Revista CadernoS de PsicologiaS

Emoção e arte em tempos de pandemia

Lucrécia Aída de Carvalho
Psicóloga (CRP-08/32077). E-mail: lucrecia176@gmail.com
Denise de Camargo
Universidade Tuiuti do Paraná

Psicóloga (CRP-08/00450). E-mail: denicamargo@gmail.com
#Relatos_de_Experiência

Resumo: Este artigo relata uma experiência de estágio, no ambiente acadêmico, durante o isolamento social decorrente da pandemia de Covid-19 e reflete sobre a atuação do psicólogo em ambiente remoto, tendo a arte como ferramenta. O estágio realizou-se como ação do projeto Ser Universitário na Universidade Tuiuti do Paraná, com atividades elaboradas por uma formanda e uma supervisora. Nesse contexto, ocorreram oficinas semanais intituladas Emoção e Arte em Tempos de Pandemia, que tiveram mais de 100 participantes e ofereceram acolhimento emocional através de vivências grupais remotas, trabalhando os temas autoestima, ansiedade, estresse, concentração, autoconhecimento e relações interpessoais. A análise do processo indicou que os sujeitos experimentaram sentimento de pertencimento, desenvolveram estratégias de enfrentamento das dificuldades, ampliaram o autoconhecimento, ressignificando emoções.

Palavras-chave: emoção; arte; pandemia.

 

EMOTION AND ART IN PANDEMIC TIMES

Abstract: This paper reports an internship experience in the higher education, during the social isolation caused by Covid-19 pandemic and reflects on the psychologist’s role in a virtual environment, using art as a tool. The internship took place as part of the Ser Universitário project at Universidade Tuiuti do Paraná, with activities prepared by an intern and a supervisor. Thus, there were weekly workshops entitled Emoção e Arte em Tempos de Pandemia, which had over 100 participants and offered emotional support through remote group experiences, working on the themes of self-esteem, anxiety, stress, concentration, self-knowledge and interpersonal relationships. Results indicated that people experienced a belonging sense and were able to develop coping strategies, expanding self-knowledge and reframing emotions.

Keywords: emotion, art, pandemic.

 

Emoción y arte en tiempos de pandemia

Resumen: Este artículo relata una experiencia de pasantía, en el ámbito académico, durante el aislamiento social resultante de la pandemia Covid-19 y reflexiona sobre el desempeño del psicólogo en ambiente virtual, utilizando el arte como herramienta. La pasantía ocurrió en el proyecto Ser Universitário en la Universidade Tuiuti do Paraná, con actividades preparadas por una pasante y una supervisora. Así, se realizaron workshops semanales titulados Emoção e Arte em Tempos de Pandemia, con más de 100 participantes, ofreciendo soporte emocional mediante experiencias grupales, trabajando los temas de autoestima, ansiedad, estrés, concentración, autoconocimiento y relaciones interpersonales. El análisis del proceso indicó que los sujetos experimentaron sensación de pertenencia y pudieron desarrollar estrategias de afrontamiento, expandiendo el autoconocimiento y reformulando emociones.

Palabras clave: emoción; arte; pandemia.

Introdução

A universidade é um local de produção e apropriação de conhecimentos, mas pode ser também, para muitos estudantes, um lugar que gera ansiedade, frustração, medos, sentimentos de exclusão, sofrimento e até adoecimento. Muitos universitários vivenciam dificuldades econômicas e crises emocionais no período acadêmico que refletem nos altos índices de evasão do ensino superior que temos no Brasil, onde, em média, 22% de alunos deixam, anualmente, seus cursos superiores (Kowalski, Mattar, Barbosa & Branco, 2020). Diante desse diagnóstico, a atuação do psicólogo escolar no ensino superior torna-se imprescindível, embora seja um campo de atuação ainda pouco estudado.

A prática da Psicologia Educacional e Escolar, embasada na Psicologia Histórico-Cultural proposta por Vygotski, abraça o estudo do desenvolvimento humano dando ênfase à construção do pensamento, da linguagem e das emoções. Segundo Viana (2016), um dos papéis do psicólogo escolar é atuar no ensino superior contribuindo para o fortalecimento de espaços formativos e participando do desenvolvimento da comunidade acadêmica. Ao promover o aprimoramento de competências cognitivas, técnicas, éticas e interpessoais, o psicólogo potencializa processos de aprendizagem e auxilia no aperfeiçoamento das relações sociais, científicas e profissionais produzidas pelos atores educativos. Levando em consideração a importância da atuação do psicólogo escolar no ambiente acadêmico, ocorreu a atuação prática de estágio no campo do Ensino Superior relatada nesse artigo.  

