Revista CadernoS de PsicologiaS

Caminhos de Proteção: Oficinas Infantis para
a Conscientização da Violência Sexual

Emanuely Karen Reichardt
Acadêmica do curso de Psicologia – Centro Universitário Ugv – União da Vitória – Paraná – Brasil
E-mail: psi-emanuelyreichardt@ugv.edu.br | Telefone: (47) 991034267
Pedro Augusto Zanetti
Acadêmico do curso de Psicologia – Centro Universitário Ugv – União da Vitória – Paraná – Brasil
E-mail: psi-pedrozanetti@ugv.edu.br | Telefone: (42) 984014048
Vanessa Kowalek
(CRP 08/33222-12/21855)
Psicóloga e Professora de Psicologia do Centro Universitário Ugv - União da Vitória - Paraná - Brasil
E-mail: prof_vanessakowalek@ugv.edu.br | Telefone: (42) 999006593

#Relatos_de_Experiências

Resumo: A educação é reconhecida como um direito humano essencial e uma ferramenta indispensável para além da construção de conhecimentos: o ambiente escolar desempenha um papel crucial na conscientização de direitos, deveres e atitudes que contribuem para a formação de uma sociedade mais justa e equitativa. Sob esse viés, um projeto universitário, promovido por acadêmicos de Psicologia, foi desenvolvido e aplicado em uma escola no Planalto Norte de Santa Catarina, em alusão ao tema Maio Laranja – mês nacional de combate ao abuso e à exploração sexual infantil. Utilizando oficinas interativas fundamentadas em teorias do desenvolvimento, o projeto visou a criação de novas epistemologias que integram memória e história na luta contra a violência sexual.

Palavras-chave: Prevenção. Violência Sexual. Infância.

PATHWAYS OF PROTECTION: CHILDREN’S WORKSHOPS FOR RAISING AWARENESS OF SEXUAL VIOLENCE

Abstract: Education is recognized as an essential human right and an indispensable tool beyond the construction of knowledge: the school environment plays a crucial role in raising awareness of rights, duties and attitudes that contribute to the formation of a more just and equitable society. From this perspective, a university project, led by Psychology students, was developed and implemented in a school in the northern plateau of Santa Catarina, in reference to the theme “Maio Laranja” – the national month of combating child abuse and sexual exploitation. Using interactive workshops grounded in developmental theories, the project aimed to create new epistemologies that integrate memory and history in the fight against sexual violence. 

Keywords: Prevention. Sexual Violence. Childhood.

CAMINOS DE PROTECCIÓN: TALLERES INFANTILES PARA LA CONCIENTIZACIÓN SOBRE LA VIOLENCIA SEXUAL

Resumen: La educación es reconocida como un derecho humano esencial y una herramienta indispensable más allá de la construcción del conocimiento: el entorno escolar desempeña un papel crucial en la concienciación sobre los derechos, deberes y actitudes que contribuyen a la formación de una sociedad más justa y equitativa. Desde esta perspectiva, un proyecto universitario, dirigido por estudiantes de Psicología, fue desarrollado e implementado en una escuela en el planalto norte de Santa Catarina, en referencia al tema “Maio Laranja” – el mes nacional de combate al abuso y la explotación sexual infantil. Utilizando talleres interactivas fundamentadas en teorías del desarrollo, el proyecto buscó crear nuevas epistemologías que integran memoria e historia en la lucha contra la violencia sexual.

Palabras-clave: Prevención. Violencia sexual. Infancia.

Introdução

A educação é reconhecida como um direito humano essencial e uma ferramenta indispensável para a realização de outros direitos, sejam eles individuais ou sociais. Considerando sua função de promover o desenvolvimento integral dos indivíduos, criando as condições necessárias para que todos possam explorar e maximizar suas potencialidades, a escola assume uma responsabilidade única: garantir que cada aluno não apenas adquira conhecimentos técnicos e acadêmicos, mas também desenvolva competências fundamentais para a vida em sociedade. 

Nesse contexto, ao promover a discussão e a conscientização sobre a violência sexual, a escola transcende a mera transmissão de conhecimento, assumindo um papel ativo no empoderamento dos jovens. Ela os capacita a identificar sinais de abuso e a procurar ajuda de forma assertiva, além de atuar como um agente de detecção precoce, identificando sinais de abuso e encaminhando esses casos para os serviços competentes. 

