordagem Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Todos os atendimentos foram embasados teórica e cientificamente na abordagem psicológica de escolha, com técnicas, análises, e intervenções sendo utilizadas durante os atendimentos pelo estagiário, com seus resultados e sessões relatadas em prontuários sequenciais e semanais para acompanhamento do aluno e de sua professora supervisora. 

O tema ‘romantização da maternidade’ vem tendo maior relevância e discussões na contemporaneidade. Com uma sociedade patriarcal, onde paira um padrão comportamental e papéis sociais onde o homem é o provedor e a mulher deve cuidar dos filhos e das tarefas caseiras, tal constructo social de funcionamento pode afetar diretamente a saúde mental da mulher contemporânea. Em certos momentos, a mulher pode enfrentar conflitos internos e externos sobre sua posição social, sua identidade e outros fatores que compõe a autoimagem e sua autopercepção como sujeito. A construção da visão de maternidade é desenvolvida a partir de diversas experiências sociais e culturais da mulher durante sua vida, inclusive possibilitando a manutenção de estigmas acerca do ato de ser mãe (César, Loures e Andrade, 2019). Tal tema é abordado de diferentes maneiras, a partir de relatos da paciente, contextualizando e demonstrando as reflexões da mesma junto do estagiário, enquanto técnicas e estratégias de enfrentamento são pontuadas quando utilizadas no processo.

Método

As sessões, que totalizaram 8, com duração de 50 minutos, foram realizadas semanalmente na clínica-escola do Centro Universitário Campos de Andrade (Uniandrade), presente na cidade de Curitiba —  Paraná. Tal clínica é aberta ao público, podendo ser acessada por indivíduos interessados em atendimento e avaliações psicológicas. Os atendimentos são realizados pelos discentes do último ano da graduação (9º e 10º períodos), sendo supervisionados tecnicamente pelos docentes da instituição. A experiência no atendimento clínico é requisito obrigatório no curso, portanto, os alunos tornam-se estagiários dentro da clínica, que possuem conduta embasada em uma abordagem de escolha (no caso deste relato, e como citado anteriormente, a Terapia Cognitivo-Comportamental), para que assim subsequentemente tenha a orientação adequada de acordo com a demanda do paciente. Inclusive todos os atendimentos e intervenções realizadas são praticadas com base no Código de Ética Profissional do Psicólogo, e normas éticas da clínica-escola. O serviço-escola baseia-se no sigilo das documentações resultadas dos atendimentos, contemplando os dados do paciente (identificação), as demandas, os planos de intervenção e o registro da evolução dos atendimentos. A prática então foi baseada na Resolução CFP nº1/2009 e a Resolução CFP 06/2019, que determinam as normativas para elaboração de documentações coerentes com o serviço prestado.

Os atendimentos, intervenções, e este relato de experiência tiveram o aporte da teoria, exemplos de atendimentos e técnicas da Terapia Cognitivo-Comportamental, sendo utilizado também o livro Terapia Cognitivo-Comportamental para Leigos, de Branch e Wilson (2018), e artigos relacionados ao tema trabalhado em sessão prévia para embasamento futuro no decorrer do processo psicoterápico.

Os atendimentos de R. encerraram por motivos de férias acadêmicas, mas possibilitaram o retorno da paciente ao fim do recesso com o mesmo terapeuta, podendo dar continuidade no segundo semestre do mesmo ano. Como os prontuários são guardados em ambientes controlados pela equipe da clínica-escola, caso a paciente solicite, ou o estagiário conclua sua graduação, ela pode solicitar atendimento com outro estagiário que tenha disponibilidade para realizá-lo. Uma vez que outro estagiário seja redirecionado a tal paciente, o mesmo terá acesso às intervenções realizadas e ao perfil da paciente, para que assim a continuidade do atendimento não inicie do zero.

Referencial Teórico

A TCC foi criada pelo psiquiatra e pesquisador Aaron T. Beck, em meados de 1960. A partir de sua abordagem psicanalítica, Aaron decidiu investigar melhor os fenômenos acerca da manifestação da depressão em seus pacientes, e assim concluiu que muitos demonstraram pensamentos e crenças negativas relacionadas com o fracasso e perda, ao invés da hostilidade citada por Freud (Beck, 2013). 

