Revista CadernoS de PsicologiaS

Conversas sobre saúde mental durante a pandemia: Conectando Rolândia

Rafael Marcílio Lopes Rossetto
Graduando do Curso de Psicologia — UEL

E-mail: rafael.marcilio@uel.br
Louise Cardoso Cunha
Graduando do Curso de Psicologia — UEL

E-mail: louise.cardoso@uel.br
Talita Machado Vieira
Universidade Estadual de Londrina — UEL

Psicóloga (CRP-08/20241) — E-mail: tmvieira@uel.br
Roberth Miniguine Tavanti
Universidade Estadual de Londrina — UEL

Psicólogo (CRP-08/15295) — E-mail: roberth.tavanti@uel.br
Patrícia Silvia de Souza
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II) — Rolândia

Psicóloga (CRP-08/16435) — E-mail: patisouzapsico@gmail.com

#Relatos_de_experiência

Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar o relato de experiência de um estágio realizado no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Rolândia, ao longo de 2021. Nosso referencial teórico-metodológico se baseia nas formulações da Psicologia Social, nomeadamente nas noções de micro-lugar e pesquisador conversador no cotidiano, de Peter Spink. Considerando o contexto da pandemia e a necessidade de interrupção dos trabalhos presenciais no serviço, um grupo de trabalhadores e estagiários do CAPS surgiu com a proposta de criação de canais de comunicação com a população através das redes sociais. Assim nasceu o Conecta Rolândia, cujo objetivo era difundir informação de qualidade em diversos temas relacionados à saúde mental e, deste modo, contribuir para manter os laços entre a população e o serviço durante a pandemia.

Palavras-chave: atenção psicossocial; psicologia no cotidiano; promoção em saúde.

CONVERSATIONS ABOUT MENTAL HEALTH DURING THE PANDEMIC: CONNECTING ROLÂNDIA

Abstract: This paper aims to present an experience report of our internship at Rolandia Psychosocial Center Care, through 2021. Our theoretical-methodological references are based on Social Psychology, especially Peter Spink’s concepts of micro-places and conversing researcher in everyday life. Considering the pandemic context and the necessity of interrupting the on-site offers of care, a CAPS’s group of workers and interns came up with the proposal of creating a communication channel with the population through social media. This is how Conecta Rolândia was born, in order to broadcast quality information on several themes related to mental health and, thus, contributing to maintain the bond between the population and the CAPS  during the pandemic.

Keywords: psychosocial care; psychology in everyday life; health promotion.

CONVERSACIONES SOBRE SALUD MENTAL DURANTE LA PANDEMIA: CONECTANDO A ROLÂNDIA

Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar un informe de experiencia de nuestra pasantía en Centro de atención psicosocial de Rolândia, durante 2021. Nuestras referencias teórico-metodológicas se basan en la Psicología Social, especialmente en los conceptos de Peter Spink, de micro-lugares e investigador orador en la vida cotidiana. Considerando el contexto de pandemia y la necesidad de interrumpir las ofertas de atención presencial, un grupo de trabajadores y pasantes de CAPS presentó la propuesta de crear un canal de comunicación con la población a través de las redes sociales. Así nació Conecta Rolândia, con el fin de difundir información de calidad sobre diversos temas relacionados con la salud mental y, así, contribuir a mantener el vínculo entre la población y los CAPS durante la pandemia.

Palabras clave: atención psicosocial; psicología en la vida cotidiana; promoción de la salud.

Introdução e referencial teórico

O artigo apresenta uma experiência de estágio em psicologia voltado à realização de ações educativas sobre saúde mental em formato remoto. Com o intuito de manter o vínculo entre usuários e os serviços dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do município de Rolândia, Paraná, durante a pandemia da Covid-19, nasceu o Conecta Rolândia. Cumpre mencionar, ainda, que o Conecta pode ser entendido como uma estratégia que visou a ampliação do alcance da rede de saúde mental do município, constituindo-se como uma extensão da mesma. As ações propostas por tal estratégia se materializaram por meio da publicação de conteúdos nas redes sociais (Instagram, Facebook e Youtube), a partir do primeiro semestre de 2021.

