#Resenha
Thomas, E., Roven, C. (Producers), & Nolan, C. (Producer/Director). (2023). Oppenheimer [Motion Picture]. Londres, UK: Syncopy & Los Angeles, CA: Atlas Entertainment.
“Alguns riram,
alguns choraram,
a maioria ficou em silêncio.”
(OPPENHEIMER, 2023)
O conteúdo dessa resenha se direciona para o público interessado em psicologia, comportamento humano, emoções, história e cinema. Baseando-se no filme de drama biográfico Oppenheimer, produzido pelo diretor britânico Christopher Nolan, sobre o físico teórico americano Julius Robert Oppenheimer, conhecido como “pai da bomba atômica”, responsável durante a segunda guerra mundial, pela organização do projeto estadunidense de construção da primeira bomba atômica da sociedade. Nolan busca documentar este fato histórico abordando a biografia de Oppenheimer de forma adaptada para o cinema, relatando acontecimentos e desbravando a construção dos passos seguintes do físico até a construção da bomba atômica, inserindo durante estes acontecimentos transições, efeitos visuais e sonoros e jogadas de câmera sem a utilização de CGI para transmitir a emoção produzidos nos personagens para o telespectador, com ênfase para o personagem principal, buscando transferir a emoção para maior inserção na cena.
Fazer o bem para quem? Sob qual ponto de vista? Tomar a decisão de produzir uma das maiores armas do mundo por conta da ameaça iminente em questão parece… altruísmo? O filme capta e transmite muito bem a dualidade moral de uma simples pessoa carregando uma responsabilidade complexa. Com a exploração das nuances de diferentes sentimentos, flutuando entre a angústia que ensurdece, a ansiedade que corrói, no egocentrismo que impulsiona e, principalmente, na batalha interna entre o que é considerado bem e mal. Dessa forma, o ápice da obra se torna na espera em formato de contagem regressiva pela explosão da bomba no teste em Los Alamos. Naquele momento, não há mais volta, o projeto deu certo e a esperança de que a escolha tenha sido igualmente correta começa a tomar espaço nas lacunas dos pensamentos do encarregado por aquilo se tornar realidade. A certeza do feito torna-se concreta no filme a partir da lembrança do trecho de um texto hindu que Oppenheimer apanha para si, citando a famosa frase “agora eu me tornei a Morte, a destruidora de mundos”.
É válido ressaltar como é retratado inicialmente a intenção de lesionar alguém, quando Oppenheimer ainda era um estudante, diariamente humilhado pelo seu mentor. Diante disso, toma a decisão de injetar cianeto, uma substância altamente prejudicial à saúde, na maçã em que o professor ganha. Mas pela falta de coragem, volta atrás com seu plano e percebe que se essa atitude não fosse feita, outra pessoa seria ferida, uma pessoa de prestígio pelo aluno, um inocente. Por pura vingança e sentimento de revolta, outro indivíduo iria sofrer os danos, logo, a possibilidade de a hipótese ser verdadeira assombra o protagonista pela primeira vez. Em uma escala maior, anos depois, as mesmas mãos foram capazes de ficar sujas de sangue, indiretamente, e o resultado da possibilidade dessa mesma hipótese de ter realizado algo ruim, se torna factual.
Então, surge um protagonista secundário, dessa vez, dividindo a tela de forma intangível, mas claramente perceptível: a culpa. Atormentando a sanidade de Oppenheimer, a culpa é retratada de modo claustrofóbico, pela apresentação de sintomas físicos, como faltas de ar, suor excessivo e representação de taquicardia, sobretudo, com manifestações do inconsciente, simbolizadas mediante a utilização dos efeitos visuais e sonoros, a fim de criar uma atmosfera de conexão individual e interpretação pessoal dos sentimentos do personagem. Os questionamentos incansáveis se de fato o sacrifício de milhares de vidas valeu a pena, aparecem em formato de alucinações de crianças, adultos e idosos queimados vivos, gerando a agonia constante de conviver com a decisão feita conscientemente. Como algo pode ter sido criado com o propósito de acabar com o mal, resultar em tantas consequências negativas? Perguntas que certamente não dispõem de respostas objetivas, muito menos, fáceis de serem respondidas. Mas achar essas explicações não é a finalidade do filme e sim transmitir ao observador os efeitos gerados por elas.