Pesquisas nacionais revelam dificuldade de adaptação em 43% dos universitários, e 48% dos estudantes vivenciam crise emocional no período acadêmico (Maltoni, Palma & Neufeld, 2019). Faria, Venâncio e Camargo (2020, p. 228), embasadas em Vygostki, nos dizem que “no processo de ensino-aprendizagem, as implicações afetivas e emocionais devem ser compreendidas como elementos a partir dos quais a aprendizagem pode ser desencadeada”. Segundo as autoras, o contexto universitário prioriza a cognição e o produtivismo, relevando as emoções que emergem do processo de ensino-aprendizagem, ignorando que cada ser humano confere sentidos próprios às suas vivências e que essas vão além dos aspectos intelectivos já que são repletas de vontades e afetos que influenciam a aprendizagem. O ambiente de ensino superior traz momentos de mudanças, frustrações, pressões e angústias que podem desencadear ansiedade, depressão, além de impactar na autoestima dos universitários. (Lúcio, Medeiros, Barros, Ferreira, & Rivera, 2019).

Frente às informações expostas até aqui, fica claro que o ambiente acadêmico requer um olhar diferenciado devido às particularidades de sofrimentos que podem ser encontrados nesse ambiente (Ferrarini, 2017; Pan & Zonta, 2017). É nesse contexto que nasce, na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), em 2017, o projeto Ser Universitário, um programa desenvolvido por estudantes de 9º e 10º períodos do curso de Psicologia desta instituição, com o objetivo de oferecer apoio sociopsicopedagógico aos seus colegas universitários. Atualmente o projeto é composto por três frentes: a) Oficinas – palestras, vivências e dinâmicas para o desenvolvimento de competências educacionais e enfrentamento dos fatores da vida acadêmica que causam sofrimentos emocionais; b) Tutoria por pares – atendimento individualizado realizado por colegas que auxiliam na identificação das dificuldades e na elaboração conjunta de estratégias de enfrentamento voltadas ao desenvolvimento acadêmico, social e emocional dos estudantes que precisam de apoio; c) Rodas de conversa – espaço para propiciar comunicação entre os acadêmicos, com trocas de experiências que levam ao desenvolvimento individual e coletivo em um processo dialético.

Em março de 2020 o projeto foi suspenso devido à Pandemia de Covid-19. A Universidade Tuiti do Paraná, bem como outras universidades, precisou adaptar seus métodos de ensino para o ambiente remoto. A pandemia e o isolamento social trouxeram aflições, ansiedades, necessidade de rápida adaptação, inseguranças e diversos tipos de sofrimentos para toda a população, e não foi diferente no contexto acadêmico. Diante dessa situação, as professoras supervisoras do Projeto Ser Universitário convidaram alunos do 10º período de Psicologia a participar do projeto de extensão intitulado “Ser Universitário em Tempos de Pandemia”, que visava oferecer apoio emocional e psicopedagógico aos alunos da UTP e comunidade num momento crucial em que a saúde mental precisava ser olhada com muita atenção. Segundo Schmidt, Crepaldi, Bolze, Neiva-Silva e Demenech (2020), em pandemias a atenção com a saúde mental tende a ser colocada em segundo plano, no entanto, medidas para o enfrentamento nesse sentido devem ser tomadas já que os impactos psicológicos decorrentes da pandemia podem ser ainda mais duradouros do que os efeitos do próprio acometimento pela Covid-19. Ainda, os autores afirmam que sintomas de depressão, ansiedade e estresse diante da pandemia têm sido identificados na população, e o isolamento tem como efeitos negativos sintomas de estresse pós-traumático, confusão, raiva e preocupações com a escassez de suprimentos e perdas financeiras que também impactam na saúde mental.

Após levantamento das necessidades emocionais mais frequentes no ambiente acadêmico (realizada por meio de entrevistas[1] qualitativas e pesquisa teórica), junto aos efeitos da pandemia, destacou-se que algumas das demandas mais urgentes para a qualidade de vida dos acadêmicos estão relacionadas com as seguintes temáticas: autoestima; ansiedade e estresse; concentração; relações interpessoais. Diante destes indicadores, tornou-se pertinente oportunizar um espaço de diálogo para debater esses temas junto aos acadêmicos, promovendo autoconhecimento e oferecendo ferramentas para enfrentamento de sofrimentos psíquicos. Dessa forma, uma das frentes de atuação do Projeto Ser Universitário em Tempos de Pandemia foi a atividade denominada Emoção e Arte em Tempos de Pandemia – um ciclo de oficinas online para o bem-estar e a saúde mental. Esse grupo de acolhimento e de apoio emocional visou oportunizar um espaço de diálogo para alunos em sofrimento e proporcionar qualidade de vida em meio à pandemia, zelando pela saúde mental no âmbito acadêmico.