Como ferramentas teórico-metodológicas para subsidiar problematizações, articulamos as noções de pesquisador conversador no cotidiano e micro-lugar (Spink, 2008). Segundo o autor, a noção de micro-lugar compreende “um fluxo de pedaços frouxamente interconectados” (Spink, 2008, p. 70), os quais envolvem não só lugares físicos como também virtuais, como destaca o autor:

Alguém pode estar sentado numa cadeira na frente de seu computador de escritório e o outro numa praça, com um computador portátil e uma conexão sem fio fornecida gratuitamente pelo município; mas estão em lugares e eles somente podem se conectar porque há também fios, servidores de conexão, protocolos, regras cooperativas de trânsito eletrônico (Lessig, 2002) – para não esquecer das empresas fornecedoras de equipamento e de energia elétrica ou prefeituras preocupadas com a desigualdade de acesso. Podemos chamar esta mescla de socialidades e materialidades de espaço virtual (Spink, 2008, p. 70).

Assim, mais do que mero pano de fundo dos eventos que nos cercam, os micro-lugares somos nós, produtos e produtores de processos sociais e identitários, resultado de uma construção coletiva permanente e sem fim, que não poderia se localizar em outro lugar senão o cotidiano (Spink, 2008). A adoção da postura de pesquisadores conversadores no cotidiano implica a participação numa rede intersubjetiva, pautada na horizontalidade das relações e na busca pela conexão com os fluxos que formam o cotidiano por meio do diálogo. É desde o lugar de pesquisadores no cotidiano que olhamos para nossa experiência de estagiários de psicologia do CAPS II de Rolândia com a criação do projeto Conecta Rolândia.

O CAPS pode ser situado como produto de um processo iniciado com os movimentos da Reforma Sanitária brasileira. De acordo com Fleury (2009), tal movimento representa um projeto contra-hegemônico e encabeça um processo de transformação institucional que segue em curso. Tal movimento, pautado pela afirmação da saúde como direito universal, encontra na criação do Sistema Único de Saúde (SUS) uma importante vitória. A reforma emerge como parte das lutas de resistência à ditadura e seu modelo de privatização da seguridade social, bem como de uma reforma democrática que se consolidou com a Constituição Federal de 1988 (Fleury, 2009).

Além da universalidade, o SUS estabelece integralidade e igualdade da assistência, descentralização, participação popular, dentre outros, como princípios, bem como valoriza conceitos como território, cuidado, regionalização e hierarquização. (Lei n. 8.080, 1990). Mendes (2009, p. 27) ressalta que “o SUS terminou com a figura do indigente sanitário e transformou todos os brasileiros em cidadãos portadores da saúde como um direito. Por essa razão, ele constitui, sem dúvida, a mais inclusiva de todas as políticas públicas brasileiras”.

No curso desses movimentos, a organização de trabalhadores da área da saúde, entre eles psicólogos, e suas denúncias contra os problemas do sistema de saúde psiquiátrica brasileiro na década de 1970, dá corpos à Reforma Psiquiátrica Brasileira, que busca percorrer novos caminhos para a saúde mental, pautados pela crítica ao modelo médico, pela desinstitucionalização do sujeito, elaboração de novas perspectivas de cuidado, fortalecimento de vínculos sociais, reiterando uma luta antimanicomial (Nemitz, 2019). Entre suas estratégias, está a implantação de uma rede substitutiva, que permita a redução de internamentos e leitos, e o fechamento progressivo dos hospitais psiquiátricos. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), voltados ao tratamento intensivo ou semi-intensivo de portadores de sofrimento mental, são constituintes fundamentais desta rede, portanto, tendo em vista a ruptura com a lógica hospitalocêntrica de internação, os CAPS foram idealizados como equipamentos substitutivos do hospital psiquiátrico (Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, 2006)[1].

