Acredito que o meu escrito nesse momento se faça mesmo como estilhaços, várias partes pequenas, espalhadas. Mas que juntas podem dizer algo.
A partir de 2018, ano em que concluí minha graduação em psicologia, comecei a atender em consultório particular como psicóloga clínica e profundamente atravessada pela experiência psicanalítica. Seriam esses dois lados, duas faces da mesma moeda? A psicologia e a psicanálise?
Durante toda a faculdade um tema central para a psicologia, na minha simples opinião e observação, é o tema da “diferença”. Como lidamos com o diferente?
Pressupondo que esse diferente seja o outro. Não eu.
Nesse sentido, o que se entende como um fazer, por parte do profissional psicólogo, é um trabalho de compreensão, conscientização, quase que um apaziguamento em relação a essas diferenças, que aparecem em nossa sociedade, e em cada caso, com cada um que nos procura.
Um trabalho importante em torno de poder garantir que as pessoas tenham a possibilidade de conviver umas com as outras, independentemente do seu modo de viver, é o que o Movimento da Luta Antimanicomial vem fazendo no Brasil desde 1987. Ainda que esse movimento sofra uma série de ataques, indignamente por parte do próprio governo do país, sua causa permanece viva e pulsante, constituindo parte fundamental da formação de profissionais que se dedicam a pensar e atuar frente ao sofrimento humano.
A partir desses ataques sofridos, é quase automático pensar, que em paralelo a força que move o trabalho a favor de uma sociedade sem manicômios, atua também, uma força que vai na direção de um silenciamento de tudo aquilo que não se iguala ao líder, que não lhe faz espelho. Um rechaço ao outro, enquanto alteridade, que se posiciona como singular.
Essa dificuldade com o diferente, me remete à formação em psicanálise, naquilo que ela vai de uma formação à uma (de) formação, e se apresenta como radicalmente distinta da psicologia e do que se pode esperar de alguém que anseia por trabalhar e estabelecer para si um ofício.
Será aí o início, para mim, de uma semelhança que une psicanálise e psicologia?
O apreço pela escuta e convívio com o diferente.
Naturalmente, para pensar a formação ou a (de) formação do psicanalista, é preciso antes, que se conte com um querer, nem que seja o de querer “ser” psicanalista. É diante desse querer que alguém se interroga sobre um “como se faz”? Como eu faço para “ser psicanalista”?
Somos, enquanto humanidade, ensinados e encaminhados a construir uma formação que leva à um fazer, o qual, chamamos de trabalho. Para isso, comumente, sabemos que é preciso uma dedicação de estudos, convencionalmente atribuídos a uma graduação/faculdade.
Porém, com relação ao ofício do psicanalista, a coisa funciona de outro modo. O que teria a psicanálise de diferente?
Sem mais delongas: a formação só se dá na experiência de uma análise, e ela se constitui como permanente.
Quanta ousadia! Quanta prepotência! Isso é elitismo! Não são todos que podem pagar por uma análise!
Sim.
É verdade!
Não são todos!
Sustentar essa diferença, em relação a formação, parece ser um dos primeiros horizontes para onde, somente uma análise pode conduzir um sujeito. O psicanalista não encontra seu “ser” psicanalista em cursos, palestras, graduação ou pós-graduação, etc. Não encontra esse “ser”, por dois principais motivos: porque esse “ser” não contribui em nada para o ofício do analista, e esse “ser”, formado, pronto, seria facilmente confundido com um ideal, o que não interessa à psicanálise.
O sujeito do inconsciente, o qual escutamos, não está, nem nunca estará formado, ele sempre está “por se dizer”. Daí temos a ideia de uma (de) formação do analista, a qual não se encerra, não se finda. Sendo então, permanente.
A formação do analista, é uma (DE) formação pois avança para o não formado, para aquilo que constantemente se desloca e (DE) forma o SER. Não sem motivos, essa (de) formação sofre críticas e vem, mais recentemente, sofrendo ataques diversos, como por exemplo, a inauguração de um curso de Bacharelado em Psicanálise, o que constitui uma verdadeira ameaça à prática da psicanálise, que ainda assim, não se faz a partir de uma regulamentação, no Brasil. E nem poderia. Uma vez que a ética que sustenta o ofício do analista é a do Desejo do analista, obviamente irregulamentável.
Poucas coisas são tão difíceis de se dizer quanto o fato de que, tanto entre as pessoas no mundo, quanto entre os mais diversos modos de trabalho, as diferenças existem.
Consentir com a diferença e utilizá-la para o trabalho, como um motor que impulsiona a vida, é o que de mais ético um sujeito pode fazer.
APA – Silva, T. M. B. X. (2022). (Com) viver com o outro e a (de) formação em psicanálise. CadernoS de PsicologiaS, 3. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/com-viver-com-o-outro-e-a-de-formacao-em-psicanalise/
ABNT – SILVA, T. M. B. X. (Com) viver com o outro e a (de) formação em psicanálise. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 3, 2022. Disponível em https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/com-viver-com-o-outro-e-a-de-formacao-em-psicanalise/. Acesso em __/___/___.