Resumo: O presente relato de experiência busca descrever os atravessamentos da pandemia de Covid-19 no trabalho psicojurídico realizado no projeto de Extensão Universitária da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Irati-PR), intitulado Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude. Apresenta-se a experiência, dificuldades e possibilidades na atuação em defesa, garantia e prevenção dos direitos de crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social no trabalho remoto. Durante os cinco meses de pandemia, vivenciados até o momento, foi possível perceber dificuldades em garantir o acesso das famílias e o sigilo, o que não impediu a construção de novas formas de pactuações com o público atendido, a partir de reinvenções que propiciaram o encontro a distância com fins de garantia de direitos e de proteção à saúde. Sabe-se que dentre os desafios está a análise constante e posteriori sobre os impactos no atendimento.
Palavras-chave: interdisciplinaridade; pandemia; crianças e adolescentes.
Children and adolescents’ rights during the pandemic: the interdisciplinary and remote work
Abstract: The present experience report intend to describe the Covid-19 pandemic influences on the psychojuridical work performed by a University Extension Project from Universidade Estadual do Centro-Oeste (Campus Irati, state of Paraná), named Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude. The paper discusses the experiences, difficulties and possibilities on the defense, assurance and prevention of children and adolescents’ rights who are at risk and vulnerability situations during the remote work period. During the five months of pandemic lived until now, it was possible to realize the difficulties in access and ensure the secrecy to the families, which has not precluded the development of new accords with the public, that happened through agreements that provided the distance meeting in order to assure rights and health protection. It’s known that one of the challenges is the constant and after-analyses of the assistance impacts.
Keywords: interdisciplinarity; pandemic; children and adolescents.
Derechos de la niñez y adolescencia en la pandemia: el trabajo interdisciplinar y remoto
Resumen: Este relato de experiencia busca describir los cruces de la pandemia de Covid-19 en el trabajo psicojurídico que se realiza en el proyecto de Extensión Universitaria de la Universidade Estadual do Centro-Oeste (Irati-PR), intitulado Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude. Se presenta la experiencia, dificultades y posibilidades en la defensa, garantía y prevención de los derechos de la niñez y adolescencia en riesgo y vulnerabilidad social en el trabajo remoto. Durante los cinco meses de la pandemia, vivida hasta el momento, se pudo percibir dificultades para garantizar el acceso familiar y la confidencialidad, lo que no impidió la construcción de nuevas formas de acuerdos con el público, basados en reinvenciones que proporcionaron al encuentro con distancia con el fin de garantizar los derechos y proteger la salud. Se sabe que entre los retos está el análisis constante y posterior de los impactos en la asistencia.
Palabras clave: interdisciplinariedad; pandemia; niñez y adolescencia.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como diretriz básica e única o atendimento de crianças e adolescentes na forma de proteção integral. Esse entendimento coaduna-se ao texto constitucional e documentos aprovados pelas Comunidades Internacionais. A Constituição de 1988 aborda o tema da infância como prioridade absoluta, sendo sua proteção dever da família, do Estado e da sociedade. “Nous somes letat” (nós somos o Estado). Nessa linha o Governo Estadual, por meio da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), implantou os Núcleos de Estudo e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude (NEDDIJ), que funcionam como projetos de Extensão Universitária através do programa Universidade Sem Fronteiras e cujas unidades encontram-se em todas as Universidades Estaduais do Paraná.
O NEDDIJ tem como objetivo consolidar uma estratégia de atendimento e defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de risco, ou que tenham seus direitos violados ou ameaçados de serem violados, assim como àqueles e àquelas a quem se atribua a prática de atos infracionais.
No município de Irati-PR, o Núcleo atua desde o ano de 2014 e abrange os municípios de Irati e Inácio Martins. A partir de 2017, em parceria com a Prefeitura Municipal de Irati-PR, foi cedido o espaço físico para seu funcionamento junto a outros serviços administrativos municipais, mudando para o centro da cidade e viabilizando, assim, o acesso de um maior número de usuários e usuárias.
Em relação aos agentes que atuam neste projeto, cabe destacar que a equipe técnica do NEDDIJ Irati é composta por duas advogadas e um psicólogo, além de duas estagiárias de graduação de cada uma das respectivas áreas. Ademais, conta com uma orientadora do campo do Direito e uma orientadora do campo da Psicologia, que atua também como coordenadora do Projeto. Um fator importante em relação à equipe que compõe o projeto é a constante rotatividade de profissionais e estagiárias, devido à característica temporária da atuação na Extensão Universitária.