Partindo do contexto de surgimento dos CAPS e da percepção de Spink (2008) acerca do virtual enquanto micro-lugar, o presente trabalho se propõe a pensar o Conecta Rolândia como extensão, ou seja, reproduz os mesmos valores, padrões e lógicas da rede de saúde mental de Rolândia, sendo parte integrante da mesma. Logo, caracterizando-se como um micro-lugar. Destaca-se que o Conecta Rolândia, sendo composto por profissionais que trabalham entre os CAPS distribuídos pelo município, pode ser caracterizado como um serviço oferecido como uma extensão dessas mesmas instituições na medida em que (re)produz valores e informações intimamente relacionados com os temas definidos pela equipe e que também estão alinhados com o conhecimento técnico e teórico nos quais os integrantes da equipe compartilham, tal qual os pressupostos éticos orientados pelo SUS e pela Reforma Psiquiátrica. 

A seguir, trazemos uma apresentação do projeto e o caminho percorrido para sua consolidação, exemplos de temáticas abordadas nas postagens realizadas, planejamento e cronograma, a experiência e aprendizado dos estagiários, bem como desafios e potencialidades do projeto.

Os caminhos para Conecta(r) o CAPS e a população durante a pandemia

O Conecta foi idealizado por duas psicólogas do CAPS II de Rolândia em março de 2020, no contexto do início da pandemia de Covid-19. Após obterem aprovação e apoio junto à coordenadora da instituição, a proposta partiu para apreciação do Gerente de Saúde Mental e da Diretora de Especialidades do município. Com a aprovação, os trabalhos iniciaram em dezembro de 2020.

A participação na produção do canal foi voluntária e contou com profissionais do CAPS II, CAPS Ad e CAPS Infantil. Desde sua criação, o canal contou com a colaboração de um total de 9 profissionais com formação nas áreas de Psicologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional e mais dois estagiários de Psicologia. As reuniões eram semanais, via internet, para definir temas e propor convidados para os vídeos do canal. Os tópicos preestabelecidos nas reuniões eram abordados semanalmente ou ao longo de todo o mês, a depender de datas consideradas relevantes pela equipe.

Nas reuniões também era organizado o processo de trabalho entre os integrantes, que se dividiam entre tarefas como: postar os conteúdos, acionar convidados para os vídeos, produzir o material das postagens da semana e editar os vídeos. As postagens tinham caráter  educativo e eram disponibilizadas semanalmente: nas segundas-feiras – divulgação do tema escolhido; quartas-feiras – introdução ao tema; sextas-feiras – vídeo de um convidado aprofundando o tema escolhido e outra postagem com dicas de filmes, séries e documentários sobre o assunto. Para ilustrar, apresentamos a Tabela 1 referente ao cronograma e conteúdo de postagens no canal durante o mês de abril de 2021.

Tabela 1 – Cronograma

Paralelo aos conteúdos principais, eram postados stories com enquetes no Instagram e Facebook, divulgando o tema das postagens durante a semana, com o objetivo de promover engajamento por parte dos seguidores das redes sociais. Dentre os convidados para os vídeos contamos com profissionais da medicina, psiquiatria, enfermagem, assistência social, nutrição, terapia ocupacional, psicologia, educação e estudantes. Também participaram pessoas que possuem afinidade e experiência cotidiana com os temas, independentemente da profissão ou área de atuação, como por exemplo mães e pessoas com deficiência, buscando diversificar a rede de saberes mobilizada na produção dos conteúdos. 