Para Ornelas (2008), grupos de ajuda mútua geram sentimento de pertencimento, possibilitam trocas de dificuldades e suporte mútuo, propiciam aprendizagem de novas estratégias para enfrentamento de diversos problemas, ampliam as redes de contatos e fortalecem a autonomia dos sujeitos. Freitas (2005) afirma que grupos vivenciais são considerados favorecedores da perspectiva de alteridade, na medida em que cada participante tem neles a oportunidade de se afirmar e de ser confirmado, isto é, de se expressar e de refletir, num campo interacional fértil de sentidos e significações. Freitas (2005) traz ainda, numa visão analítica, que explorar o inconsciente, em sua manifestação numa experiência grupal, é tão importante quanto experienciá-lo pela introversão através de sonhos, imaginação ativa ou por meio de expressão artística, apontando as vantagens para o indivíduo tais como o sentimento de pertencimento a algo maior, busca pela autossustentação, convivência com diversos pontos de vista, entre outros. Para Faria, Dias e Camargo (2019), a expressão artística possibilita significar conteúdos inconscientes que ao se tornarem conscientes, podem ser transformados e solucionar conflitos. Assim, a arte autoriza e amplia a expressão dos sentimentos, trazendo concretização e superação, além de fazer com que esses sentimentos possam ser percebidos socialmente.

Relatos das oficinas

As oito oficinas Emoção e Arte em Tempos de Pandemia ocorreram via aplicativo Zoom e Google Meet, e foram oferecidas por meio da Universidade Tuiuti do Paraná e da Universidade Tencológica Federal do Paraná. Como esse era um evento aberto à comunidade acadêmica, contou ainda com participantes de outras instituições, tais como Universidade Federal do Paraná e Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Desse modo, participaram das oficinas mais de cem alunos, entre eles estudantes de cursos de graduação, pós-graduação e mestrado, bem como ex-alunos dessas instituições. Como o foco das oficinas era trabalhar as emoções por meio da expressão artística, a cada encontro foi solicitado previamente aos participantes que se preparassem, separando papel, lápis e, se possível, algum material para colorir (lápis de cor, caneta hidrocor, giz de cera, tinta guache ou outro). Foram trabalhados quatro temas, e cada um deles foi replicado duas vezes, em duas oficinas, a fim de alcançar maior número de participantes.

Em cada oficina, após breve apresentação sobre o projeto, foram feitos alguns combinados com o grupo, sugerindo que todos se sentissem à vontade para compartilhar suas vivências e sentimentos, escutando uns aos outros sem julgamentos e em silêncio – mantendo os microfones desligados enquanto não estivessem falando. Na sequência foi explicado o porquê de relacionar a emoção e a arte num contexto de pandemia, propondo que há sentimentos que não conseguimos expressar só com palavras, mas através da expressão artística é possível objetivar as emoções, o que propicia o autoconhecimento, ajuda a suavizar sentimentos de ansiedade, medo e estresse. Esses sentimentos se relacionam com o que estamos vivendo e sentindo no período de isolamento social decorrente da pandemia de Covid-19 – um momento em que se vivencia inseguranças e mal-estares relativos ao convívio social, crises política e econômica, solidão, saudades, preocupações com a própria saúde, de familiares e amigos.

Assim chegamos no objetivo das oficinas: propiciar um espaço para objetivação de emoções e sentimentos e compartilhamento dessas vivencias, usando a expressão artística como recurso para ressignificar esse momento difícil, usando-o para o autoconhecimento e acolhimento mútuo. Ao abrir espaço para as trocas em grupos, as falas que foram surgindo trouxeram reflexões tais como:

● Para alguns, a produção da primeira imagem foi mais difícil, pois assumir para si mesmo que há aspectos negativos na personalidade não é fácil. No entanto, outros falaram que a 2ª imagem, de autoaceitação, foi mais difícil de ser construída.

● V. tentou representar em seu desenho como sofre com pensamentos e desejos que não se conectam, e que queria ter uma mente mais harmônica. No segundo desenho, representou um caminho a ser seguido para se chegar à harmonia que deseja, e refletiu que já possui, dentro de si, as ferramentas para trilhar esse caminho.

