Resumo: Diante da evidência de uma nova doença no âmbito mundial, a Covid-19, trouxe uma nova dinâmica, sendo que a saúde foi o setor mais impactado por este vírus que veio a se tornar mortal. Neste relato de experiência, abordou-se a temática da Covid-19, com foco na perda da condição de saúde, no trabalho da equipe multiprofissional e a participação do psicólogo na linha de frente, além do relato da vivência como psicóloga hospitalar no atendimento ao paciente, familiares e profissionais, em um hospital filantrópico, em Campo Mourão-PR. Retratou-se também a percepção pessoal sobre a doença enquanto profissional infectada durante o trabalho na linha de frente. Discutiram-se os medos e consequências da pandemia para profissionais, paciente e familiares, relacionando e concluindo que o trabalho do psicólogo é de extrema importância na minimização dos danos causados, neste momento tão delicado, pois ele é o elo de ligação entre paciente-família-profissional da saúde.
Palavras-chave: Covid-19; pandemia; Psicologia.
Covid-19: experience as a Psychology professional on the front line
Abstract: In view of the evidence of a new disease worldwide, Covid-19 brought a new dynamic, with health being the sector most impacted by this virus, which became deadly. In this experience report, the theme of Covid-19 was addressed, focusing on the loss of health condition, the work of the multidisciplinary team and the participation of the psychologist on the front line, in addition to the report of the experience as a hospital psychologist in the care of patient, family and professionals, in a philanthropic hospital, in Campo Mourão-PR. It also portrayed the personal perception of the disease as an infected professional while working on the front line. The fears and consequences of the pandemic for professionals, patients and family members were discussed, relating and concluding that the psychologist’s work is extremely important in minimizing the damage caused, in this very delicate moment, as he is the link between patient-family -Health professional.
Keywords: Covid-19, pandemic; Psychology.
Covid-19: experiencia como profesional de Psicología en primera línea
Resumen: Ante la evidencia de una nueva enfermedad a nivel mundial, el Covid-19 trajo una nueva dinámica, siendo la salud el sector más afectado por este virus, que se volvió mortal. En este relato de experiencia se abordó la temática del Covid-19, enfocándose en la pérdida del estado de salud, el trabajo del equipo multidisciplinario y la participación del psicólogo en primera línea, además del relato de la experiencia como psicólogo hospitalario en el cuidado del paciente. paciente, familia y profesionales, en un hospital filantrópico, en Campo Mourão-PR. También retrató la percepción personal de la enfermedad como un profesional infectado mientras trabajaba en primera línea. Se discutieron los temores y consecuencias de la pandemia para los profesionales, pacientes y familiares, relatando y concluyendo que el trabajo del psicólogo es de suma importancia para minimizar el daño causado, en este momento tan delicado, ya que es el vínculo entre el paciente y la familia. -Profesional de la salud.
Palabras clave: Covid-19; pandemia; Psicología.
No começo do ano de 2020, o Brasil e o mundo foram surpreendidos com uma nova doença, que se alastrou rapidamente por todos os continentes, causando a mudança repentina dos hábitos de vida da população. Um vírus que ficou conhecido por Covid-19, pegou cientistas, profissionais de saúde, e toda a população mundial de surpresa devido principalmente por ser algo até então desconhecido, tanto que houve uma mobilização mundial de ajuda mútua e principalmente nas pesquisas.
Com o avanço da doença e das primeiras investiduras em pesquisas científicas, iniciou-se a compreensão sobre a forma de ação do vírus, seus principais sintomas e suas formas de contágio. O que se sabia ao certo, é que o vírus causava um alto índice de mortalidade e apresentava uma alta taxa de transmissibilidade, dada as experiências vividas por diversas nações ao redor do mundo, já que o mesmo começou a romper fronteiras, saindo da Ásia, passando a países da Europa, até chegar às Américas, em um curto espaço de tempo.
De imediato a rotina dos serviços de saúde se transformaram, teve que adequar suas estruturas a nova necessidade de tratamento aos pacientes acometidos pelo vírus. O mercado global logo respondeu de forma negativa, com o fechamento de fronteiras, paralisação da produção de insumos, o aumento repentino no uso de materiais e equipamentos médicos e hospitalares, iniciou-se outra batalha, a de fornecer equipamentos de proteção individual para os profissionais à saúde que atuam na linha de frente, a falta de leitos hospitalares, o medo do paciente infectado e de seus familiares.