Os objetivos a serem destacados na obra de Nolan são a biografia de Oppenheimer, a descrição do projeto de produção da bomba atômica e a transmissão das emoções e sentimentos gerados em Oppenheimer para o espectador, com ênfase para o terceiro objetivo. Com uma abordagem artística, Nolan utiliza ferramentas do cinema para inserir quem está assistindo o filme dentro da cena por meio do compartilhamento das emoções do personagem principal para quem a assiste. Assim, prendendo a atenção deles no filme e produzindo fortes conexões entre irrealidade e realidade, moldando o comportamento do telespectador para qual o filme busca. Essa característica diferencia o filme de Nolan das demais produções cinemáticas sobre o contexto de guerra e bibliográfico, desenvolvendo de forma proposital uma caracterização única para a produção, se tornando um grande marco para o gênero, servindo como referência.
Tais características cooperam para a produção da subjetividade de cada pessoa que assistirá, gerando interpretações únicas sobre as emoções do personagem Oppenheimer que refletem em reações igualmente únicas. Se alinhando neste ponto com a obra “Imagem, cinema e psicologia: compondo aproximação entre arte e ciência” produzido pelos autores Gabriel Bueno e Andréa Vieira Zanella, onde os autores buscam desenvolver um diálogo entre imagem, cinema e psicologia, buscando conceitualizar suas características assimiladoras, e assim, gerar reflexão a par da subjetivação produzida nessa relação entre arte-cinematográfica e ciências.
A metodologia e linha de pensamento utilizada pelos autores consiste em:
Esta alçada tem como horizonte a filosofia da imagem e do tempo de Gilles Deleuze entrelaçada à compreensão benjaminiana da imagem como constituinte do pensamento e o tempo como um eterno agora que não cessa de se atualizar. Ambas as teorias são abordadas de forma dialógica para estabelecer cruzamentos com outros pensadores do cinema e da cultura, bem como com algumas obras fílmicas. (Bueno & Zanella, 2022, p. 01)
Seguindo essa metodologia, o artigo trabalha com a conciliação entre irreal e real nas cenas cinematográficas perante o comportamento humano e a produção de sua subjetividade como telespectador, levando em conta a sua interpretação das emoções transmitidas pela cena através de elementos cinematográficos, como os citados para a descrição da obra de Nolan. Bueno e Zanella buscam relacionar o conceito de imagem no cinema — Recorte da teoria imagem-movimento de Deleuze que será utilizado para compreensão das reflexões propostas, abordando a imagem, mas ressaltamos que som, enredo e outras características da obra cinematográfica também são influenciadores — com ênfase para os conceitos de Deleuze em sua teoria produzida após as ideias de Benjamin e a escola de Frankfurt, com o conceito de imagem para a psicologia. E a partir disso entender os efeitos reflexivos gerados a par de tal características das obras cinematográficas na subjetividade.
Neste objetivo, fundamentado pelos conceitos de imagem-afecção, imagem-percepção e imagem-ação o autor utiliza da teoria de Deleuze para contextualizar sua proposta, colaborando para a concepção de que a cena mostra várias faces de um momento, passível de diversas interpretações que serão produzidas em cada telespectador. Visto que, para ser visível, a imagem não apenas precisas possuir elementos, mas necessita do ganho de sentido por parte de quem a vê, e isso pode ocorrer de três maneiras segundo descrito por Bueno e Zanella (2022, p. 03) com base nas teorias de Deleuze:
O rosto, na lógica da imagem-afecção, pode ser encarnado em objetos, lugares, animais, plantas, todo o não-humano. O rosto expressivo e potência de afeto é a presença de uma anima, de um algo que suscite a indagação sobre o que se passa com esse Ser, o que sente, o que pensa. A experiência proporcionada pela imagem-afecção é mesmo complexa de se exprimir em palavras, visto que é da ordem do sentir, e não do logos racional. Como observa Deleuze (2018), a imagem-afecção é “difícil de definir, pois é mais sentida do que concebida – ela diz respeito ao novo na experiência, o fresco, o fugaz e, no entanto, o eterno” (p. 156).
