#Estilhaços
Ao cartografar os processos de aprendizagem no Curso de Psicologia deparei-me no encontro com memórias e histórias na Psicologia, entre as quais, a transformação dos modos de subjetivação como um constante devir pessoal e profissional. Este encontro, analogamente, assemelha-se a tessitura de uma colcha de fuxicos1. Fuxicos? São retalhos de tecidos como elementos análogos aos conceitos, as ideias autorais de Hur (2023); Manzano (2016); Deleuze (2013); Rolnik (2011) e; Deleuze; Guattari (1995).
Ao entrelaçar fuxicos feitos de retalhos, entendo a esquizoanálise, desenvolvida por Gilles Deleuze e Félix Guattari, como abordagem única para entender a subjetividade e a formação do eu, pois ao invés da identidade como algo fixo, enfatiza a multiplicidade e a fluidez dos elementos que compõem a subjetividade. Por que analogia a colcha de fuxicos versus Cartografia? Devido a tessitura das aprendizagens versus memórias conceituais na Psicologia sobre um fazer que é devir de afetos em movimentos contínuos do aprender a fazer psicologia como ato, onde a cartografia é vista como método (na esquizoanálise) para explorar memórias e histórias de maneira inovadora.
Neste sentido, utilizo a cartografia tida como método por Deleuze e Guattari (1995) para mapear experiências e afetos em movimento, dando visibilidade às lutas e narrativas pessoais. Ao cartografar os processos de aprendizagem no Curso de Psicologia é possível se deparar com memórias e histórias na Psicologia onde a transformação dos modos de subjetivação tem sido um constante devir pessoal e profissional. A ação de entrelaçar fuxicos de retalhos imateriais explora os atravessamentos de diferentes redes conceituais, que compõem esta Colcha de fuxicos/Cartografia.
Os fuxicos ao serem unidos e tecidos em conjunto atuam como delineadores do sentido, expresso/vivido quando organizam um mosaico, cujos fuxicos conceituais expõem os atravessamentos sentidos, vividos no acontecimento do Curso de Psicologia, os quais perpassam pela minha percepção sensível sobre o acontecimento, o que sinto, e o que expresso pela linguagem do corpo/afeto.
Assim, os fuxicos que compõem esta colcha/cartografia são também, como este texto, analogias, e, neste ponto da colcha se entrelaçam a compreensão (os saberes da Psicologia); a estima (a abordagem da Esquizoanálise) e a representação no que acontece no território da subjetividade (os modos de subjetivação ao vivenciar o Curso de Psicologia. A colcha tecida pela cartografia expõe as memórias e histórias do viver a psicologia, onde cada fuxico representa acontecimentos (saberes da ciência Psicologia) e atravessamentos em composição (fazeres no Curso de Psicologia).
Neste viés cartográfico, Deleuze (2013) diz sobre a compreensão, a estima e a representação são postas no acontecimento pela percepção e esta por sua vez produz entendimento sobre os atravessamentos, isto é, as potências, as composições as afecções, enquanto forças que expressam sentidos e significados nos momentos vividos. Neste sentido, o acontecimento conecta-se à dimensão dos sentidos, do experimentado e, assim, passa a ser capturado pelo pensamento num movimento ativo entre sentir, afetar-se e vivê-lo, entendendo o movimento da vida como singular.
Contudo, o acontecimento mediado ou inferido no viver por atravessamentos não é algo a ser designado pelo pensamento, manifestado e, sim posto em um acontecer próprio do instante em que acontece, relacionado a linguagem, a qual é capaz de atribuir, dar dimensão ao sentido único, singular de captura pelo pensamento. É, neste sentido, que também, o acontecimento é alcançado pelo pensamento, que por sua vez produz uma compreensão sobre este acontecer num universo de multiplicidades em meio a agenciamentos que atravessam as singularidades produzindo intensidades e modos de subjetivação (Deleuze, 2013).