O presente artigo, então, relata a experiência de um projeto universitário promovido por acadêmicos do curso de Psicologia do Centro Universitário UGV, em União da Vitória – PR, sob orientação e supervisão de uma psicóloga docente. O projeto, desenvolvido no formato de oficinas, foi realizado em uma escola pública no Planalto Norte de Santa Catarina, no contexto do movimento “Maio Laranja”, com foco na prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes. As atividades foram adaptadas para diversas faixas etárias e objetivaram proporcionar, de forma lúdica e interativa, conscientização sobre o tema.

Referencial Teórico
Revisão histórica dos direitos infantis

No período que antecede a era Cristã, se verifica a inexistência de institutos ou normas sociais que visassem à proteção das pessoas que ainda não haviam atingido a maioridade legal. Na Roma e Grécia antigas, por exemplo, as decisões sobre crianças e adolescente eram funtamentadas nos interesses do Estado, chegando, até mesmo, a permitir o infanticídio de crianças com deficiências (Bernardino & Machado, [s.d.]). Somente depois de anos, a proteção à criança começou a ganhar importância, principalmente através da criação de leis.

No Brasil, a proteção infantil começou de forma tímida, com a Lei do Ventre Livre de 1871, que visava a libertação dos filhos de escravos. Apesar de a Constituição de 1824 e a de 1891 terem sido omissas em relação à tutela de crianças, algumas leis começaram a surgir para melhorar suas condições, como o Decreto 1313, de 1890, que regulamentava o trabalho infantil – embora com eficácia limitada (Bernardino & Machado, [s.d.]).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) surge apenas em 1989, com as normas presentes na Lei 8.069. O estatuto protege e oferece assistência legal à juventude do Brasil – meninos e meninas entre 12 e 18 anos – bem como trata da proteção das crianças e adolescentes, define órgãos de proteção, define diretrizes para o processo de adoção e medidas socioeducativas decididas pelo Conselho Tutelar para os crimes cometidos contra os jovens desta faixa etária (Educamundo, 2024).

Os deveres estabelecidos neste estatuto perpassam sobre o respeito às outras pessoas, independente de gênero, raça, cor, idade e/ou outras características. Já alguns dos direitos incluem o acesso à educação de qualidade, o acesso à cultura e informação, o contato com pessoas da mesma idade, a não obrigação a trabalhar como um adulto, a alimentação e proteção familiar e, essencialmente, a proteção contra qualquer forma de violência (Educamundo, 2024).

A definição dessas variações de opressão são descritas pelo ECA em seu art. 2º no capítulo referente à “Violência Doméstica e Familiar Contra a Criança e o Adolescente”, sendo caracterizadas por morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano patrimonial. Essa prática produz marcas que se alastram a prazos indefinidos, comprometendo discernimentos, aspectos sociais, causando culpabilidade, pensamentos de autossabotagem e prejuízos à autoimagem (Gomide & Júnior, 2016). 

Infelizmente, apesar dessas proteções legais, dados levantados pela Fundação Abrinq apontam que, a cada 24 horas, o Brasil registrou 124 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2022. Desde 2012, os números subiram a cada ano, sendo que a maior parte dos casos ocorre dentro de casa. O índice de violência sexual cometida no ambiente familiar chegou a 69% do total e, em 2022, mais de 12 mil casos tiveram como agressor algum dos familiares da criança (Lacerda, 2024).

Diante disso, introduzir assuntos referentes à violência sexual e outras opressões se faz extremamente necessário, especialmente através do meio educacional, que possui aporte e espaço para que a disseminação desses assuntos possa acontecer com abertura a dúvidas e questionamentos. Através da psicologia, esse orientar cabe como ferramenta de proteção, uma vez que a informatização consciente e adequada para as crianças proporciona adquirirem consigo uma ferramenta essencial e que não se perde, o saber1. A partir desse pressuposto, então, a conscientização sobre a violência sexual se mostra uma dimensão vital no fortalecimento da cidadania, ao equipar os jovens com recursos de proteção e construção de uma sociedade mais justa e igualitária (UNICEF, 2019).