Em uma linha de pensamento similar a apresentada, os autores referem nos parágrafos seguintes ao que citam a teoria de Deleuze, a teoria de Benjamin. Na qual similarmente, mas com diferenças, é apresentado o conceito de registros imago-afetivos, onde experiências vividas pelo indivíduo se deixam marcas no mesmo, e tais marcas ressurgem através de experiências com imagens, como no cinema, afetando assim a interpretação do mesmo para tais cenas.
O autor se lança num paradigma epistemológico de compreensão do sujeito em que o pensamento está mediado por experiências estéticas e composto justamente desses registros imago-afetivos. A imagem em Benjamin não apenas ilustra o mundo, “ela é parte de um processo de construção de linhas de pensamento, . . . ele não só pensa por meio de imagens, ele também pensa com imagens.” (Pernisa & Landim, 2008, p. 29). A imagem em Benjamin ganha status ontológico, visto que ela compõe o sujeito e este se refere ao mundo mediado por impressões imagéticas (Bueno & Zanella, 2022, p. 04).
A partir dessas linhas de pensamento, Bueno e Zanella buscam relacionar algumas características do cinema com a psicologia, como Campo e enquadramento, Plano e decupagem, e Holy moment, com ênfase para este último. Termo inglês que é relatado pelos autores (2022, p. 07) com a definição do cineasta Zahedi como a “potência do cinema em destacar um fragmento do real e causar uma experiência catártica a partir dessa revelação”. De forma que, a partir de um elemento real em uma obra irreal surge uma nova interpretação que coopera para a potencialização daquele momento, expressando sua significância de uma nova maneira.
Bueno e Zanella concluem o artigo, propondo que as obras cinematográficas por mais reais que busquem ser, trazem com si pedaços da subjetividade dos indivíduos responsáveis por sua produção, possuindo interpretações distintas dela, cooperando para também novas interpretações por parte de quem assiste. Inserindo, desse modo, o cinema no processo de produção da subjetividade, utilizando as teorias apresentadas durante a obra e relacionado a ambos. Logo, a leitura se torna de grande importância para a compreensão do processo de influência das artes cinematográficas na sociedade, já que pode atuar diretamente na formação de subjetividade do indivíduo, e por si só já apresentar produção de subjetividade por meio de sua construção.
Posto isto, conclui-se a proposta do alinhamento da produção cinematográfica de Nolan, onde ele busca produzir interpretações históricas e de emoções utilizando elementos visuais, com a linha de pensamento abordada de forma clara sobre a subjetividade no artigo de Bueno e Zanella. Logo, entende-se a cooperação para um processo de reflexão acerca do desenvolvimento da elaboração da subjetividade do indivíduo, referente a influência do cinema e suas estratégias de expressão do real a partir do irreal em tal processo. Processo possível pela utilização de dois pontos de vistas, distorção da imagem, flashbacks e os efeitos de filtro em Oppenheimer, que atuam como produtores de interpretação subjetiva das cenas, de forma rica e caraterística da obra.
Bueno, G., & Zanella, A. V.. (2022). Imagem, cinema e psicologia: compondo aproximações entre arte e ciência. Psicologia USP, 33, e200101. https://doi.org/10.1590/0103-6564e200101.
Thomas, E., Roven, C. (Producers), & Nolan, C. (Producer/Director). (2023). Oppenheimer [Motion Picture]. Londres, UK: Syncopy & Los Angeles, CA: Atlas Entertainment.
ABNT — SILVA, V. J. S., SANTOS, D. H. Cinematografia e Psicologia: a subjetividade por meio da imagem em Oppenheimer. CadernoS de PsicologiaS, n. 4. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/cinematografia-e-psicologia-a-subjetividade-por-meio-da-imagem-em-oppenheimer/. Acesso em: __/__/___.
APA — Silva, V. J. S., Santos, D. H. (2023). Cinematografia e Psicologia: a subjetividade por meio da imagem em Oppenheimer. CadernoS de PsicologiaS, 4. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/cinematografia-e-psicologia-a-subjetividade-por-meio-da-imagem-em-oppenheimer/