Diante, destas explicitações o atravessamento que emerge desta cartografia como uma colcha de retalhos é a subjetivação expressa por mim frente ao acontecimento – profissionalidade da Psicologia – como força do sentir em relação a captação do sentido de aprendizado que engendra agenciamentos e, também potência frente a composições com saberes e fazeres, que se expressam no corpo nos acontecimentos, no fazer psicologia social, como ato político. A rejeição como um fenômeno que sinto e, que atravessa o sentido deste viver a Psicologia, na medida em que emana, se enraíza na singularidade imprimindo potências de saberes e fazeres no cotidiano da aprendizagem. A figura I a seguir ilustra os movimentos de afetação vividos no Curso e suas contribuições para a aprendizagem no encontro com a Esquizoanálise.
Figura I – A tessitura da colcha de fuxicos como analogia a composição entre corpo, pensamento, aprendizagens e composição com a abordagem da Esquizoanálise.
Expressar sobre acontecimentos, neste caso, sobre os aprendizados em Psicologia como a compreensão, a estima e a representação é compartilhar sentidos a partir de múltiplos atravessamentos singulares, vividos, no conjunto das observações cotidianas das aulas no Curso de Psicologia, dos fluxos das relações e suas inferências nas potências do buscar exercer a profissionalidade na Psicologia. Tais, potências, puderam ser sentidas em meio a atividades interventivas, como o grupo terapêutico com mulheres usuárias da rede básica de saúde, com as visitas domiciliares em residências destas mulheres, com o atendimento individual, no qual a escuta sensível foi a ferramenta essencial para operar em favor da qualidade de vida do paciente e, na campanha promovida para a promoção da saúde mental, ambas as atividades acadêmicas confluindo para o fluxo desejante da aprendizagem.
A colcha de fuxicos (aprendizagens em Psicologia) digo que ora tece paixões tristes, ora como força impulsionadora em busca do desvelar novas formas de viver o acontecimento dos saberes e fazeres em Psicologia (Hur, 2023). Entendo que viver o acontecimento do aprendizado é criar possibilidades para pensar sobre novos modos de exercer a profissionalidade, e de certo modo ir na contramão do processo de universalização dos sentires, viveres. Por vezes os atravessamentos vividos no Curso produziram descontentamentos, na medida em que foram sentidos como rejeição que destituem o corpo de um lugar, inviabilizando o seu viver numa dada realidade produzida, também por corpos, nos enfrentamentos cotidianos do viver sob atravessamentos.
Neste sentido, os três aspectos do acontecimento que compõe a colcha de fuxicos, como a compreensão, a estima e a representação direcionam os viveres no sentido de que ao viver/sentir os atravessamentos pelo no corpo permitem pensar sobre o fenômeno do sentir, sobre o acontecimento (Deleuze; Guattari 1995). Ao tecer a colcha de fuxicos em situação análoga a rememoração de aprendizagens em Psicologia foi possível acessar constructos de forma dialético em relação ao sobre o corpo em suas percepções/compreensões sobre a realidade como uma força que institui a potência e instiga movimento.
A compreensão não imprime aceitação com a designação, manifestação ou significação, mas o apreender do acontecer no instante em que acontece pelo pensamento. E, justamente, esta apreensão do acontecimento sendo canalizada para mobilização de forças, buscando não se reduzir a nenhuma das relações da proposição da rejeição como identidade singular que passaria a determinar a potência subjetiva.
A estima do acontecimento, ou a ideia de querê-lo, conforme expressa Deleuze (1998) canaliza o entendimento do sentir como força que se expressa, no sentido de imobilizar o corpo, que se engendra neste e, movimenta-se nas proposições, as quais podem ser percebidas pela cartografia sentimental fomentada pelo atravessamento singular no acontecimento (Rolnik, 2011). Estimar o acontecimento é de algum modo vivê-lo sob o viés da busca por potência, a qual gera possibilidades diversas para diferentes formas de produzir efeitos para querer este acontecimento, não como destino dado e, sim como acontecimento que proporciona novas configurações para o sentir, interferir, alterar modos de viver o acontecimento.