● G. compartilhou sua produção: no primeiro desenho fez a representação de uma pequena chama dentro de um labirinto, ao que intitulou “O Labirinto incontornável”. No segundo desenho fez novamente uma chama, porém maior e com caminhos acessíveis para se chegar a ela. Para essa imagem deu o título de “Os caminhos transponíveis”. Em sua fala, refletiu que quer ser mais aberto, mais intuitivo, e que foi bom perceber como o amor por si próprio já está dentro de si, as respostas e os caminhos, e que é uma questão de se permitir se amar;

● A. comentou que é difícil para ela organizar pensamentos, e que deixa o momento de lado e que gostaria de organizar melhor seus pensamentos;

● E. nos contou que se sentiu aliviado após a atividade, que sentiu que colocou para fora o que estava lhe incomodando.

Nas oficinas que trataram da temática da autoestima, o grupo foi convidado a fazer uma autorreflexão sobre como foram construídas suas autoestimas, pensando sobre o que lhes era dito em casa e na escola, e quais aspectos positivos e negativos cada um internalizou. Em seguida foram convidados a pensar numa característica de suas personalidades que lhes incomodasse e então se expressar artisticamente a partir desse sentimento, realizando um desenho/pintura. Os participantes foram conduzidos a irem desenhando e se soltando de uma possível sensação ruim, como se estivessem literalmente jogando ela no papel e tirando um peso de si mesmo, fazendo um exercício de autoaceitação e autoacolhimento. Em seguida, foi demandado que cada participante pegasse outra folha e desenhasse/pintasse uma resposta gentil, afetuosa e acolhedora à primeira imagem criada. Após a finalização da proposta, foi solicitado que dessem títulos aos desenhos. Iniciou-se então o momento de falas, trocas de experiências sobre a vivência proposta. As falas que surgiram trouxeram questões como:

● Para alguns, a produção da primeira imagem foi mais difícil, pois assumir para si mesmo que há aspectos negativos na personalidade não é fácil. No entanto, outros falaram que a 2ª imagem, de autoaceitação, foi mais difícil de ser construída.

● V. tentou representar em seu desenho como sofre com pensamentos e desejos que não se conectam, e que queria ter uma mente mais harmônica. No segundo desenho, representou um caminho a ser seguido para se chegar à harmonia que deseja, e refletiu que já possui, dentro de si, as ferramentas para trilhar esse caminho.

● G. compartilhou sua produção: no primeiro desenho fez a representação de uma pequena chama dentro de um labirinto, ao que intitulou “O Labirinto incontornável”. No segundo desenho fez novamente uma chama, porém maior e com caminhos acessíveis para se chegar a ela. Para essa imagem deu o título de “Os caminhos transponíveis”. Em sua fala, refletiu que quer ser mais aberto, mais intuitivo, e que foi bom perceber como o amor por si próprio já está dentro de si, as respostas e os caminhos, e que é uma questão de se permitir se amar;

● A. comentou que é difícil para ela organizar pensamentos, e que deixa o momento de lado e que gostaria de organizar melhor seus pensamentos;

● E. nos contou que se sentiu aliviado após a atividade, que sentiu que colocou para fora o que estava lhe incomodando.

Algumas pessoas se sentiram à vontade para compartilhar seus desenhos. No Anexo A (Oficina Online Autoestima e Autoconhecimento), as imagens A1, B1 e C1 se referem ao desenho 1, representando algo que não gostam em si mesmos. Já as imagens A2, B2 e C2 representam as respostas que fizeram aos primeiros desenhos, imagens que para eles representam o autoacolhimento, a autoaceitação. Para Pandolfo e Kessler (2012), a utilização da expressão artística em grupos comunitários desenvolve as relações interpessoais, bem como o sentimento de pertencimento, participação, conscientização e integração. O desenho possibilita transformações pessoais que, posteriormente, compartilhadas em grupos, resultam na possibilidade de exteriorizar símbolos e religar-se com sua essência. Segundo as autoras, ao trabalhar a autoaceitação e compartilhar seu potencial artístico, cada integrante do grupo vai adquirindo maior confiança em si mesmo, o que aumenta as possibilidades de trocas e descobertas grupais. Gaeta (2017) afirma que o uso da arte permite a passagem de um conteúdo inconsciente, não assimilado, transmutado ou transformado, para outro conscientizado. Na prática expressiva artística, busca-se visualizar conteúdos simbólicos, ao que a forma converte a expressão subjetiva em comunicação objetivada. Assim, promove-se o encontro entre pensamento e sentimento, rompendo a dualidade da experiência do mundo interno com o mundo externo.