A construção de novas epistemologias

A psicologia, como uma ciência da epistemologia (Luiz & Souza, 2022), e a escola, possuem potenciais veículos para resgatar e criar novas epistemologias com teorias do conhecimento que respondem às necessidades contemporâneas e reescrevem narrativas históricas para construir um futuro mais justo e equitativo. Sob esse viés, a promoção da prevenção vai muito além da simples transmissão de conhecimento; trata-se de criar um ambiente seguro e acolhedor, onde crianças e adolescentes possam crescer conscientes de seus direitos e seguros de que estão protegidos (Conselho Federal de Psicologia et al., 2022). 

Para construir esse ambiente, é fundamental uma compreensão crítica da memória e da história, que permita a construção de novas epistemologias. O trabalho preventivo da psicologia, então, não se limita à criação de espaços seguros; ele também envolve a sensibilização e conscientização da sociedade sobre a violência sexual, desmistificando o problema e promovendo discussões em espaços públicos. A prevenção eficaz é aquela que transforma mentalidades, mostrando que a violência sexual é um desafio coletivo da sociedade, e não apenas um problema individual (Filha et al., 2008). 

Assim, a integração da memória e da história com novas epistemologias na educação e na psicologia reforça a responsabilidade coletiva de proteger crianças e adolescentes. A escola e a psicologia, ao utilizarem esses elementos para inscrever novas formas de conhecimento, não apenas preparam os jovens para reconhecer e combater a violência sexual, mas também os capacitam a se tornarem agentes de mudança. Dessa forma, a construção de narrativas de futuro que sejam inclusivas e promotoras de justiça depende diretamente de como ressignificar e aplicar a memória e a história no presente. 

Contudo, refletir sobre a violência sexual implica na análise de uma estrutura social complexa, permeada por uma vasta gama de desinformação (Santos, 2019). Nesse sentido, é pertinente a elucidação de métodos que possam transformar as raízes dessas violências, muitas vezes disfarçadas de banalidades. Entre outros fatores já apresentados, deve-se considerar que a origem de concepções errôneas pode ocorrer já na infância, momento em que a personalidade ainda está sendo moldada, e perceber que se faz coerente que essa elucidação seja realizada dentro do contexto escolar – sob esse intuito, então, é que foi realizado o referido projeto desse artigo, desenvolvido por acadêmicos de Psicologia em uma escola do Planalto Norte Catarinense.

Expectativas para o futuro

A leitura de forma contextualizada do fenômeno da violência sexual contra crianças, através de atividades como as citadas anteriormente, é de significativa importância para se pensar em estratégias que contribuam para a proteção e garantia dos direitos humanos das crianças e adolescentes. Embora esse papel seja designado, essencialmente, aos pais, nem sempre essa realidade se torna efetiva, considerando que a exploração sexual infantil tem predisposição de acontecer no âmbito doméstico, envolvendo, na maioria dos casos, as pessoas mais próximas da criança (Almeida et al, 2020).

A partir de oficinas realizadas como as do presente projeto, portanto, permite-se ao estudante a construção, desconstrução e reconstrução de seu conhecimento, criando possibilidades para uma denúncia quando seus direitos não são cumpridos. Além disso, também promove-se a expressão e elaboração de sentimentos e pensamentos, bem como a aprendizagem dinâmica, a reflexão, a descoberta e a discussão acerca do tema proposto (Grassi, 2008).

0Dessa forma, a construção progressiva do conhecimento possibilita aprendizagens significativas que poderão repercutir nas vivências pessoais de cada um, sendo em forma de identificação de sinais, denúncia e/ou elaboração de seus sentimentos e emoções. Ainda, possibilita à criança o reconhecimento de locais seguros e de apoio, sendo, na maioria das vezes, seu contexto escolar. Nele, portanto, se cria um ambiente propício para denúncias e, antes disso, para o processo de conscientização, considerando que o meio educacional possui aporte e espaço para que a disseminação desses assuntos possam acontecer com a abertura de dúvidas e questionamentos (Almeida et al, 2020). 

Para realizar uma educação que promova o reconhecimento de direitos, portanto, é importante que os meninos e meninas conheçam o Estatuto da Criança e do Adolescente e o utilizem como forma de proteção. É fundamental que os estudantes aprendam a ler suas realidades à luz dos princípios que estão contidos nessa declaração, para que a violência – bem como a violação de qualquer outro de seus direitos – possa se extinguir por completo, criando narrativas de futuro para as crianças e adolescentes centradas na proteção, respeito e dignidade (Instituto Unibanco, 2021).