Ainda diante deste cenário, tinham os profissionais de saúde, que se isolaram de seus familiares, lutaram bravamente para manter-se firmes no propósito de salvar vidas, o medo do dia de hoje, e de não haver o amanhã, as jornadas exaustivas, e com ela o cansaço físico e emocional. A fase que vivenciamos foi de uma realidade que não conhecíamos ao certo, foi uma luta contra um vírus que avançava a cada dia, logo era natural ter medo. No entanto o pânico acentuado em relação à doença deveria e deve ser avaliado com atenção, pois suas sequelas podem até não serem físicas, mas o emocional também atinge aquilo que o profissional de saúde mais tem para com sua profissão, a garra para lutar diariamente para salvar vidas.
Este relato de experiência se fundamenta na pesquisa de revisão bibliográfica, onde a partir de fontes primárias, secundárias e terciárias, no qual, foi elaborado com embasamento de materiais já publicados (Gil, 2010). Em resumo, reunindo assim, de modo breve, as informações e achados de pesquisa a respeito desse momento que vivenciamos, tendo como objetivo ainda, expor a minha vivência profissional na área da psicologia, estando dos dois lados, como profissional da saúde na linha de frente e paciente infectada durante a pandemia da COVID-19.
No final de 2019 o mundo foi surpreendido com uma nova doença, provocada por um novo coronavírus (Sars-CoV-2), que causou posteriormente a pandemia da Covid-19. Especificamente em dezembro de 2019, na China na cidade de Wuhan ocorreu a propagação de um novo coronavírus, esta doença pode se apresentar desde infecções assintomáticas a quadros mais graves (Ministério da Saúde, 2020). Em janeiro de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) sinalizou estado de emergência na China, e com a rápida disseminação do vírus pelo mundo, a OMS passou a considerar uma pandemia (Cruz et al, 2020; Schmidt et al, 2020). Os diferentes impactos do surto do coronavírus no mundo se tornaram uma grande preocupação, de acordo com a OMS em 18 de março de 2020, os casos já haviam passado de 214 mil em todo o mundo (Freitas, Napimoga & Donalisio, 2020).
No Brasil, o primeiro caso confirmado da Covid-19 foi em 26 de fevereiro de 2020, sendo estes oriundos de dois indivíduos do sexo masculino, residentes na cidade de São Paulo, que haviam regressado de viagem à Itália (Croda & Garcia, 2020). A pandemia da Covid-19 representa o grande desafio global do século XXI até o momento, tanto pelas proporções que o mesmo alcançou, quanto pela exposição de problemas estruturais e de saúde no Brasil e no mundo, principalmente considerando os leitos de UTI e respiradores artificiais, já que a doença tem como característica ser uma síndrome aguda respiratória (Brito et al. 2020).
O Ministério da Saúde (2020) menciona que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em torno de 80% dos pacientes infectados podem ser assintomáticos ou apresentar poucos sintomas, e os sintomas podem variar de um resfriado, a uma síndrome gripal respiratória aguda, além, de tosse, febre, coriza, dificuldade para respirar, perda de olfato e paladar, cansaço, diminuição do apetite, falta de ar, náuseas, vômitos e diarreia. Como o tratamento disponível é apenas sintomático, com ações nos sintomas iniciais da doença, e a ausência de uma vacina, aplicou-se medidas clássicas de saúde pública (Garrido & Garrido, 2020).
Entre as ações adotadas estão a restrição do contato interpessoal, por meio da quarentena, isolamento e contenção social (Garrido & Garrido, 2020). Estas ações foram necessárias devido a forma de transmissão da doença, pois ela ocorre de um indivíduo contaminado para outro, mediante o contato, como aperto de mãos, gotículas de saliva, espirro, tosse e contato com superfícies compartilhadas e contaminadas, assim, impede-se a propagação da doença, por meio da interrupção da transmissão por contato interpessoal (Ministério da Saúde, 2020; Garrido & Garrido, 2020).
Com a evidenciação dos sintomas, a ausência de cura da doença, e com a adoção de práticas de saúde pública pelos governos, diariamente somos orientados a lavar frequentemente as mãos, e higieniza-las com álcool em gel 70%, a cobrir o nariz e boca ao tossir ou espirrar, evitar tocar os olhos, o nariz, a boca, a manter o distanciamento e o contato entre pessoas, a não compartilhar objetos, a fazer o uso de máscara em locais públicos e quando sair de casa, evitando a circulação desnecessária. Contudo ficou claro que estas medidas, apesar de serem necessárias e propostas pela OMS, acabam por gerar discussões éticas e legais, e acarretam desequilíbrio na economia e na sociedade em geral (Garrido & Garrido, 2020).