Também, a linha de pensamento freudiana de que o paciente depressivo teria um desejo pelo sofrimento poderia estar incorreta com base no empirismo demonstrado por Aaron Beck no seu período de pesquisas na década de 60. O tratamento era baseado no teste de realidade dos pensamentos disfuncionais, automáticos e negativos, que geravam emoções negativas, e por consequência comportamentos reforçadores e disfuncionais (Beck, 2013). 

Judith S. Beck, filha de Aaron, aprofundou as pesquisas de seu pai em seu livro Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática (2013). Para este relato de experiência, em sua maioria, foram abordados conceitos e técnicas citadas em tal livro, portanto, sendo beneficiado em sua maioria por tal bibliografia.

Os principais objetivos e metas no processo psicoterápico são definidos em conjunto com o paciente, como parte do tratamento proposto pela Terapia Cognitivo-Comportamental. Tais objetivos são mutáveis, podendo ser alterados durante o processo psicoterápico. Auxiliam também o terapeuta na identificação de Crenças Disfuncionais (padrões de pensamento que possuem um viés pessimista acerca de si) do paciente, que ao estruturar o caso, avalia os Pensamentos Automáticos e sintomatologia para compreender melhor como intervir em cada caso a curto e a longo prazo nas demandas pelas quais o paciente cita como serem desencadeadoras de mais sofrimento. No caso da paciente atendida, os objetivos iniciais foram: diminuir a reatividade emocional, aumentar o repertório de práticas parentais adaptativas e melhorar o autocuidado (autoestima).

Inicialmente, e durante o curso das oito sessões, R. demonstrava e relatava as seguintes demandas, não necessariamente em ordem: sintomas de ansiedade; possíveis alucinações auditivas (cita ter ouvido vozes ao dirigir, e que também teve tais alucinações no período do puerpério, em que teve depressão pós-parto e afirma ter trabalhado anteriormente em outro processo psicoterápico); dificuldade em adormecer; hesitação para realizar atividades do cotidiano (limpar sua residência, assistir à televisão e molhar suas plantas); não possuir autocuidado (atenção à sua aparência); dificuldade em lidar com seu filho primogênito de 6 anos (comportamentos opositores); irritabilidade, e dificuldade de lidar com críticas e julgamentos de outrem. A paciente relatou também ter dores de cabeça frequentes, que normalmente surgem ao pensar em seus filhos. 

A partir de tais demandas, o estagiário, em conjunto com a paciente, abordou os temas que mais lhe traziam prejuízo no presente. Então, os objetivos iniciais eram voltar a dormir com qualidade, voltar a trabalhar e desenvolver um melhor autocuidado. 

Foi também encaminhada para consulta com médico psiquiatra para melhor avaliação dos sintomas anteriores, com o objetivo de melhor esclarecimento dos possíveis tratamentos em acordo com a psicoterapia. 

Pensamentos de incompetência, de não ser uma mãe boa, e de que não possui habilidade para ser mãe também foram relatados em diversos momentos, principalmente ao falar sobre situações que envolviam seus filhos. Fonseca e Canavarro (2017, p. 5) citam que “Os pensamentos relacionados com o bebê no período pós-parto podem ser […] pensamentos negativos e intrusivos que geram sentimentos de estranheza e culpa, e podem influenciar o funcionamento da mulher”, ou seja, a partir da análise dos Pensamentos Automáticos de R., eles possivelmente originaram-se de seu período depressivo no puerpério, e consequentemente permaneceram até o momento do atendimento. A paciente não deu mais detalhes sobre sua fase de depressão pós-parto, não disse se teve diagnóstico por um profissional e não citou se buscou ou teve algum tipo de tratamento na época, somente informou que foi em sua última gravidez, há 4 anos. Ainda assim, citou que em um outro processo psicoterápico abordou tal tema, e interpretou como sendo uma fase depressiva durante seu período perinatal.

Na maioria das sessões, o estagiário solicitou para que R. anotasse os sentimentos e emoções que surgiam após as situações estressoras, principalmente as que envolviam o questionamento de sua maternidade. O objetivo era que a paciente compreendesse seu funcionamento, e que discutissem em sessão tais anotações.