Ao longo do período de funcionamento do Conecta foram produzidos mais de cinquenta vídeos. Estes contemplaram campanhas temáticas oficiais para cada mês do ano (p.ex. Setembro amarelo e Prevenção ao suicídio); abordagem de temas selecionados pelo coletivo (p.ex. Luto e saúde mental, Envelhecimento); divulgação e apresentação de projetos desenvolvidos na cidade (p.ex. Projeto amor exigente, Projeto geração de renda, Projeto abrigo CEEL de Rolândia); apresentação dos CAPS do município com vistas à valorização e reconhecimento das experiências das diferentes pessoas do município (p.ex. Usuários do CAPS respondendo à pergunta “o que é Saúde Mental para você?”, Trajetória pessoal de uma bombeira, Crianças respondendo à pergunta “o que é felicidade para você?”, Relato pessoal de um usuário da rede diagnosticado com depressão); discussões acerca das relações de gênero e sexualidades na interface com a saúde mental (p. ex. Masculinidades e a importância de expressar sentimentos aos outros, Sexualidades e o Movimento LGBTQIA+, Violência contra a mulher); bem como por temáticas tradicionais no campo da saúde mental (p. ex. Medicamentos psiquiátricos e saúde mental, Ansiedade, Características gerais do transtorno afetivo bipolar). Cumpre mencionar que a descrição anterior é bastante abreviada ante o universo temático trabalhado ao longo desde o início do Conecta, buscando tão somente elucidar o leitor e a leitora sobre a dinâmica do canal.

Um fragmento da experiência dos usuários

Partimos do pressuposto de que as ações e estratégias de prevenção e promoção em saúde são competência de todos os níveis de atenção à saúde e suas respectivas instituições. Por tal razão, defendemos a pertinência de uma ação educativa voltada à promoção e prevenção em saúde no contexto dos CAPS de Rolândia.  Como referido anteriormente, o canal Conecta Rolândia surgiu enquanto uma estratégia de atuação em formato remoto do trabalho dos CAPS em contexto pandêmico, tendo como finalidade uma maior aproximação com a população e criar oportunidades para o debate e construção coletiva sobre temas relacionados à saúde mental.

Segundo o Observatório de Mortes e Violência contra LGBTQIA+, o Brasil é o país que mais mata pessoas dessa população no mundo (Boher, 2022). Tendo em vista os elevados índices de violência registrados contra essa população no Brasil, destacamos os conteúdos relacionados ao tema das relações de gênero e sexualidades. No recorte apresentado a seguir, traremos algumas imagens, bem como parte dos conteúdos textuais que alimentaram as postagens. Quando da produção do conteúdo, o tema foi escolhido pela equipe do canal em virtude do Mês do Orgulho LGBTQIA+, bem como a relevância social do Movimento LGBTQIA+ para a luta pela garantia e efetivação dos direitos de cidadania para todas as pessoas.

Segunda-feira: divulgação do tema escolhido

Figura 1. Sexo, orientação sexual, identidade e expressão de gênero. Espaço do Assistente Social, 2019, Obtida de https://www.eas.pt/sexo-identidade-de-genero-expressao-de-genero-e-orientacao-sexual/

A postagem foi acompanhada do seguinte texto de abertura: “Oi pessoal! Vamos falar sobre sexualidade? Hoje trazemos um pouco sobre os conceitos identidade de gênero, expressão de gênero, sexo biológico e orientação afetivo/sexual”. Na sequência, trouxemos uma definição inicial sobre cada um dos termos destacados, conforme segue nos seguintes recortes: “Identidade de gênero: significa como a pessoa se reconhece, como se apresenta e como ela gostaria de ser reconhecida pela sociedade”, “Expressão de gênero: forma geral como a pessoa se apresenta e vivencia seu gênero no cotidiano, incluindo sua aparência e comportamentos”, “Sexo biológico: envolve uma ampla rede de determinantes biológicos, que incluem glândulas, cromossomos, órgãos internos e externos, hormônios entre outros”, “Orientação afetivo/sexual: diz respeito ao componente afetivo, sentimental e de atração física, sexual, romântica e sentimental que uma pessoa pode desenvolver por outra(s)”. Ainda no que se refere ao conceito de orientação afetivo/sexual, eram apresentadas algumas das diversas variações da experiência afetivo/sexual, como: “heterossexualidade (pessoa que se atrai e se relaciona afetivo-sexualmente com alguém do gênero oposto), homossexualidade (pessoa que se atrai e se relaciona afetivo-sexualmente por alguém do mesmo gênero), bissexual (pessoa que se atrai e se relaciona afetivo-sexualmente por ambos os gêneros), assexual (pessoa que sente pouca ou nenhuma necessidade de se relacionar afetivo-sexualmente)”. Havia a preocupação dos colaboradores do projeto em construir conteúdo com linguagem acessível que favorecesse a ampla circulação do material, embora nem sempre tenhamos sido bem-sucedidos nessa tarefa, esse era um norteador do planejamento e produção dos conteúdos.