Para a compreensão do processo saúde-doença, deve-se levar em conta a distinção entre a doença e saúde, e deve incluir a dimensão bem-estar, que é um conceito muito amplo (Vianna, 2012). A doença para muitos representa o fim, e posiciona o sujeito frente a diversas questões existenciais, e ao entrar em estado de sofrimento, confrontando tais questões, e se vendo próximo a morte, pode levar a processos de depressão, comprometendo sua rotina normal e saudável de vida, logo, ela tem influência biológica, espiritual, social e psicológica e de acesso aos recursos essenciais que promovem e mantem a saúde e bem-estar (Silva, 2006; Coelho, 2012).
Contudo a maneira que uma enfermidade pode afetar a vida de uma pessoa vai depender das características da doença, sua intensidade, sua história, grau de limitação, a psicodinâmica da família e a rede de apoio social e financeiro (Coelho, 2012). Tem-se a ciência que a Covid-19 deixará muitos resultados negativos, pois as pessoas tem medo de contrair a doença, as contaminadas verbalizam o medo que tiveram de morrer, de infectar outras pessoas, do abandono e preconceito do meio social (Schmidt, Crepaldi, Bolze, Neiva-Silva, & Demenech, 2020).
As medidas adotadas pelos órgãos de saúde pública no Brasil e no mundo para a contenção da doença, além de trazer à proteção a saúde da população, também pode contribuir com o desenvolvimento de doenças, que terão grande impacto na atual e nas futuras gerações. Schmidt et al. (2020), diz que estas medidas podem consistir em fatores de risco a saúde mental das pessoas. Quando se pensa no sujeito acometido pelo vírus, deve-se também aludir sobre a dor emocional pela perda da saúde, pois muitas vezes não é a dor que a doença ocasiona, e sim algo voltado ao subjetivo, que é o fato de ver-se doente, de perder a condição de sadio (Coelho, 2012).
Assim, ao passo que o sujeito se identifica como estando doente, o mesmo precisa encontrar um modo para lidar com o medo que o acompanhará durante essa situação e conforme a enfermidade melhora, a expectativa é de que o paciente comece a se expressar no sentido de reassumir a sua vida dentro do processo vivenciado (Coelho, 2012). A família por sua vez, exerce grande influência no processo da perda e recuperação da saúde do paciente, mas nem sempre ela tem suporte emocional para lidar com a situação, por isso a importância do trabalho psicológico tanto com o paciente como com a sua família.
No ambiente hospitalar o trabalho se dá por meio da equipe multiprofissional, que é formada por diferentes categorias profissionais, na qual cada uma contribuiu com o seu conhecimento e com sua habilidade técnica, tendo como propósito a promoção de saúde (Bruscato, Kitayama, Fregonese, & David, 2004). No hospital objeto deste estudo, a equipe é formada por médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, farmacêuticos, entre outros, que junto prestam atendimento preventivo e de recuperação da saúde junto ao paciente.
A junção de diversas categorias no atendimento hospitalar é fundamental, pois assim, estabelece-se uma integração e o paciente é visto no todo, além disso, considerando a pandemia da Covid-19, produzir o cuidado humanizado só é possível por meio da construção de vínculos e da garantia do acesso ao paciente aos serviços de saúde disponíveis (Fossi & Guareschi, 2004; Catunda et al. 2020).
O psicólogo como membro da equipe multidisciplinar no ambiente hospitalar, contribui não somente com os pacientes, mas também nas especificidades que auxiliam todo o trabalho da equipe (Fossi & Guareschi, 2004). Seu trabalho vem ganhando espaço diariamente nas instituições hospitalares, contrapondo-se a medicina com seu modelo biopsicossocial, levando ao entendimento da complexidade acerca dos possíveis fatores predisponentes e precipitantes do adoecimento (Assis & Figueiredo, 2019).
A finalidade do trabalho da psicologia no ambiente hospitalar não é apenas a dor do paciente, mas também a angústia inegável da família e a angústia disfarçada, muitas das vezes negada pela equipe. O trabalho do psicólogo leva em consideração a individualidade de cada sujeito como também o relacionamento entre eles, de modo a intermediar e facilitar o relacionamento entre paciente-família-equipe (Simonetti, 2018).
No cotidiano de um ambiente hospitalar, os profissionais lidam com situações de sofrimento e dor, a dificuldade de lidar com problemas na convivência junto a pacientes, familiares e colegas, gerando situações de estresse, que por muitas vezes se traduz em impotência, frustração e revolta (Kovács, 2010). Com a progressão da pandemia, aumentou-se a vulnerabilidade social e fragilidade emocional, e os psicólogos hospitalares acolheram a angústia, o desespero e o medo da morte, da perda de entes, do emprego ou até mesmo da dignidade (Branco & Arruda, 2020).