Um dado recente mostra que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país mais ansioso do mundo (Alegre, 2019, 29 de julho). Nesse sentido, as oficinas que trabalharam a temática “Ansiedade” visavam esclarecer possíveis dúvidas dos participantes sobre o que é a ansiedade e que impactos ela pode ter em nossas vidas, sendo, por exemplo, pano de fundo para mal-estares como estresse, falta de concentração, burnout, pânicos, fobias, compulsões, insônia, entre outros. Os participantes foram convidados ainda a refletir sobre a ansiedade no sentido de ânsia/desejo, como uma vontade de ter o que falta, um desejo de se livrar do que incomoda; ou talvez um desejo de sentido, de servir a algum propósito, ou seja, um anseio que mostra que há algo causando desconforto. Assim, foi proposta uma atividade para expressão artística relacionada à temática da ansiedade. Os participantes foram convidados a entrar em contato com suas emoções, e após refletirem sobre o que estava gerando ansiedade em suas vidas, desenharem um círculo na folha previamente separada, e dentro dele representarem seus anseios e desejos por meio de formas e cores livres. Após pausa de 10 a 15 minutos, iniciou-se o momento de trocas em grupo. Alguns participantes compartilharam suas produções (ver Anexo B – Ansiedade). Alguns relatos sobre a atividade foram:

“meu desenho relata um pouco a sensação que meus sonhos estão cada vez mais longe de se concretizarem… a autoreflexão neste momento nos ajuda a entender o nosso propósito. E o mundo todo está passando por isso”; “o desenho conta sobre a pressão do mundo externo e de como ela faz eu me sentir pequena, ansiosa e impotente às vezes”; “no início o círculo me deixou um pouco apreensiva pois ao mesmo tempo que parecia limitar, dentro dele também demostrava muito espaço vazio a se criar. Colocar isso em um papel foi uma sensação estranha, pois eu já imaginava que seria algo abstrato, mas nunca parei pra pensar como é dar forma a uma emoção ou desejo. Talvez esta visão nublada esteja assim também devido ao momento delicado que estamos passando.”

Para Jung (1961/2013, citado por Valladão, 2017), a ansiedade está relacionada a um esvaziamento simbólico do mundo. A falta de simbolismo faz com que um significado mais profundo da própria existência se perca e o sentido da vida se volte apenas à realidade e objetividade do dia a dia. A falta de contato com a profundidade, que seria algo transcendente, leva o indivíduo a um comportamento padrão, massificado, fugindo de si mesmo. Assim, o indivíduo vai perdendo sua capacidade de conexão com os símbolos, não sendo mais capaz de inventar histórias e imagens simbólicas sobre sua vida, perdendo então a habilidade de perceber o significado da vida. Por esse motivo, mais uma vez ressalta-se a importância da expressão artística como possibilidade de devolver a capacidade de simbolização.

O terceiro tema trabalhado no Ciclo de Oficinas foi “Concentração e Criatividade”. Foram propostas reflexões a respeito da criatividade, e de como ela está relacionada à concentração. Os participantes foram lembrados de como somos constantemente demandados pela sociedade a ser mais produtivos e mais criativos, e como isso exige muita concentração. Com frequência, temos a impressão de que não somos criativos, e relacionamos a criatividade mais ao universo das artes do que ao nosso cotidiano, e não pensamos nela como uma necessidade humana, como um instinto. Numa visão analítica, segundo Jung (2014), a criatividade se relaciona com o instinto que nos faz questionar “de onde vim”, “para onde vou”, “quem sou” – questões existenciais que são geradoras de angústia, mas que também nos fazem evoluir, sair da zona de conforto e procurar respostas que aparecem em forma de simbolizações que podem se concretizar, por exemplo, por meio da expressão artística. Com isso, concluímos que todos somos criativos, a questão é refletir o que pode estar nos impedindo de acessar nossa criatividade. Para ser mais criativo é preciso se permitir ser mais espontâneo, abandonar autocríticas. A falta de concentração está relacionada com isso tudo, tem a ver – também – com a ansiedade. Após essa reflexão, foram oferecidas dicas pontuais de como melhorar a concentração no dia a dia (meditação, realização de planejamentos e mapas mentais, entre outros). Em seguida, os participantes foram convidados a desenhar mandalas, tentando abandonar a ideia de não ser criativo, praticando a autoaceitação. Mandalas são símbolo de equilíbrio interno, de totalidade, de inteireza, entre outros, elas auxiliam na concentração e permitem que a criatividade aflore. Para Mendonça e Brito (2017), as mandalas fazem parte dos registros históricos da humanidade, aparecendo como símbolo universal de harmonia, totalidade e transformação. Expressam ainda o potencial criativo do indivíduo, além de atuarem como elemento que auxilia o indivíduo a centrar-se.