As duas áreas, Direito e Psicologia, proporcionam ações afetas ao seu público alvo e desenvolvem trabalhos de forma interdisciplinar proporcionando uma análise e intervenção mais precisa e adequada ao atendimento de crianças e adolescentes que tenham seus direitos violados, além de comprometerem-se na produção científico-acadêmica de maneira também interdisciplinar, contribuindo com novas possibilidades de intervenção na garantia de direitos.
No que concerne à atuação do NEDDIJ nos municípios de Irati e Inácio Martins (PR), caracteriza-se pela prestação de atendimentos a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, bem como para suas famílias – nuclear e extensa – visando à garantia de seus direitos, além de prestar atendimentos em quaisquer situações de risco que envolvam diretamente a criança ou adolescente.
O NEDDIJ busca em sua prática a escuta e atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco. Faz a defesa dessas crianças e adolescentes em processos judiciais que envolvem medidas de proteção, medidas socioeducativas e garante por meio de ações judiciais e extrajudiciais serviços públicos que estejam em falta com o público atendido. É histórico o lugar de crianças e adolescentes como sinônimo de impotência em nosso país, visto que, juridicamente, muitas vezes ainda são retratadas(os) como “menores” e assim, legalmente, precisam ser assistidas(os) ou representadas(os). É de conhecimento de quem atua nesse campo que este público pode apresentar limitações no acesso a seus direitos, por isso a Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, descreve que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Na prática, se de um lado encontra-se a tutela e o controle de crianças e adolescentes, de outro há movimentos sociais e de trabalhadoras e trabalhadores pela defesa da autonomia e da centralidade da infância e da juventude em seus processos de vida.
Desse modo, cabe à equipe deste Núcleo lutar pela centralidade do saber da criança e do adolescente em seus processos educacionais, comunitários e judiciais. Nessa perspectiva, o atendimento acontece de maneira psicojurídica, isto é, a escuta psicológica aliada ao olhar jurídico, modalidade em que as áreas se complementam com a finalidade de promover o atendimento integral e a participação central e ativa de crianças e adolescentes em seus processos no sistema de garantia de direitos e justiça, aproximando o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (ECA, 1990) da prática diária de defesa de direitos.
No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde declara Pandemia a condição de transmissão do COVID-19 (UNA-SUS, 2020, 11 de março). A situação traz consigo a necessidade de reinvenção dos modos e rotinas da vida de milhares de pessoas. A primeira alteração na rotina da política de Assistência Social no município de Irati-PR, cidade com população próxima de 60 mil habitantes (IBGE, 2019), se deu no dia 18 de março de 2020, com reuniões entre a comunidade universitária e a Política Municipal de Assistência Social. Naquele momento era sabido que a transmissão do vírus se dava pelo ar, e a partir dessa data a gestão da assistência social do município visou a garantia e segurança das trabalhadoras e trabalhadores do SUAS, além de manter a garantia de direitos da população e as ações da Proteção Social Básica, Média e de Alta Complexidade (cfe PNAS, Brasil, 2004).
O projeto de extensão não possuía recursos financeiros e materiais, naquele momento, para iniciar a prestação de atendimentos remotamente, assim, a Secretaria Municipal de Assistência Social forneceu ao Núcleo um aparelho telefônico móvel para viabilizar o atendimento das usuárias e usuários. Buscamos através desse relato, compartilhar nossa experiência de reorganização dos atendimentos e prestação de serviços junto às crianças e adolescentes.
O Projeto se desenvolve na perspectiva teórico-metodológica da Análise Institucional, que compreende o sujeito como resultante das diferentes relações entre saberes e práticas contextualizados política e historicamente no cotidiano de vida das pessoas. Nesta direção as intervenções acompanham os aspectos jurídicos e psicossociais das crianças e adolescentes. As crianças e adolescentes podem acessar o projeto diretamente ou por meio de suas(seus) representantes legais, ou ainda por encaminhamento dos serviços vinculados ao Sistema de Garantia de Direitos. Além disso, a atuação também se dá através de ações preventivas em escolas municipais e estaduais, bem como de formação junto aos Conselhos Tutelares e, dentro das possibilidades, direcionadas a população em geral.
Segundo Pereira (2007), o termo movimento institucionalista define uma série de teorias, práticas e experiências, que têm em suas bases os conceitos de autogestão e autoanálise, e que objetivam impulsionar experiências coletivas que possam produzir novos saberes. Percebe-se esses conceitos quando a equipe busca construir com as usuárias e usuários maneiras de corresponsabilização na gestão do seu processo judicial e nos demais processos de vida.