Quarta-feira: introdução ao tema

Figura 2. Movimento LGBT. Reimpressa de “Agência Brasil,” por L. Souza, 2017, Obtida de https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/direitos-humanos/noticia/2017-06/lgbt-pride-parade-advocates-secular-state .

A imagem anterior vinha acompanhada de um texto introdutório relacionado  à história do Movimento LGBT+ e o significado das letras formadoras da sigla que nomeia o movimento. Para ilustrar, trazemos alguns fragmentos do conteúdo escrito publicado na postagem: “Oi pessoal! Hoje, quarta-feira, gostaríamos de falar um pouco sobre o Movimento LGBT+ e um pouco sobre suas siglas. O grande marco internacional do movimento homossexual é conhecido como Revolta de Stonewall, em 28 de junho de 1969, em Nova York nos Estados Unidos. Constantemente abordados pela polícia, o público de gays, lésbicas e travestis que frequentavam o bar ‘The Stonewall Inn’, que constantemente era alvo de batidas da polícia e de repressão policial, e nesse dia a expulsão das pessoas do estabelecimento formou uma multidão na rua, que contava também com outras pessoas daquela rua que estavam insatisfeitas com a ação violenta dos policiais […] No Brasil, as décadas de 60 é marcada pelo endurecimento da ditadura militar, e nesse sentido movimentos sociais foram silenciados por cerca de duas décadas. Na década de 70, o movimento feminista ganha visibilidade e surgem as primeiras organizações do movimento negro contemporâneo e do movimento homossexual, como o SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual, de São Paulo. Na ditadura, surgiram imprensas alternativas que eram direcionadas ao público gay, e em 1978 foi fundado o tabloide Lampião da Esquina e que serviu de inspiração para a criação do Chanacomchana, boletim voltado à divulgação de atividades e reflexões de militantes lésbicas durante a década de 1980 […] O movimento LGBT+, que foi no passado intitulado como GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), agrega um grupo de pessoas que se reconhece por uma orientação sexual ou uma identidade de gênero diversa daquelas que a sociedade convencionou como únicas (orientação heterossexual; gêneros masculino e feminino). O L, diz respeito às mulheres lésbicas;o G, à homens gays; o B representa os bissexuais, que sentem atração afetivo-sexual por homens e mulheres; o T acolhe identidades de gênero de pessoas que se identificam com um gênero diferente do que lhes foi designado com o nascimento, dentre eles transgêneros, transexuais e travestis. Por fim, pontuamos aqui o “+” representando a abertura que o campo da sexualidade e do gênero promove, impossível de ser reduzido em apenas algumas letras, envolvendo a complexa rede de práticas, desejos, discursos e identidades.”

Sexta-feira: vídeo com um convidado aprofundando o tema escolhido

Figura 3. Convidado Ayron Santos Camargo para o vídeo da semana.