Relatou o surgimento de raiva em momentos de confronto, que sente muita vontade de gritar, que muitas vezes ao não expressar seus sentimentos e pensamentos sente-se frustrada, e assim, permanecendo a sensação de desconforto gerada pela situação estressora. Em alguns momentos de conflito com seus filhos, acaba punindo-os fisicamente, com puxões de orelha e tapas. Comentou sobre o desejo de não continuar com tal tipo de punição, mas de não saber como agir adequadamente em tais situações.

R. apresenta traços de estilo parental permissivo, como cita Lawrenz (2020, p. 4): “Pais indulgentes (permissivos) tendem a não reconhecer ou corrigir maus comportamentos. Além disso, não são claros em relação a suas expectativas” (cf.  Prativa & Deeba, 2019). Portanto, R. pode ter tido dificuldade em expor seus desejos relacionados a seu filho, gerando comportamentos inadequados como consequência por parte do mesmo.

A hipótese de que seu filho mais velho – que também fazia acompanhamento psicoterápico na mesma clínica-escola – possuía o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade foi informada pela terapeuta do mesmo a R., que disse “se sentir feliz em poder compreender melhor seu filho, que nem todos os comportamentos disfuncionais dele são culpa dela, como mãe [sic]”. Barkley (2002) afirma que mães de filhos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) podem se sentir sobrecarregadas e impotentes em relação ao comportamento e agitação da criança. As tentativas de ‘controlar’ o filho podem acabar sendo frustradas, que inclusive potencializam o estresse das atividades maternas. Um estudo de Lipp (2013) concluiu que crianças com TDAH e suas mães possuem alto nível de estresse conjunto, e o estilo parental também pode potencializar o desenvolvimento de comportamentos antissociais. Além disso, a autora pontua técnicas que equipem as mães com estratégias de enfrentamento, e assim, tornam-se extremamente relevantes para que as mesmas manejem seu estresse, trazendo assim diversos benefícios para a qualidade de vida mútua, enquanto utilizam-se de práticas parentais positivas em relação aos seus filhos.

A aplicação do Inventário de Sintomas de Stress Para Adultos de Lipp (ISSL) foi realizada para elucidar como manifestava-se o sofrimento de R. e quais áreas de sua saúde eram mais afetadas. O resultado então foi o de quase-exaustão (fase avançada de estresse, com grandes consequências no funcionamento do indivíduo), e prevalência de sintomas psicológicos. A Psicoeducação acerca do resultado do teste foi realizada, com o objetivo de informar e orientar a paciente sobre estratégias de enfrentamento relacionadas a seus sintomas de estresse.

Os sentimentos e pensamentos de culpa eram recorrentes na paciente, e surgiam em práticas de cuidado dos filhos. Em sessão, R. concluiu que se comparava à sua mãe (a paciente relatava que era agredida fisicamente, e que seus pais não lhe proporcionaram momentos relevantes de cuidado e afeto durante sua infância e adolescência). Não queria ser como ela, gostaria de dar uma melhor infância para seus filhos, comparada com a que a mesma teve. 

Citou que até aproximadamente seus 12 anos de idade, início da adolescência, possuía uma autoestima ruim. Como filha mais velha (têm uma irmã 3 anos mais nova), relatava que toda a pressão e responsabilidade caíam sobre si. Neste período, expôs que realizou uma tentativa de suicídio, motivada pela falta de amor dos seus pais. Disse em certo momento, na metade do processo psicoterápico, que “não se sentia amada, desejada, e, portanto, sua existência não teria função no mundo [sic]”. Aos prantos, R. falou que a sua religião e sua fé a ajudaram a seguir em frente. Seus pais não lhe deram apoio emocional durante o início de sua adolescência, agindo com desdém e agressividade no relacionamento com a paciente.

Logo, num momento futuro, a partir dos questionamentos do estagiário, a paciente cita que seu medo de errar é relacionado com as punições que recebia, e seu sentimento de culpa associado ao medo de agir como sua mãe. Abordando um estudo de caso de Borges, Luiz e Domingos (2009), fica claro que pacientes com crenças centrais de incompetência somadas à sobrecarga de responsabilidades, podem gerar queixas de cansaço e desgaste físico, semelhantes ao relato de R. 