Neste contexto, estas condições geram grandes agravos a equipe de saúde hospitalar, a mudança das rotinas, o sofrimento físico e emocional, principalmente da equipe de enfermagem, que arduamente estão em maior contato com os pacientes, ficando isolados durante o plantão dentro do setor especializado Covid-19, família e sociedade. Somatiza-se ainda a questão do medo da doença e a preocupação com a própria saúde e com a de sua família.
Houve relatos dos profissionais que estão desgastados fisicamente pelas longas jornadas dos plantões, a atenção com a paramentação, o distanciamento social e da própria família, tornando-se uma busca constante de tentar equilibrar as próprias forças com a indispensabilidade do cuidar do paciente. O plantão psicológico como sugere Kovács (2010), abre espaço para que os profissionais de saúde possam buscar ajuda, podendo ser terapêutico em si, ou a porta de entrada para cuidados mais prolongados.
As consequências psicológicas, da equipe, pacientes, familiares e sociedade, acabam se intensificando ainda mais durante a hospitalização, sobretudo nos casos mais graves da Covid-19 (Branco & Arruda, 2020). Tal condição se dá pela incerteza da cura, do medo da perda e da falta de informações concretas quanto a doença. O acompanhamento da família no momento de hospitalização principalmente no que diz respeito aos casos mais graves é muito importante, haja vista, que as restrições de visitas levam pacientes a vivenciar uma morte solitária, impondo à família o convívio com o dilema do “abandono” de seus entes em seus últimos momentos (Branco & Arruda, 2020). Assim, o psicólogo tem uma grande importância no ambiente hospitalar, diante da pandemia da Covid-19, atuando na linha de frente, garantindo que a relação paciente-profissional-família cause o mínimo de prejuízos a saúde mental.
A instituição hospitalar na qual trabalho situa-se em Campo Mourão-PR, e trata-se de um hospital filantrópico, de caráter humanitário, que presta serviços médico-hospitalares no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde) e particular, tendo amplitude regional, atuando em 25 municípios da região, que direcionam pacientes de média e alta complexidade. Iniciei minha trajetória na instituição em julho de 2017 como estagiária de psicologia organizacional, já em agosto de 2018 fui contratada como assistente de recursos humanos. Na mesma instituição realizei o estágio profissionalizante na área da saúde, e depois de formada, tive a oportunidade de atuar na área hospitalar. Em fevereiro de 2020, quando cursava uma pós-graduação em psicologia hospitalar, passei a integrar a equipe de psicologia hospitalar.
Diante do exposto e com o passar dos dias, foi possível perceber que na área hospitalar o paciente não é igual ao paciente da clínica, e que a presença deum psicólogo no hospital, é capaz de auxiliar no processo de hospitalização do paciente. Pois além do desconforto da doença, de estar hospitalizado, longe de casa, da vida social e da família, o paciente encontra-se de frente com algo que até então é desconhecido, com dificuldades de aceitar o diagnóstico/prognóstico, com a ansiedade aumentada, somatizações, tristeza pelo quadro clínico e também pelo isolamento decorrente da hospitalização.
Em 19 de março desse ano, nos deparamos com o primeiro caso de Covid-19 no hospital, e com o passar dos dias foram surgindo novos casos. Nossa instituição tornou-se referência em atendimento à pacientes suspeitos ou já confirmados da doença na nossa região, sendo a única a dispor de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) especializada em Covid-19. A partir de então, entramos num momento de mudanças e adaptações, os cuidados foram intensificados com treinamentos, inserção de protocolos de atendimento, a mudança das rotinas internas, para que pudéssemos oferecer o melhor atendimento a população com o maior nível de segurança possível, tanto para pacientes quanto para profissionais.
Enquanto psicóloga hospitalar pude sentir o medo, assim como toda a equipe, pois até então, o que estava chegando era novo, desconhecido e já havia deixado um rastro de mortes pelo mundo. A maior parte da equipe aparentava bastante ansiedade, insegurança, o que vem a ser normal, uma vez que, estávamos convivendo com a tensão do risco de sermos contaminados, e podendo contaminar os membros de nossas famílias. Além disso, nossas rotinas já não eram mais as mesmas, e mudanças nas rotinas tendem a criar crises de ansiedade nos indivíduos.