Pereira (2007, p. 7) também relata que ao invés de manter uma lógica identitária, “esses movimentos buscam a lógica da diferença, procurando desencadear rupturas objetivas e subjetivas em modos coagulados de experiências institucionais, contrapondo à alienação a autonomia e a expressão da alteridade.”.
Dessa forma, a prática nesse campo tem sido guiada por esse olhar, busca-se respeitar as diferenças e valorizar as potencialidades negligenciadas em instituições que (re)produzem a lógica de aprisionamento da infância e da juventude. Possibilita-se em muitos casos que a(o) beneficiária(o) do serviço seja aquela(o) que coordena ao lado da equipe as suas possibilidades diante das problemáticas apresentadas pelas complexas relações familiares e a condição de vulnerabilidade social.
Os analisadores são conceitos-ferramenta fundamentais em nossa atuação no Núcleo, porque provocam, fazem a instituição da garantia de direitos falar, mostrar suas contradições, seus limites e possibilidades (Lourau, 1975). Nessa perspectiva, são os analisadores que trazem o elemento para a análise; mas análise generalizada, estendida e ampliada a todos os âmbitos sociais e realizada por todos e todas as envolvidas no processo. Como explicitado por Rossi e Barros (2014), o analisador “expressa e intervém, sendo um conceito que não tem sentido senão em ato. Para a Análise Institucional, os analisadores são processos revolucionários.”.
Esse texto trata do relato de experiência a partir da mudança da prática presencial de atendimento do NEDDIJ para a prática exclusivamente remota, na tentativa de compartilhar as reflexões e movimentos realizados pela equipe no ajuste da oferta de atendimentos e escuta. Nesse sentido, o relato de experiência permite elucidar as contradições, conflitos e potências existentes no interior das instituições, que perpassa as relações de poder e a contínua análise dos caminhos trilhados.
O cenário pandêmico impôs a adaptação à situação de atendimentos na modalidade online. Com isso, são inúmeros os desafios lançados para a continuidade da prática de defesa dos direitos da infância e juventude e a defesa pela alteridade. Sendo estes, a dificuldade de acesso da população a aparelhos telefônicos e a internet, a precariedade de equipamentos para realizar atendimento por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICS), a dificuldade das usuárias e usuários em ter acesso a sinal de celular e internet, o desafio de fazer atendimento conjunto online, a garantia do sigilo e os sinais de esgotamento tecnológico. Assim, esse relato de experiência busca apresentar o cotidiano “inesperado” de um projeto de extensão universitária em meio a uma pandemia do novo coronavírus.
Acessibilidade
A pandemia evidenciou ainda mais as desigualdades de classe, raça, gênero e território no nosso país, historicamente fundadas no colonialismo, no escravismo e no capitalismo mundial. Quanto ao acesso da população ao NEDDIJ, que passou a atender exclusivamente de maneira remota, os impactos refletem sobremaneira nas desigualdades de acesso à internet e a dispositivos tecnológicos, apresentando-se como um dos grandes obstáculos no enfrentamento às violências contra crianças e adolescentes e no atendimento de usuárias e usuários do Núcleo.
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece a internet como direito humano. Todavia, segundo dados do levantamento “TIC Domicílios 2019”, formulado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), aproximadamente 30% dos lares no Brasil não têm acesso à internet. Além disso, os sujeitos que historicamente já apresentavam dificuldades para acessar esse serviço, seguem sendo os mais prejudicados durante a pandemia, considerando também que a exclusão aumenta ainda mais a situação de vulnerabilidade das famílias e aquelas mais impactadas pelos efeitos da COVID-19 são as mais pobres e da periferia.
Instabilidade de Rede e Garantia do Sigilo e da Escuta
A equipe sempre encontrou no cotidiano de trabalho presencial a dificuldade de realizar contato telefônico com inúmeras famílias que residem na zona rural dos municípios de abrangência do projeto, a instabilidade dos sinais de telefone era recorrente, entretanto, naquele cenário, o objetivo das ligações na maioria das vezes se dava apenas para o agendamento de atendimento presencial. Agora, no contexto de atendimentos remotos, as ligações e vídeo chamadas tem o objetivo de prestar acolhimento, realizar triagem, atendimento psicológico, jurídico e atendimento conjunto (psicojurídico).