Autocobrança era um pensamento recorrente também, junto com a culpa. Ao abordar seu desenvolvimento, a paciente trazia relatos de se cobrar excessivamente para tirar notas boas na escola, e caso tivesse dificuldade em algo durante o processo de aprendizagem, se sentia fortemente desconfortável. Para que ocorra a redução dos sintomas prejudiciais ao bem-estar da paciente, “[…] há necessidade da identificação dos pensamentos automáticos, emoções, comportamentos e checagem da realidade para a formulação de novo repertório cognitivo e comportamental […]” (Borges, Luiz & Domingos, 2009, p. 184). 

Na metade do processo, a paciente começou a relatar uma melhora na questão relacionada a seu autocuidado e suas tarefas domésticas. Citava que, a partir das reflexões em sessão, começou a compreender a importância de realizar mais atividades prazerosas em períodos livres. Uma pesquisa de Bellé, Andreazza, Ruschel e Bosa (2009, p. 323) cita que “Ainda com relação às estratégias de coping, os resultados indicam que quanto maior é o Coping Auto-Estima das mães, menor o estresse parental relativo à Sobrecarga Emocional, Restrições Comportamentais e Pessimismo […] (cf. Podolski & Nigg, 2001).

Para Wenzel, a Terapia Cognitivo-Comportamental pode ser importante para a autoestima pois: 

Do ponto de vista comportamental, os terapeutas ajudam os clientes a superar a evitação, adotar hábitos saudáveis de autocuidado, responder habilmente a desafios e adversidades e participar de atividades que considerem significativas e lhes deem um senso de reforço positivo. (Wenzel, 2017, p. 18)

Portanto, nas últimas sessões, o estagiário abordou o tema da autoestima com R., que relatava estar tendo uma melhora em tal questão. O estagiário pontuava que além de cuidar de seus filhos, era importante R. manter o cuidado sobre si, realizando as atividades que lhe proporcionavam prazer e satisfação. 

A partir dos sinais de insegurança de R. em relação a si e sua prática materna, um fator que colaborou com a dificuldade em realizar questionamentos adaptativos foi a frequente comparação com outras mães. A distorção cognitiva de Pensamento Dicotômico era clara, onde considerava somente características positivas de outras mães, e de si, somente atitudes negativas. O Questionamento Socrático auxiliou R. em perceber que a generalização de si não era realmente verdadeira, mas sim, somente um pensamento distorcido prejudicial ao seu funcionamento.

Resultados e discussões

R. ao início dos atendimentos demonstrava um relevante padrão de pensamento embotado, que claramente lhe causava prejuízos tanto emocionais e relacionais, quanto físicos. Frequentemente, ao ser questionada socraticamente pelo terapeuta sobre temas que lhe geravam sofrimento, a mesma tinha de maneira recorrente comportamentos evitativos, justificando sua resposta (posicionamento) e mudando de assunto rapidamente. Também trazia relatos longos, dando poucas oportunidades de intervenção ao terapeuta, que precisava manter sua atenção em todas as nuances do discurso da paciente para encontrar uma brecha que permitisse realizar alguma técnica, mas principalmente o Questionamento Socrático. 

Como Beck afirma, o paciente precisa:

[…] de um método estruturado para avaliar seu pensamento; de outra forma, suas respostas aos pensamentos automáticos poderão ser superficiais e incertas, além de não operarem melhora no seu humor ou funcionamento. A avaliação deve ser imparcial. Você não quer que o paciente, por exemplo, ignore evidências que apoiam um pensamento automático, invente uma explicação alternativa que não seja provável ou adote uma visão positiva irrealista do que poderia acontecer. (Beck, 2013, p. 194)

Justifica-se assim, a partir dos acontecimentos registrados neste relato, que tal técnica (Questionamento Socrático) teve extrema importância na melhora de R. A técnica foi aplicada principalmente nas situações de autocobrança e culpabilização excessiva. Inclusive, trouxe resultados desadaptativos momentaneamente à paciente, mas que após um tempo de reflexão ou período de sessões, conseguia refletir de maneira mais adaptativa.

Também, o resultado do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) confirmou a hipótese de estresse excessivo presente em R. A correlação pode ser feita com o ato de ser mãe de duas crianças na primeira infância, algo que é capaz de sobrecarregar a mulher contemporânea. De acordo com Cunha, Eroles e Resende (2020, p. 284), “O ideal de devotamento e de sacrifício da mulher ao ‘tornar-se mãe’ implica em uma visão de maternidade marcada por um sofrimento voluntário e indispensável, que prevalece no pensamento social atual” (cf. Barbosa & Rocha-Coutinho, 2007).