O entrevistado convidado e estudante de Psicologia, Ayron Santos Camargo, abordou questões relacionadas com sexualidade em um vídeo de dez minutos. Ao falar sobre saúde mental, o convidado destacou que: “se a gente tem uma visão de ser humano que é atravessado tanto por fatores biológicos, psicológicos e sociais, também entendemos nossa saúde mental a partir de uma complexa rede e atravessada por muitas variáveis […]”. Desse modo, sua intervenção contribuiu para estabelecer uma aproximação entre a discussão sobre saúde mental e o tema dos gêneros e sexualidades, entendendo que esta dimensão da existência possui implicações políticas e sociais que também interferem nos processos de saúde-sofrimento mental. No que se refere especificamente ao tema da população LGBTQIA+, disse: “em primeiro lugar, essas pessoas querem ser ouvidas, respeitadas, amadas, reconhecidas como seres humanos e como cidadãos de direitos, assim como todos os outros […]”. Aqui destacamos a relevância e pertinência do Relato de Experiência, posto o fato de trazer as discussões e entrelaçamentos entre a população LGBTQIA+ e as questões de saúde mental – não na via de “comorbidades” associadas, mas da garantia de Direitos que precisa ser estimulada à toda sociedade.

Processando o vivido: processos de aprendizagem no estágio

Ao longo do processo de criação e publicação dos conteúdos do canal, a equipe percebeu a importância de produzir conteúdos curtos e objetivos, uma vez que a extensão e complexidade do material parecia dificultar a obtenção de engajamento nas publicações. No conjunto de publicações trazidas neste artigo, o material produzido inicialmente continha uma longa apresentação histórica sobre o movimento LGBTQIA+ bem como conceitos sobre sexualidades. Gradualmente fomos adaptando o conteúdo das postagens a fim de abordar conceitos de maneira simplificada e assertiva, reduzindo o conteúdo dos textos, assim como o tempo de duração dos vídeos com a finalidade de tornar as postagens mais atrativas. 

No processo de criação dos conteúdos, os participantes encontraram dificuldades distintas que foram expostas durante as reuniões em equipe. Em conjunto, as adversidades eram discutidas para que pudessem desenvolver possíveis estratégias para mitigar ou resolver questões. Foram encontrados obstáculos relacionados à complexidade das plataformas utilizadas (Facebook, Instagram e YouTube): aprender a utilizar ferramentas de edição de vídeos, horários disponíveis para as atividades do canal em meio à jornada de trabalho nos CAPS e adaptar o conteúdo das postagens visando ampliar o engajamento nas publicações. 

Ressaltamos que a equipe do Conecta Rolândia foi composta apenas por profissionais de saúde e que grande parte das adversidades encontradas esteve relacionada à complexidade das mídias digitais, em que coube à equipe aperfeiçoar as técnicas utilizadas contando com o auxílio dos outros integrantes do grupo. Nas relações da equipe do canal com a prefeitura, conseguimos obter a autorização para o desempenho das atividades do Conecta Rolândia e realizamos parcerias para publicações no site e página do Facebook da prefeitura. Acreditamos que o apoio de funcionários vinculados à prefeitura divulgando o trabalho realizado, assim como a permanência dos mesmos participando ativamente na equipe auxiliando no manejo de uso das plataformas pode ser de vital relevância para manter esse tipo de iniciativa. Para além de enquetes realizadas nos stories do canal, que obtiveram bastante engajamento, os internautas costumavam comentar com pouca frequência nas publicações ou vídeos, mesmo que no Facebook tivéssemos aproximadamente 3200 amigos. Destacamos que o perfil do canal Conecta Rolândia criado no Facebook era de caráter pessoal, algo que infringe a política do usuário da plataforma. Após cerca de 11 meses, recebemos um aviso que o perfil e as respectivas publicações seriam excluídas por infringir os termos de uso e nesse sentido foi necessário criar um perfil novamente. Foi uma situação difícil, pois de certa forma foi preciso recomeçar e conseguir novos seguidores. Nessa situação, apesar de os participantes do canal também serem responsáveis pelo ocorrido, a existência de um participante com conhecimento sobre esse tipo de tecnologia na equipe do canal poderia ter antecipado esse tipo de situação.  