Método

No dia 24 de maio de 2024, os acadêmicos Emanuely Reichardt, Gabrielly Weisshaar e Pedro Zanetti, sob a supervisão da professora e psicóloga Vanessa Kowalek, realizaram oficinas em uma escola do Planalto Norte Catarinense, em alusão ao tema do Maio Laranja – Prevenção da Violência Sexual contra crianças e adolescentes. Para a realização das referidas oficinas, foram separados os receptores por faixa etária, considerando que o nível de compreensão da criança se apresenta de acordo com seu estágio de desenvolvimento. 

Considerando o exposto, então, o livro Pipo e Fifi (2023), de Caroline Arcari, foi utilizado como ferramenta educacional para as crianças na faixa etária dos 4 aos 7 anos, aproximadamente. Com a utilização de recursos visuais, como a projeção dos slides do livro em um retroprojetor, as páginas do livro foram exploradas com os alunos, permitindo que as crianças acompanhassem visualmente a história por meio dos slides, contemplando as personagens, cenários e detalhes presentes nas ilustrações. Ao chegar à última página do livro, as crianças foram convidadas a participar de uma conversa complementar com o intuito de promover a reflexão sobre a importância de identificar pessoas de confiança. 

Também foi realizada com os alunos da faixa etária supracitada a atividade do semáforo, que consiste em associar as cores vermelho, amarelo e verde às partes do corpo que podem ou não ser tocadas por outras pessoas. Nessa atividade, cada aluno recebeu três bolinhas coloridas e, por meio delas, foram discutidas as áreas do corpo que são adequadas para o toque ou não. Ainda, com algumas dessas turmas, foi realizada a atividade “Desenho nas Costas”. Os alunos foram organizados em duas fileiras, sentados de costas uns para os outros, com uma folha de papel e um lápis à frente. O último aluno da fila iniciou desenhando algo na própria folha e, em seguida, reproduziu o desenho nas costas do colega à frente. Este, por sua vez, deveria tentar reproduzir no papel o que sentiu em suas costas. A atividade seguiu dessa forma até o último participante, quando os desenhos inicial e final foram comparados. 

Com os alunos que estavam na faixa etária dos 11 aos 15 anos, foram propostas elucidações de conceitos acerca do tema e rodas de conversa. A partir delas, foi !realizada uma atividade lúdica com o objetivo de consolidar os temas abordados. Para tanto, os participantes foram dispostos em duas filas e competiram entre si. Foram formuladas perguntas relacionadas aos tópicos discutidos, e os alunos precisaram responder adequadamente. As questões foram baseadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras diretrizes que tratam de temáticas voltadas à violência sexual no contexto da adolescência. 

Discussão dos Resultados

A atividade “Caminhos de Proteção” foi planejada para educar e sensibilizar crianças do 1º ao 9º ano de uma escola pública no município de Irineópolis/SC1, utilizando abordagens interativas e adequadas à faixa etária de cada criança. Com a participação de aproximadamente 160 alunos, essa iniciativa, além de abordar a proteção infantil, também se conecta à temática mais ampla da psicologia e da educação, explorando o papel da memória e da história na construção de novas epistemologias e narrativas do futuro. Ao promover uma compreensão crítica da realidade, a oficina dialoga com a perspectiva de Paulo Freire (1983), que defende uma educação que capacita os indivíduos a serem cidadãos ativos e transformadores sociais.

Antes do início das atividades, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi entregue aos pais, garantindo que a participação das crianças fosse permitida. Notou-se uma abertura significativa da escola e dos responsáveis, considerando que poucas crianças não foram autorizadas a participar das dinâmicas; esse cenário demonstra um processo de rompimento com questões históricas de preconceitos e estigmas voltados ao assunto. Aquelas que não foram autorizadas a participar, embora representem um número baixo de alunos, exprimem, ainda, o tabu enraizado que existe em torno do assunto – o que dificulta a empoderamento dos jovens em seu processo de proteção e prevenção, bem como a conscientização sobre o tema – fundamental para o fortalecimento da cidadania e construção de uma sociedade que promove a inclusão e a justiça (UNICEF, 2019).

