Revista CadernoS de PsicologiaS

Ensino remoto para estudantes de Psicologia: relato de experiência durante a pandemia

Ma. Luisa Dalla Costa
Mestre em Educação e Novas Tecnologias

Psicóloga (CPR-08/16489). E-mail: luisa.dalla.costa@gmail.com
Bruna Paul
Comunicóloga e Acadêmica do curso de Bacharelado em Psicologia

E-mail: bruna.mpaul@gmail.com
#Relatos_de_Experiência

Resumo: O presente artigo trata de um relato de experiência acerca do ensino remoto no curso de Bacharelado em Psicologia de uma Faculdade de Ensino privada de Curitiba, em virtude das medidas sanitárias impostas pelo Governo Estadual em resposta a pandemia do COVID-19. São relacionados os temas da formação do psicólogo, metodologias de ensino a distância e a volatilidade e incerteza do momento da pandemia para trabalhar as inquietações teóricas provenientes da experiência do ensino remoto e os impactos destas mudanças provenientes do isolamento social.

Palavras-chave: Psicologia; ensino remoto; relato de experiência.

Remote teaching in the bachelor of Psychology: theoretical provocations based on an experience report

Abstract: This article presents an experience report about remote teaching in the Bachelor’s Degree in Psychology at a Private School in Curitiba, due to the sanitary measures imposed by the State Government in response to the COVID-19 pandemic. The themes of psychologist training, distance learning methodologies and the volatility and uncertainty of the pandemic moment are related to the theoretical concerns arising from the experience of remote education and the impacts of these changes arising from social isolation.

Keywords: Psychology; remote education; experience report.

La enseñanza a distancia en el grado en Psicología: provocaciones teóricas desde un relato de experiencia

Resumen: Este artículo trata de un relato de experiencia sobre la enseñanza a distancia en la Licenciatura en Psicología de un Colegio Privado de Curitiba, debido a las medidas sanitarias impuestas por el Gobierno del Estado ante la pandemia del COVID-19. Los temas de formación de psicólogos, metodologías de aprendizaje a distancia y la volatilidad e incertidumbre del momento pandémico se relacionan para abordar las inquietudes teóricas que surgen de la experiencia de la educación remota y los impactos de estos cambios derivados del aislamiento social.

Palabras clave: Psicología; educación remota; informe de experiencia.

Introdução

No final da década de 90, as Forças Armadas Estadunidenses analisavam o mundo pós Guerra Fria[1] e, encontrando-se em desvantagem, perceberam que as estratégias desenvolvidas para o combate poderiam se alterar diante de um ambiente hostil e imprevisível em que viviam. Para explicar esse cenário, os militares utilizaram quatro características fundamentais apresentadas a eles pelos teóricos Warren Bennis e Burt Nanus: volatility (volatilidade), uncertainty (incerteza), complexity (complexidade) e ambiguity (ambiguidade), formando, portanto, o acrônimo VUCA, que foi mais fortemente disseminado a partir dos anos 2000 no ambiente corporativo, e hoje já se pulverizou para outras estruturas sociais, para explicar as mudanças do mundo pós-moderno.

Quanto à volatilidade, pode-se associar ao que Bauman (1998, 2000, 2001, 2005) abordava sobre a modernidade líquida, em que instituições, ideias e relações interpessoais mudam muito rapidamente e de maneira imprevisível, fluida. Já quanto à incerteza, é sobre a dificuldade em criar previsões e cenários futuros, devido à volatilidade. Sobre complexidade, é de interação social e redes de contato que se trata e, ambiguidade, é sobre como um indivíduo, dentro dessa teia social complexa, é capaz de aceitar outras ideias, crenças ou verdades. Portanto, fica mais fácil perceber por que um termo que surgiu no meio militar possui seu sentido presente de maneira mais abrangente na sociedade, uma vez que fatores como inteligência emocional e autoconhecimento são preconizados.

Os fluidos se movem facilmente. Eles ‘fluem’, ‘escorrem’, ‘esvaem-se’, ‘respingam’, ‘transbordam’, ‘vazam’, ‘inundam’, ‘borrifam’, ‘pingam’, são ‘filtrados’, ‘destilados’; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho… Associamos ‘leveza’ ou ‘ausência de peso’ à mobilidade e à inconstância: sabemos pela prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos movemos (Bauman, 2001, p. 8).

E se Bauman e os militares americanos, nos final do século XX, já apontavam este ritmo desenfreado que tomou conta após a Revolução Industrial, em 2020, a pandemia da Covid-19 parece reiterar esses conceitos, e acelerou ainda mais processos de mudanças, sejam elas tecnológicas, de novas formas de trabalho e dentro de setores como o da saúde e da educação.

O “novo normal” – termo que popularizou e que retrata as medidas de afastamento e distanciamento sociais, uso de máscaras, álcool em gel e sanitização de alimentos devido aos impactos do coronavírus, ou seja, medidas de um novo padrão que podem garantir a sobrevivência humana – nos força a conviver em um ambiente hostil e incerto que o vírus trouxe, ao mesmo tempo em que nos testa a resiliência, a abertura a mudanças, o autoconhecimento e a colaboração, tão quistos na filosofia VUCA.  A mudança que será tratada no presente estudo está relacionada à necessidade emergente do ensino remoto na formação universitária do bacharel em Psicologia. Com as medidas sanitárias impostas pelo Governo Federal, as Instituições de Ensino Superior (IES) precisaram se adaptar e oferecer aulas online para cursos que até então se estabeleciam na modalidade presencial.