O Conecta Rolândia representou uma iniciativa inovadora na medida em que ampliou o alcance dos trabalhadores dos CAPS do município para um público maior de pessoas com o objetivo de promoção e prevenção em saúde, responsabilidade de toda a rede de atenção à saúde. Em conjunto, o projeto também ofereceu meios para que cidadãos – co-partícipes na produção dos micro-lugares, contribuindo para compor saberes cotidianos e saberes científicos – e outros agentes de saúde da rede do município tivessem visibilidade e pudessem compartilhar seus conhecimentos. Acreditamos que o projeto foi capaz de fortalecer o vínculo entre os trabalhadores e as instituições de saúde da rede, cuja aproximação é de suma importância dentre os valores institucionais do SUS.

Considerações finais

Fazer parte do Conecta Rolândia foi uma experiência bastante enriquecedora frente às especificidades dos meios de comunicação nas redes digitais. Representou a possibilidade de participar de um projeto inovador ligado aos CAPS do município bem como uma maneira alternativa de aproximação à população apesar da pandemia e o distanciamento social, necessidade na qual muitas pessoas se importunaram de alguma maneira. As redes sociais são uma ferramenta poderosa para difundir informações e nesse sentido ter instituições de saúde pública fazendo parte desses espaços, ou micro-lugares, e produzindo conteúdos socialmente relevantes para a população é visto por nós como indispensável para a rede. Além disso, o Conecta, enquanto produção coletiva pensada a partir da realidade inaugurada com a pandemia de Covid-19, mostrou as potencialidades em se trabalhar desde a perspectiva da psicologia no cotidiano: trabalho forjado em meio às condições socio-históricas que formam os lugares. Apesar de num primeiro momento parecer fácil, dialogar e compartilhar os saberes acadêmicos teóricos e técnicos relacionados à saúde mental foi experimentada como um grande desafio aos participantes da equipe, ficando aos estagiários como um aprendizado e lembrete para o posterior exercício da profissão de psicólogo.[2]

Notas

[1] Embora o CAPS seja idealizado pela Reforma Psiquiátrica como uma instituição substitutiva aos hospitais psiquiátricos, em contrapartida a Portaria n. 3.588/2017 (2017) e a Portaria n. 2434/2017 (2017) que reintroduz os hospitais psiquiátricos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), direcionam à coexistência esses dois modelos, bem como determinam que os usuários poderão permanecer internados nos hospitais psiquiátricos por até 90 dias.

[2]  O canal Conecta Rolândia pode ser encontrado acessando os links das redes sociais a seguir:

Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCa-xMfUfpn0D0YCH7YD1ePQ

Facebook: https://www.facebook.com/conectarolandia

Instagram:https://www.instagram.com/conectarolandia/

Referências

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Mendes, E. V. (2019). Desafios do SUS. Brasília, DF: CONASS.

Nemitz, E. (2019). Entre avanços e retrocessos: A saúde mental no Brasil e no mundo. Revista Contato, 123, 18-22.

Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. (2006). Atenção em Saúde Mental. Belo Horizonte. Casa de Editoração e Arte Ltda.

Souza, L. (2017). LGBT Pride Parade advocates secular state: The parade in São Paulo drew three million people. Agência Brasil. Recuperado de https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/direitos-humanos/noticia/2017-06/lgbt-pride-parade-advocates-secular-state

Spink, P. K. (2008). O Pesquisador Conversador no Cotidiano. Psicologia & Sociedade, 20(spe), 70-77. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-71822008000400010 

Como citar esse texto

APA — Rosetto, R. M. L., Cunha, L. C., Vieira T. M., Tavanti, R. M., & Souza, P. S. (2022). Conversas sobre saúde mental durante a pandemia: Conectando Rolândia. CadernoS de PsicologiaS, 3. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/conversas-sobre-saude-mental-durante-a-pandemia-conectando-rolandia/.

ABNT — ROSETTO, R. M. L.; CUNHA, L. C.; VIEIRA T. M.; TAVANTI, R. M.; SOUZA, P. S. Conversas sobre saúde mental durante a pandemia: Conectando Rolândia. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 3, 2022. Disponível em https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/conversas-sobre-saude-mental-durante-a-pandemia-conectando-rolandia/. Acesso em __/__/____.