Alguns participantes compartilharam suas produções (ver Anexo C – Concentração e Criatividade), e deram alguns retornos sobre a atividade:

“foi relaxante produzir minha mandala, e me concentrei muito”; “na minha mandala tentei representar no meio a bagunça que é a minha criatividade e minha percepção de mundo, porque eu sou uma pessoa criativa até demais…às vezes acabo não vivendo na realidade. A falta de contato social está me deixando meio abalada, meio carente e isso reforçou minha falta de atenção comigo, de achar que os outros são melhores do que eu em alguns aspectos, que eu não mereço ser feliz, e que minhas relações com as pessoas vão dar errado, então o desenho me ajudou a liberar um pouco disso tudo… essa mandala representa essas muitas coisas que me dividem e me separam”; “gostei de fazer a mandala, é realmente interessante o quanto minha cabeça esvaziou de pensamentos e ficou focada nela”; “esse primeiro desenho na parte superior, confuso, é o momento atual. Fiquei satisfeita em ver que ainda acredito num futuro em que as coisas serão melhores e vou conseguir desenvolver meus projetos, sonhos… esse futuro seria a parte de baixo do meu círculo.”

Oliveira, Nakano e Wechsler (2016) citam que a criatividade tem sido visualizada como um recurso para o enfrentamento dos riscos e desafios atuais, de modo a representar o mais alto grau de saúde emocional bem como a forma de superar as dificuldades impostas pelo meio em que se está inserido, possibilitando alcançar consciência sobre as próprias potencialidades, liberdade pessoal e autonomia. O uso da atividade expressiva no contexto grupal é adequado porque, segundo Freitas (2005), mobiliza e estrutura forças da personalidade, inter-relaciona a fantasia e a pragmaticidade, intercomunica os participantes e, finalmente, tem um efeito catártico. Nesse sentido, a produção de mandalas tem um caráter catártico por si só porque possibilita ao indivíduo acessar e exteriorizar conteúdos que não emergiriam por outras vias, conferindo sensação de alívio e bem-estar, e num contexto grupal, possibilitam a socialização e a expressão de sentimentos.  

A última temática trabalhada nas oficinas foi “Eu e o Outro”, visando debater e propor reflexões sobre relações interpessoais. Foram discutidos os tópicos papéis sociais e propósito de vida frente ao meio social. O grupo foi convidado a refletir e listar, em uma folha, seus papéis sociais, atribuindo uma cor para cada um desses papéis. Em seguida cada um fez uma representação de si mesmo, desenhando apenas o contorno do corpo, para então preencher o desenho com as cores atribuídas aos papéis sociais. Alguns participantes compartilharam suas produções (ver Anexo D – Oficina Eu e o Outro), e reflexões surgiram do exercício proposto:

“fiz a silhueta da cabeça e do tronco apenas, e na base coloquei papeis referentes a minha profissão… que são minhas maiores preocupações, recolocação profissional… na região da garganta, meu papel de mulher… Fez muito sentido a atividade! Gostei da reflexão!”; “Eu achei curioso que eu descrevi seis papéis. Daí só no final quando terminei o desenho lembrei do papel mulher”; “Eu achei difícil pensar no meu propósito de vida em relação ao social, estamos sempre focados no individual, vou ter que refletir mais sobre esse assunto,  mas acho que ele está relacionado com minha profissão, minha vontade de ajudar os outros… no meu desenho eu coloquei a profissão no coração”; “eu achei a reflexão válida porque nós somos seres sociais, e tudo o que fazemos impacta uns aos outros, e precisamos pensar em nossas ações e nossas vidas de uma forma mais ampla.”

Segundo Góis (2003), na construção do sujeito comunitário deve-se fortalecer sua identidade pessoal e a sua atuação comunitária, estimulando a integração entre o desenvolvimento do indivíduo e seu papel sociocomunitário.