Assim, no mês de março, início da pandemia no Brasil, a equipe passou a prestar os atendimentos através de ligações telefônicas e vídeo chamadas. O psicólogo da equipe fez o cadastro no Conselho Federal de Psicologia (Resolução CFP n° 04/2020) para prestar atendimento por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação. Com isso, sabia-se que os problemas de sinais de telefone e internet estariam presentes. Seguido disso, surgiram outros questionamentos, tendo em vista que o campo de atuação da equipe é o campo da defesa e da proteção dos direitos da infância e escutam-se responsáveis e crianças em situações de violência, como continuar garantindo o sigilo? Como criar um espaço de acolhimento para possibilitar a fala de situações complexas, embaraçosas, constrangedoras que carregam consigo dor e sofrimento? Como criar vínculo e possibilitar a confiança na equipe para que seja dado o encaminhamento ao caso? Essas perguntas eram presentes no cotidiano anterior de trabalho da equipe, justamente porque o campo de atuação é da mais alta complexidade, escutam-se as mais diversas violações de direitos, porém no atendimento presencial o aparato teórico aliado à prática de supervisão (Coimbra, 1989) e discussão dos casos dava conta da necessária reinvenção cotidiana para a escuta da alteridade.
Primeiramente cabe relatar que a limitação imposta pela dificuldade de sinal de celular, quedas na internet, latidos de cachorro, interferência de familiares das(os) usuárias(os) atendidas(os) foi sanada logo de início. Isso ocorreu porque, em reunião semanal de equipe, foi elaborado um roteiro de atendimento a distância. Neste roteiro, ficou estipulado que no início de todo contato com as(os) usuárias(os) seriam abordadas as possíveis interrupções indesejadas, como as citadas acima, pactuando a forma de atendimento. Com isso foi notável a enorme flexibilidade e abertura da população em lidar com as possíveis dificuldades tecnológicas, e desde então foi possível driblar essa barreira material.
Entretanto, há outro fator de dificuldade para o atendimento por meio das tecnologias, este menos material que o anterior e, possivelmente, mais complexo, que é a garantia do sigilo por parte de quem está sendo atendida(o), a garantia do ambiente seguro para relato das vivências de violência e possibilitar espaço de acolhimento e construção de vínculo. Nossa escuta e atuação está sustentada na perspectiva de uma psicologia social crítica, que busca adaptar os saberes técnicos a realidade social da população (Bock, 1999).
É sabido que a violência intrafamiliar se apresenta de diferentes formas, algumas pesquisas apontam para o seu caráter multicausal e complexo no cenário brasileiro (Araújo, 2020). No contexto de trabalho deste Núcleo, que tem como foco a violência contra crianças e adolescentes, são recorrentes os relatos de violência conjunta contra a mulher, e assim aparece o questionamento de como escutar essas vivências com a possibilidade de o suposto agressor estar presente no mesmo ambiente. No início dos atendimentos remotos foi produzida uma questão a partir do atendimento de uma usuária, onde percebeu-se a sensação de timidez e introversão ao relatar sobre a convivência familiar. Essa situação produziu um analisador para a equipe, que se debruçou para compreender as forças envolvidas nessa experiência e a necessidade de construção de outros cuidados e encaminhamentos das formas como nos colocamos na intervenção e acompanhamento dessas famílias no formato remoto.
Atendimento Psicojurídico
Anteriormente ao cenário imposto pela pandemia de COVID-19, os atendimentos prestados no Núcleo eram numerosos e, em sua grande maioria, realizados de maneira interdisciplinar. Todavia, o trabalho remoto, somado às dificuldades de acesso à internet e aparelhos que viabilizassem chamadas por vídeo, ou mesmo telefônicas, trouxeram dificuldades na realização dos atendimentos em conjunto.
O atendimento conjunto entre as áreas da Psicologia e do Direito foi nomeado como psicojurídico. Após a realização de acolhimento e triagem com as novas usuárias e usuários, o procedimento seguinte seria a realização do atendimento psicojurídico. Essa prática se dava a fim de prestar um atendimento integral, utilizando-se ao máximo da expertise de cada área, buscando atender todas as demandas das(os) usuárias(os), com o diálogo e conexão entre os conceitos e saberes da Psicologia e do Direito.
A integralidade da proposta interdisciplinar nos proporcionou experiências ímpares, de forma que, mesmo em tempos de pandemia, nos atendimentos psicojurídicos cada profissional contribui, de forma ética, com conhecimentos e condutas que se complementam. Portanto, o resultado da interação das áreas faz com que as estratégias adotadas em conjunto tornem o atendimento mais rápido e eficiente.