 A partir disso, as dinâmicas foram aplicadas em cada turma. Cabe citar, novamente, que cada atividade foi construída e embasada nos níveis de desenvolvimento de cada faixa etária, proporcionando uma maior compreensão e aprendizagem do assunto (Piaget, 1986). A leitura compartilhada do livro Pipo e Fifi (2023) foi realizada com crianças dos 1º, 2º e 3º anos, e permitiu que as crianças acompanhassem a história de forma envolvente, refletindo sobre a importância de identificar figuras de confiança em suas vidas. Durante a leitura do livro em questão, muitas crianças citaram relatos de suas próprias vivências, apontando pessoas de sua família nas quais confiam. Ainda, os acadêmicos pontuaram que, além dos familiares e das demais pessoas citadas, os estudantes deveriam lembrar que a escola representa um lugar seguro, e que eles podem pedir auxílio a seus professores sempre que necessário.

Após essa prática, os acadêmicos se dirigiram às outras salas, a fim de realizar a atividade da “Compreensão dos Limites Corporais”. Utilizando bolinhas coloridas (verde, amarela e vermelha), as crianças foram instruídas sobre áreas do corpo nas quais o toque de outras pessoas é ou não permitido. As cores ajudam a visualizar esses conceitos de forma clara, permitindo que as crianças internalizem a importância do consentimento ao próprio corpo e ao dos outros. A dinâmica teve uma grande aceitação por parte dos alunos, pois todos quiseram participar. Durante a execução da mesma, todos mostraram-se animados e participativos, respondendo a todos os comandos dos acadêmicos em voz alta. 

Alguns alunos, durante o desenvolvimento da atividade, citaram algumas de suas vivências relacionadas ao semáforo, contando sobre algumas viagens e alguns lugares nos quais eles haviam visto o instrumento. Ainda, foram levantados comentários sobre partes do corpo que os acadêmicos não haviam citado, como os cotovelos e ombros, por exemplo. Esses questionamentos demonstraram o interesse e a curiosidade pelo tema proposto. Cabe citar, ainda, que, devido a tantos feedbacks positivos, essa dinâmica foi utilizada como complemento para outras atividades que serão posteriormente citadas.

Seguindo o mesmo intuito da dinâmica anterior, a atividade “Desenho nas Costas”, em que os alunos desenham nas costas dos colegas, buscou reforçar a ideia do respeito e da importância da permissão para o toque, além de fortalecer o entendimento sobre limites corporais e consentimento. Para que a mensagem fosse passada de forma correta, os acadêmicos iniciaram questionando aos alunos se eles queriam participar e se eles permitiam que o colega desenhasse no papel posicionado em suas costas. Essa tarefa também teve grande aceitação, considerando que todos os alunos quiseram participar. Ainda, no desenvolvimento da mesma, ouvia-se muitas risadas e comentários como “isso é muito legal” (sic) e “gostei muito disso” (sic). Ao final, os acadêmicos fizeram uma breve fala para fixar a mensagem da dinâmica.

Com os alunos do 6º ao 9º ano, a oficina incluiu uma explicação sobre os direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especialmente os artigos que tratam da dignidade, integridade e proteção contra abusos. Essa abordagem proporcionou uma compreensão didática sobre a proteção legal a esse público, inscrevendo esses direitos na memória coletiva dos participantes. Nas discussões abertas que se seguiram, os participantes se mostraram participativos e empenhados no processo de aprendizagem, uma vez que trouxeram dúvidas, expuseram vivências pessoais e responderam a todas as perguntas feitas pelos acadêmicos.

Para finalizar, com as turmas de 7º, 8º e 9º ano, foi realizada uma competição, na qual os alunos foram divididos em grupos para responder a perguntas relacionadas ao ECA. A competição envolveu duplas que respondiam às perguntas para ganhar pontos e, posteriormente, um prêmio. Esse formato revisou os conceitos de forma divertida, demonstrando um grande engajamento em atividades nas quais os participantes ganham algum tipo de recompensa. Bem como nas ações anteriores, os estudantes dessas séries também se mostraram participativos, curiosos e interessados pelo que foi proposto.

As oficinas “Caminhos de Proteção”, então, atingiram seus objetivos ao educar e empoderar as crianças sobre seus direitos e a importância da proteção contra a violência sexual. O uso de dinâmicas interativas, leitura compartilhada e discussões abertas permitiu que as crianças criassem novas memórias e internalizassem conceitos fundamentais para a sua segurança. Além disso, essas atividades exemplificam o papel da memória e da história na psicologia, mostrando como experiências formativas podem contribuir para a construção de novas epistemologias e narrativas de futuro, associando a capacidade da educação de transformar as estruturas sociais (Freire, 1983).