A representação sobre os atravessamentos do que acontece no pensamento está na representação deste sobre o acontecimento. A representação do fenômeno da rejeição, nesta categoria de análise, equivale ao sentido entendido do acontecer, compõem-se dos sentidos apreendidos a partir dos sinais de superfície. O sentido expresso pelo pensamento no corpo designa um efeito diante de mecanismos reguladores da realidade, o qual, diante da representação que emerge em meio ao atravessamento do acontecimento vivido, pode ser transformada em força de rompimento, quando aliada a mobilização para sentido de potência atribuído ao viver como diferença (Deleuze, Guattari, 1995).
Esta forma de mobilização é também um acontecer que ascende como categoria de essência do viver a Psicologia enquanto profissionalidade. Na sequência a figura II a seguir mostra, a colcha de fuxicos como a cartografia dos acontecimentos (vivências e aprendizagens na Psicologia) que se conecta à dimensão dos sentidos num movimento ativo entre sentir, afetar-se e vivê-lo.
A figura e sua imagem da colcha de fuxicos mostra a potência como propagação das intensidades, multiplicidades, positividades em um devir-ativo (Hur, 2023) que se expressa em possibilidades de criação frente às atividades acadêmicas no Curso de Psicologia e, neste sentido apresenta em meio a costuras e junções de retalhos o locus de desejo que impulsiona ações que por sua vez geram movimento num sistema de relações de força, as quais operam numa correlação entre potência e saber para fazer em Psicologia.
Os aprendizados constituídos como se fossem fuxicos sendo costurados na tessitura de uma colcha desvelam sobre o ser humano se constituir no dado, ser feito, montado pelas sensações, neste sentido, a subjetividade é produzida ao final dos processos inconscientes das máquinas desejantes (Deleuze e Guattari, 1995). O inconsciente maquínico então pode ser tido como um dos lados do desejo. Afinal, o desejo é imediatamente social, e se reflete em numa subjetividade: uma maneira de viver e de pensar (Mansano, 2016).
Nesta perspectiva, ao cartografar os fuxicos atemporais dos subjetivos em movimento, vividos pelas minha experimentação no campo da ciência psicológica expressa no acontecimento, em meio a atravessamentos, a percepção do impacto na subjetividade, da coexistência dos subjetivos que moldam, restringem, esticam a subjetividade de maneiras complexas. Neste sentido, os atravessamentos são retalhos no tempo dos acontecimentos que produzem singularidades subjetivas compondo viveres que se desviam, se entrelaçam, se decompõem e se conectam a desejos a agenciamentos – atravessamentos – meandros postos em acontecimento neste viver em movimento de aprender que é ato incessante de variação que destitui, institui o sentir como potência criadora entre os processos coexistentes de saber e fazer.
[1] A colcha de fuxicos é uma peça artesanal feita de pequenos círculos de tecido costurados juntos, criando um visual colorido e texturizado. É uma técnica tradicional e muito apreciada no artesanato brasileiro.
[2] As imagens na figura e analogias são resultantes dos estudos no Projeto Institucional: Subjetividade na contemporaneidade: eu e o eu social (Centro de ciências humanas da Unioeste 2023-2026). registo na Plataforma Brasil – CAAE – 68484023.8.0000.0107.
Deleuze, Giles. (2013). Conversações. São Paulo: Editora 34.
Deleuze, Giles; Guattari, Félix (1995). Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia. 2º vol. São Paulo: Editora 34.
Mansano, Sonia. Regina, Vargas. (2016). A respeito do conceito de potência na prática clínica: leituras deleuzianas. In: PsicolArgum. Jan./mar., 34(84), 29-38.
Rolnik, Suely (2011). Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto alegre: Sulina, 2011.
Hur, Domenico. Uhng. (2023). Esquizoanálise e esquizodrama: clínica e política. 2. ed. Campinas: Alínea.
Como citar esse texto
ABNT — MAMAN, D. de. Cartografia dos encontros com a psicologia e a colcha de fuxicos. CadernoS de PsicologiaS, n. 6. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/cartografia-dos-encontros-com-a-psicologia-e-a-colcha-de-fuxicos/ . Acesso em: __/__/___.
APA — Maman, D. de. (2024). Cartografia dos encontros com a psicologia e a colcha de fuxicos. CadernoS de PsicologiaS, n6. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/cartografia-dos-encontros-com-a-psicologia-e-a-colcha-de-fuxicos/