Em meados do mês de maio tivemos a oportunidade de mais uma psicóloga entrar para o nosso time, nesse momento dividimos os setores, eu continuei com o trabalho nos setores de clínica e UTI da Covid-19. Neste contexto trabalhei no acolhimento e escuta aos pacientes, auxiliando-os no seu processo de adoecimento diante das suas dificuldades relacionadas às suas demandas psicológicas. Atuei no amparo ao indivíduo, tendo sempre como objetivo reduzir o sofrimento relativo às dúvidas e medos da Covid-19. Este foi um momento enriquecedor profissionalmente, haja vista que pela sua característica regional, na unidade Covid-19 pude lidar com pessoas de diversas cidades, com diversos problemas, medos e sentimentos.
Durante este período acolhi alguns familiares dos pacientes internados com Covid-19, onde pude trabalhar diretamente com o medo e a dor, pois durante o período houve perdas de entes, houve o choro de dor, a alegria da cura, a comemoração a cada alta médica após dias de lutas na unidade de terapia intensiva. O acolhimento das angustias dos profissionais da enfermagem também fizeram parte do cotidiano, a eles ofereci o suporte emocional e também orientações de modo a minimizar os impactos do cansaço e do medo que todos vivenciavam no ambiente hospitalar.
Ainda como psicóloga hospitalar na ala Covid-19, no final da penúltima semana de junho, apresentei um sintoma de tosse, logo pensei que se tratava de um resfriado. No entanto, no início da outra semana, outros sintomas se manifestaram, como dores pelo corpo, e a perda do paladar, então, conforme orientação realizei o teste RT-PCR (swab nasal), testando positivo para a Covid-19. Neste momento entrei em choque, me deparei com aquilo que lutava para auxiliar na cura. A preocupação maior não era somente estar doente, mas ter contaminado outras pessoas, a minha companheira de trabalho, pois dividimos a mesma sala, os demais colaboradores ao qual tive contato durante todo esse tempo, até mesmo meu esposo, além de ter que deixar o trabalho no momento em que a instituição mais demandava da psicologia com os pacientes e familiares da Covid-19.
Deste modo, todos nós estamos sujeitos a entrar em contato com o vírus da Covid-19, e mesmo estando infectada eu me preocupava muito mais com as pessoas ao meu redor do que comigo. Mesmo tendo bastante cuidado com a higiene das mãos e com os objetos pessoais, ainda foi possível me contaminar, logo isso se deve ao altíssimo nível de transmissão do novo coronavírus. Eu não fui irresponsável, não quebrei a quarentena, cumpria com todos os protocolos de paramentação, ao chegar em casa também tomava todos os cuidados orientados, eu simplesmente não sei onde e nem como fui infectada.
Durante o afastamento fui orientada sobre a necessidade do isolamento, vivenciei o monitoramento da doença por 14 dias e contei com o apoio psicológico por chamada de vídeo do meu psicólogo, tal atendimento foi fundamental para enfrentar o coronavírus. Outros sintomas foram se manifestando durante o isolamento, como a perda do olfato, dores de cabeça, tremores, febre, náuseas, vômito e diarreia, sintomas clássicos da Covid-19. A quarentena foi cumprida por mim e meu esposo, que não apresentou sintomas, e confesso que foram dias terríveis, podendo ser considerados os piores até então. No entanto, fui capaz de sentir e compreender ainda mais o outro, o medo que ele sente, a ansiedade e as inquietações acerca da doença, vivenciei aquilo que meus pacientes e familiares verbalizavam no ambiente hospitalar.
Diante do exposto, entende-se que a Covid-19 deixará muitas sequelas emocionais, ocasionadas principalmente pela dor da perda, pelo medo e a ansiedade que sofreram agravos pelo desconhecido, o distanciamento e o isolamento, as questões econômicas e sociais, o mundo já não será mais o mesmo. Não podemos minimizar a repercussão psicológica que a pandemia causou e irá causar nas pessoas, no entanto, é importante que se garanta para a população ações em saúde mental com o objetivo de diminuir o sofrimento psicológico. Há de se salientar que os profissionais de saúde da linha de frente são os mais vulneráveis, pois estão expostos a longos períodos de situações geradoras de ansiedade, estresse e medo.
O psicólogo como membro da equipe multidisciplinar no âmbito hospitalar, não se deve limitar o trabalho apenas aos pacientes e seus familiares. Deve-se trabalhar a questão emocional da equipe, reduzindo o impacto na saúde mental dos profissionais. Vivenciar os dois lados da doença, como profissional de acolhimento em psicologia hospitalar e paciente acometida, proporciona a sensibilização e a compreensão da dor e dos medos do outro quanto a Covid-19, traduzindo sinais e os sentimentos do outro de uma forma mais ampla. Além disso, acende a luz da importância do cuidado como um todo, direcionando ao paciente, familiares e profissionais toda a atenção em saúde mental neste momento tão delicado na qual o Brasil e o mundo vivem.
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