Considerações Finais

O presente artigo destaca a importância da educação para além da transmissão de conhecimentos formais, tradicionalmente voltados à capacitação profissional dos estudantes. O ambiente escolar, em razão de seu caráter intencional e sistematizado, oferece um ambiente propício para a construção de novas epistemologias relacionadas a vivências e fenômenos sociais, preparando crianças para enfrentar, de maneira consciente e eficaz, os desafios cotidianos da sociedade contemporânea, como a Violência Sexual, por exemplo. 

Considerando que a prática ocorre majoritariamente dentro de casa, a disseminação de informações no ambiente escolar torna-se ainda mais importante. Segundo dados do IBGE de 2022, Irineópolis, SC, possui 957 crianças, o que representa 9,30% da população total. O maior número de casos de violência contra crianças de 0 a 4 anos foi registrado em 2016, com 2 notificações. Já em 2022, apenas 1 caso foi atendido. Embora o número seja baixo, o site Primeira Infância Primeiro, responsável por compilar esses dados, ressalta que a ocorrência de tais casos está frequentemente ligada à falta de autonomia das crianças (IBGE, 2022).

Pontua, ainda, que trata-se da ponta do iceberg. Intui-se que, para cada um desses casos, há uma série de atos violentos que não chegaram ao ponto de exigir atendimento médico. A partir disso, o próprio site discorre que entre os grandes auxiliares na tarefa de identificar riscos de violência estão os professores de creches e pré-escolas, reforçando a ideia que vem sendo discutida no projeto em questão acerca da importãncia de projetos dentro do ambiente escolar de prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes (Primeira Infância Primeiro, 2022).

Diante disso, intervenções como as oficinas realizadas são de grande valia, ao passo que abordam a temática de forma lúdica, respeitando a faixa etária e o estágio de desenvolvimento cognitivo dos alunos. A partir da absorção desse conhecimento, então, cada criança tem recursos para ser agente de prevenção da violência sexual, disseminando esse conhecimento em seus contextos e contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, baseada no respeito aos direitos de cada indivíduo.

Assim, a articulação entre psicologia e educação no contexto das violências é fundamental para a criação de novas epistemologias que considerem a memória das experiências de opressão. Ao adaptar informações de forma inclusiva, a psicologia capacita os alunos a se tornarem agentes do próprio conhecimento, refletindo princípios éticos que promovem a luta contra a violência e, consequentemente, fomentam infâncias saudáveis, conscientes de seus direitos e comprometidas com a transformação social.

Notas

[1] As experiências pessoais, como aquelas desenvolvidas no referido projeto de prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes, contribuem para a construção de uma psicologia contemporânea, que valoriza o protagonismo dos indivíduos como uma ferramenta de proteção, tanto individual quanto coletiva.

[2] Município localizado no Planalto Norte de Santa Catarina, Irineópolis possui 10.285 habitantes, um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,699 e taxa de escolarização de 6 a 14 anos de 97,5% (IBGE, 2022). A cidade, próxima à divisa com o Paraná, carrega traços do projeto de embranquecimento populacional promovido pela imigração europeia no início do século XX no sul do Brasil, além de estigmas sociais, tendo sido palco da Guerra do Contestado (1912-1916), que marcou profundamente a região com um histórico de opressão a população local. Também apresenta um antecedente de hegemonia racial branca, se manifestando de forma “naturalizada” em cidades semelhantes, refletindo complexidades sociais que ainda persistem (MAIA, Kenia; ZAMORA, Maria, 2018).

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Como citar esse texto

ABNT — REICHARDT, E. K.; ZANETTI, P. A.; KOWALEK, V. Caminhos de proteção: oficinas infantis para a conscientização da violência sexual. CadernoS de PsicologiaS, n. 6. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/caminhos-de-protecao-oficinas-infantis-para-a-conscientizacao-da-violencia-sexual/. Acesso em: __/__/___.

APA — Reichardt, E. K., Zanetti, P. A., & Kowalek, V. (2024). Caminhos de proteção: oficinas infantis para a conscientização da violência sexual. CadernoS de PsicologiaS, n6. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/caminhos-de-protecao-oficinas-infantis-para-a-conscientizacao-da-violencia-sexual/