O atendimento psicojurídico oportuniza que diferentes áreas do saber, com diferentes propostas de trabalho e formas de atuação possam agir conjuntamente, possibilitando, mesmo que remotamente, atendimento integral às usuárias e usuários.
Cotidiano de Trabalho na Pandemia
Na composição interdisciplinar, o acolhimento é tarefa compartilhada, e foi necessário adaptar o modo de acolhimento para o contexto remoto, desse modo, hoje a equipe entra em contato com a família e após as orientações sobre as possíveis falhas tecnológicas são elaboradas perguntas sobre a composição da família durante o atendimento. Assim, pergunta-se, diretamente: Você está sozinha?; Consegue conversar nesse momento?; Podemos agendar um horário que você fique à vontade para ser atendida, você prefere?.
Essa abordagem tem se mostrado eficiente, no que tange ao atendimento de casos que envolvem violência contra a mulher e em casos em que há dificuldades de exercer a convivência familiar com adolescentes, pois busca criar espaço de escuta ao sujeito e respeito a sua condição. Dentre as questões referentes à convivência familiar, há a experiência de atendimento de uma adolescente que tem dificuldades de conviver com a família, e as orientações às(aos) responsáveis são feitas quando ela não está em casa ou por mensagem escrita para evitar qualquer interferência no atendimento, tomando os cuidados necessários para que não haja registro nessa plataforma virtual. As informações sobre o atendimento seguem sendo registradas na pasta individual de cada sujeito atendido, garantindo assim o sigilo.
Os atendimentos de crianças e adolescentes também passam por essas orientações. Pede-se para que os responsáveis se retirem, respeitem o espaço de atendimento e promovam a garantia do sigilo. Cabe relatar a dificuldade de fazer atendimento online com crianças, o manejo clínico de atendimento infantil envolve brinquedos e o próprio corpo do psicólogo e da criança, a dinâmica de atendimento é através da interação corporal e lúdica, diferente de adolescentes e adultos em que a condição de linguagem permite o atendimento com maior foco na palavra. Tem-se buscado resolver o impedimento do atendimento com crianças a partir de atendimentos com as(os) responsáveis, buscando através de orientações parentais sanar as problemáticas envolvendo a convivência familiar, mesmo assim, esse ainda é um dos maiores desafios para nossa equipe: criar condições de escuta online para crianças e adolescentes. É uma prática a ser construída.
A escolha por compartilhar a experiência desenvolvida nesse projeto, torna-se importante também para situar que todos e todas as profissionais da Psicologia e dos equipamentos públicos que estão oferecendo atendimento à sociedade, seja remoto ou presencial, estão também vivendo o cenário de pandemia em seus corpos e em suas vidas. São afetadas(os), de diferentes formas, por seus desdobramentos. Desde o fator do isolamento social ao aumento do uso de tecnologias, o medo de contaminação, insegurança em fazer contatos afetivos tão importantes para a saúde mental em geral da população.
Assim, atuar em meio a uma pandemia é sentir no próprio corpo as marcas do cenário atual. Perceber a insensibilidade diante das mortes e o descaso com as políticas públicas de promoção, proteção e recuperação, em um momento tão sensível, agrava a condição de saúde de trabalhadoras e trabalhadores. Desse modo, é necessária a luta intransigente pela manutenção do ECA, que completou 30 anos este ano, a luta pela política universal e de qualidade de Saúde. É necessário apelar pela revogação da Emenda Constitucional 95 de 2016, que congela os gastos públicos em Saúde, Educação e Assistência Social, esse apelo é movido pelo desejo de mudança da frágil estrutura política social de proteção das crianças e adolescentes desse país marcado pela colonização que estrutura uma sociedade racista, machista, classista e anti-indigenista.
Cabe a este Núcleo a busca incessante pelo protagonismo de crianças e adolescentes em seus processos de vida permeados pelo sistema de Justiça e demais instituições, colocando suas necessidades na cena política e social. A luta micropolítica da defesa da alteridade se encontra presente nessa experiência relatada, e são muitos os desafios encontrados diariamente, entretanto, a aposta da equipe de trabalho se dá na prática da desnaturalização dos processos cristalizados, movimento este que impulsiona a emergência da escuta e potência diante das necessidades e direitos, muitas vezes latente, de crianças e adolescentes da comarca de Irati-PR.
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