Com a continuidade das sessões, fica clara a diminuição da culpabilização e generalização dos pensamentos distorcidos de R. A Psicoeducação se provou importante no processo para além dos questionamentos, pois R. possuía inicialmente certa resistência em ponderar adaptativamente e diminuir seu sofrimento. Assim, ao fim do processo, as informações envolvendo os possíveis diagnósticos de seu filho e seu estresse excessivo foram cruciais na evolução e melhora terapêutica da paciente.

Considerações finais

Os pontos citados durante este relato de experiência demonstraram uma evolução positiva por parte de R., sendo percebida pelo terapeuta ao decorrer do processo terapêutico, e ao encerrar, pela paciente. Inclusive, este relato esclareceu quais atividades foram elaboradas durante o período de atendimentos, quais técnicas e como as mesmas auxiliaram no processo psicoterápico de R. Assim, a Terapia Cognitivo-Comportamental se provou extremamente relevante na melhora sintomatológica de R., nos comportamentos e situações que lhe geravam grande estresse, e principalmente as que envolviam seus filhos ou sua posição de mãe. 

Assim, este relato ilustrou a relevância de mães em sofrimento psíquico procurarem o atendimento psicológico, para que durante o processo psicoterápico consigam elucidar possíveis gatilhos emocionais, e maneiras mais saudáveis de encarregarem-se do ato de ser mãe.

Referências

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Barkley, R. A. (2002). Transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade: Guia completo e autorizado para pais, professores e profissionais da saúde. Porto Alegre: Artmed.

Beck, J. S. (2013). Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed.

Bellé, A. H.; Andreazza, A. C.; Ruschel, J.; Bosa, C. A. (2009). Estresse e adaptação psicossocial em mães de crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Psicologia: Reflexão e Crítica, vol. 22, n. 3, pp. 317–325.

Borges, C. A.; Luiz, A. M. A. G.; Domingos, N. A. M. (2009). Intervenção cognitivo-comportamental em estresse e dor crônica. Arq. Ciênc. Saúde, vol. 16, n. 4, pp. 181–186.

Branch, R.; Willson, R. (2018). Terapia cognitivo-comportamental Para Leigos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Alta Books.

César, R. C. B.; Loures, A. F.; Andrade, B. B. S. (2019). A romantização da maternidade e a culpabilização da mulher. Revista Mosaico, vol. 10, pp. 68-75.

Conselho Federal de Psicologia. (2009). Resolução CFP nº 01/2009.

Conselho Federal de Psicologia. (2019). Resolução CFP nº 06/2019.

Cunha, A. C. B.; Eroles, N. M. S.; Resende, L. M. (2020). “Tornar-se mãe”: Alto nível de estresse na gravidez e maternidade após o nascimento. Interação em psicologia, vol. 24, n. 3, pp. 279-287.

Fonseca, A.; Canavarro, M. C. (2017). Depressão Pós-Parto. PROPSICO: Programa de atualização em Psicologia Clínica e da Saúde, ciclo 1. Artmed Panamericana. 

Lawrenz, P. (2020). Estilos, Práticas ou Habilidades Parentais: Como Diferenciá-Los? Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, vol. 16, pp. 2-9, Porto Alegre.

Wenzel, A. (2017). Inovações em Terapia Cognitivo-Comportamental: Intervenções Estratégicas para uma Prática Criativa. Artmed Editora.

Como citar esse texto

ABNT — WILVERT, A. P., TISSI, L. S. Autoestima, infância e maternidade: um percurso psicoterápico apoiado na Terapia Cognitivo-Comportamental. CadernoS de PsicologiaS, n. 4. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/autoestima-infancia-e-maternidade-um-percurso-psicoterapico-apoiado-na-terapia-cognitivo-comportamental/Acesso em: __/__/___.

APA — Wilvert, A. P., Tissi, L. S. Autoestima, infância e maternidade: um percurso psicoterápico apoiado na Terapia Cognitivo-Comportamental. CadernoS de PsicologiaS, 4. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/autoestima-infancia-e-maternidade-um-percurso-psicoterapico-apoiado-na-terapia-cognitivo-comportamental/.