Considerações finais

O ambiente acadêmico pode ser fonte de sofrimentos e crises emocionais, e precisa ser olhado com atenção pela Psicologia educacional. Na experiência relatada, por meio das oficinas e vivências grupais, foi possível auxiliar na construção e fortalecimento de autoestimas, oferecer ferramentas de autoconhecimento e promover o aprimoramento das relações interpessoais, incitando a reflexão do papel social de cada sujeito. Foram trabalhados, nos indivíduos e no grupo, a visão de mundo, a autopercepção, revendo hábitos, atitudes, valores e práticas singulares e coletivas, no sentido da tomada de uma consciência mais plena. A atuação remota com grupos de apoio emocional em meio à pandemia trouxe um rico aprendizado de como é importante abrir um espaço comunitário para o diálogo e a reflexão e como o compartilhamento de vivências e experiências em grupo pode ser gerador de bem-estar e libertador também de forma virtual. O grupo possibilita trocas dialógicas, apoio psicológico, sentimento de pertencimento, tomada de consciência e mudanças de paradigmas.

Segundo Dutra, Ferreira, Therrien e Silva (2020), as relações estabelecidas em comunidade virtuais de aprendizagem possibilitam um campo dialógico que traz versatilidade, diversidade e riqueza nas relações estabelecidas na rede, já que o homem, enquanto sujeito histórico, cria e recria seus significados. As redes possibilitam novos espaços de convívio que trazem formas alternativas de debate, facilitando a ação transformadora resultante do encontro entre sujeitos. Assim, numa comunidade virtual, os atores precisam se engajar e criar autonomia para responder aos princípios que norteiam a convivência nesse ambiente, a saber: sentimento de pertencimento, geração de vínculos afetivos, o caráter colaborativo e a permanência no grupo.    

Segundo Reis (2014), pode-se encontrar diversas aplicações para a expressão artística no contexto da Psicologia como a avaliação, a prevenção, o tratamento e a reabilitação voltados para a saúde, e como ferramenta para o desenvolvimento interpessoal por meio da criatividade em contextos grupais, abrangendo as práticas clínica, educacional, comunitária e organizacional. Com as oficinas, a função terapêutica da arte ficou evidente no contexto educacional e virtual. O uso da expressão artística permitiu a expressão de vivências não verbalizáveis, trocas dialógicas, fomentando o autoconhecimento e a construção do sentimento de pertencimento, além do efeito catártico (Vygotski, 1972).

Com todas essas experiências e resultados muito positivos obtidos, ficou evidente a importância da atuação do psicólogo escolar no sentido de acolher sofrimentos e potencializar capacidades, desenvolvendo competências e ferramentas para o enfrentamento de dificuldades emocionais. Foi enriquecedor e gratificante poder contribuir para o manejo da saúde mental de tantas pessoas ao longo do processo. Muitos participantes deram retornos positivos sobre a atuação, e houve um em especial que emocionou:

“Quero parabenizar vocês mais uma vez pelo trabalho incrível que vocês desempenharam durante as oficinas. Foi nítido o comprometimento e esforço de vocês, frente a temática e interação conosco. Com certeza é uma experiência que levarei pra minha vida, seja acadêmica, profissional e principalmente emocional. Creio que com as oficinas durante esse caos, vocês nos ajudaram a enfrentar este momento da forma mais tranquila possível. Muito obrigada, de coração.”

Esse é o tipo de reconhecimento que nos valida enquanto profissionais, e nos motiva a atuar não apenas para o bem-estar individual, mas para o sujeito repleto de história, cultura, relações, afetos e vontades que são indissiociaveis de seu ser.

Anexos

Anexo A – Oficina “Autoestima e Autoconhecimento”

Anexo B – Oficina “Ansiedade e Depressão”

Anexo C – Oficina “Concentração e Criatividade”

Anexo D – Oficina “Eu e o Outro”

Notas

[1] As entrevistas foram realizadas dentro do Projeto Ser Universitário.

Referências

Alegre, L. (2019, 29 de julho). Brasil é o país mais ansioso do mundo. Jornal da USP. Retirado de https://jornal.usp.br/atualidades/brasil-e-o-pais-mais-ansioso-do-mundo/.

Dutra, M., Ferreira, E., Therrien, J., & Silva, J. (2020). Virtual diaspora: process of idetification and belonging in a virtual learning community. Research, Society and Development, 9(6), e147963572. doi: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i6.3572

Faria, P. M. F., Dias, M. S. L, & Camargo, D. (2019). Arte e catarse para Vigotski em Psicologia da Arte. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 71(3), 152-165. doi: http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i3p.152-165

Faria, P. M. F., Venâncio, A. C. L., & Camargo, D. (2020). O ensino superior sob a perspectiva histórico-cultural: repensando as contribuições de Vigotsky. In P. M. F. Faria, D. Camargo, D. & A. C. L. Venâncio (Orgs.), Vigotski no Ensino Superior (pp. 81-102). Porto Alegre, RS: Fi.

Freitas, L. V. (2005). Grupos vivenciais sob uma perspectiva junguiana. Psicologia USP, 16(3), 45-69. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642005000200004

Ferrarini, N. L. (2017) Universidade: uma leitura sem culpa. In L. Albanese, N. L. Ferrarini, & M. A, G. Pan (Orgs.), Psicologia e educação superior: formação e(m) prática (pp. 19-34). Curitiba, PR: Juruá.

Gaeta, I. P. (2017). O Círculo Sagrado: Mandalas de pacientes de C. G. Jung – Oficina de Mandalas. Anais do XXIV Congresso da AJB. Recuperado de http://www.ijpr.org.br/wp-content/uploads/docs/monografias/Anais%20do%20Congresso%20-%20oficina%20Irene%20Gaeta.pdf.

Góis, C. W. L. (2003). Psicologia comunitária. Universitas Ciências da Saúde, 1(2), 277-297. doi https://doi.org/10.5102/UCS.V1I2.511

Jung, C. G. (2014). A Natureza da Psique. Petrópolis, RJ: Vozes. E-book.

Kowalski, A. R., Mattar, J., Barbosa, L. C., & Branco, L. S. A. (2020). Evasão no Ensino Superior a Distância: Revisão da Literatura em Língua Portuguesa. EaD em Foco, 10(2): 1-24. doi: https://doi.org/10.18264/eadf.v10i2.983  

Lúcio, S. S. R., Medeiros, L. G. S., Barros, D. R., Ferreira, O. D. L, & Rivera, G. A. (2019). Níveis de estresse em estudantes universitários. Temas em Saúde, (Ed. Esp.), 260-274. Recuperado de http://temasemsaude.com/wp-content/uploads/2019/03/fippsi15.pdf.

Maltoni, J., Palma, P. C., & Neufeld, C. B. (2019). Sintomas ansiosos e depressivos em universitários brasileiros. Psico, 50(1), e29213. doi https://doi.org/10.15448/1980-8623.2019.1.29213

Mendonça, B. I. O., & Brito, M. A. Q. (2017). Mandalas como recurso terapêutico na prática da Gestalt-Terapia. Revista IGT na Rede, 14(27): 273-290. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/igt/v14n27/v14n27a09.pdf.

Oliveira, K. S., Nakano, T. C., & Wechsler, S. M. (2016). Criatividade e saúde mental: uma revisão da produção científica na última década. Temas em Psicologia, 24(4): 1493-1506. doi: http://dx.doi.org/10.9788/TP2016.4-16

Ornelas, J. (2008). Psicologia Comunitária. Lisboa: Fim de Século. 

Pandolfo, P.M., & Kessler, A. S. (2012). A arte é terapia: arteterapia em grupos comunitarios. Revista Conversas Interdisciplinares, 7 (3). Recuperado de http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/ci/article/download/3932/pdf.

Pan, M. A. G., & Zonta, G. A. (2017). Universidade: uma leitura sem culpa. In In L. Albanese, N. L. Ferrarini, & M. A, G. Pan (Orgs.), Psicologia & educação superior: formação e(m) prática. Curitiba, PR: Juruá.

Reis, A. C. (2014). Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do Psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão, 34(1): 142-157. doi: https://doi.org/10.1590/S1414-98932014000100011   

Schmidt, B., Crepaldi, M. A., Bolze, S. D. A., Neiva-Silva, L., & Demenech, L. M. (2020). Impactos na Saúde Mental e Intervenções Psicológicas Diante da Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19). Scielo Preprints. Recuperado de https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/58/69.

Valladão, L. S. (2017). Ansiedade e Contemporaneidade: uma leitura junguiana. (Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Recuperado de https://tede2.pucsp.br/handle/handle/19904

Viana, M. N. (2016). Interfaces entre a Psicologia e a Educação: Reflexões sobre a atuação em Psicologia Escolar. In M. N. Viana & R. Francischini (Orgs.), Psicologia Escolar: que fazer é esse? (pp. 54-73). Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.

Vygotski, L.S. (1972). Psicologia del Arte. Barcelona: Barral Editores.

Como citar esse texto

APA – Carvalho, L. A. de, & Camargo, D. de. (2020). Emoção e arte em tempos de pandemia. CadernoS de PsicologiaS, 1. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/emocao-e-arte-em-tempos-de-pandemia.

ABNT – CARVALHO, L. A. DE; CAMARGO, D. DE. Emoção e arte em tempos de pandemia. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 1, 2020. Disponível em: <https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/emocao-e-arte-em-tempos-de-pandemia>. Acesso em: __/__/__.