É hipótese deste trabalho que esta mudança do ensino presencial ao remoto devido à pandemia impactou os processos de ensino e de formação dos estudantes de Psicologia, e manifestou, também, as dificuldades de aprendizagem dos acadêmicos provenientes das incongruências de todas as camadas de escolaridade do sistema de ensino brasileiro, revelando o despreparo de estudantes do ensino superior quanto às suas aptidões socioemocionais. Portanto, o presente estudo tem por objetivo apresentar uma provocação teórica em relação à formação Universitária do Psicólogo em tempos de isolamento social a partir de um relato de caso de uma Instituição de Ensino Superior privada da cidade de Curitiba (IES).

Referencial teórico

Com as constantes transformações ocorridas na Educação Superior no Brasil, novas exigências garantem uma alavancada para o desenvolvimento e para novas formas de promover o ensino, a pesquisa e a extensão, tornando-se premente a construção de um currículo mais flexível, centrado no aluno, com maior interação entre teoria e prática, voltada, principalmente, para a integração da metodologia acadêmica à comunidade.  O curso de Psicologia tem por objetivo geral a construção e desenvolvimento do conhecimento nas áreas relativas à Psicologia, com vistas à formação de recursos humanos qualificados, aptos a atuarem com competências de natureza técnico-instrumental para desenvolver e organizar novos empreendimentos e ações voltadas para a saúde mental, compromissados com a cidadania e respaldados em forte atitude ética.

A legislação específica que engloba a Psicologia  enquanto área de formação é composta pela Lei n. 4.119 (1962), que dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão do psicólogo; e a Resolução CNE/CES n. 5 (2011) institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, estabelecendo normas para o projeto pedagógico complementar para a Formação de Professores de Psicologia.  De acordo com essas disposições, o curso de graduação em Psicologia tem como meta central a formação do psicólogo voltado para a atuação profissional, para a pesquisa e para o ensino de Psicologia.

O estudo da Psicologia também assume papel especial neste momento de intensas transformações culturais, decorrentes do desenvolvimento científico, da valorização e promoção da qualidade de vida, do trabalho em equipe multidisciplinar, da exigência de maior autonomia e de rigorosa postura ética. O Curso de Psicologia proposto, dentro dos novos paradigmas, abre-se para discussões, das quais o colegiado participa ativamente, à luz das questões trazidas pelas novas Leis de Diretrizes e Bases (1996), e fomentadas pelos estudos, desencadeados nacionalmente, acerca das diretrizes curriculares, estabelecendo novas abordagens e redefinindo o perfil profissional do egresso.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Psicologia (Resolução n. 5, publicada no DOU, Seção 1, p. 19, 2011), estabelecem que, no Brasil, o Curso de Psicologia deve ser ofertado em forma de Bacharelado em modalidade presencial. Ainda não há regulamentação para cursos de Psicologia na modalidade de Ensino a Distância (EaD).

Entretanto, a pandemia do Sars-CoV-2 deixou mais evidente a preocupação de IES e professores em esclarecer o que é Ensino a Distância e, principalmente, diferenciá-lo do ensino remoto emergencial, uma vez que o último é mais utilizado àqueles que migraram forçadamente do presencial às aulas online. Segundo o artigo 80, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

Para os fins deste Decreto, considera-se educação a distância a modalidade educacional que busca superar limitações de espaço e tempo com a aplicação pedagógica de meios e tecnologias da informação e da comunicação e que, sem excluir atividades presenciais, organiza-se segundo metodologia, gestão e avaliação peculiares. (Brasil, 1996).

Mesmo que ambos utilizem a tecnologia como ferramenta mediadora entre professor-aluno, a educação remota faz apenas uma virtualização das aulas presenciais; as aulas são ao vivo – continuam a acontecer nos dias e horários de quando os alunos podiam frequentar as universidades; as dúvidas dos alunos são sanadas pelos professores durante as aulas, ou através de e-mails e mensagens de texto.

Já no ensino a distância, as aulas são consideradas também remotas, porém planejadas, contando com o apoio de tutores e mídias diversas para gerar novas experiências de aprendizagem; as aulas são gravadas, dando mais flexibilidade para o aluno assisti-las no horário que preferir, e as dúvidas podem ser sanadas não somente com os professores, mas com os tutores.

Diante deste cenário, não há como negar que os novos meios de comunicação da era digital tornam-se primordiais para a continuidade de um ano letivo, mesmo com as adversidades do período. Mas como é percebido no parágrafo anterior, as diferenças entre o ensino remoto emergencial e a educação a distância vai além da diversidade das ferramentas comunicacionais; o EaD possui uma estrutura pedagógica diferenciada, adaptada para esse novo educar, por conseguinte, os professores e tutores são preparados para esse formato educacional, que utiliza as estratégias das metodologias ativas de aprendizagem. Nos parágrafos seguintes, veremos o que são e como essas metodologias podem ser implementadas no ensino remoto, como alternativa para amenizar os impactos da pandemia na educação superior.

Metodologia ativa é um termo fortemente disseminado no meio pedagógico, e que contempla uma nova forma de ensinar, em que o aluno se torna protagonista de sua aprendizagem, tendo os professores como um fonte de apoio e de estímulos, incentivando a autogestão dos estudantes, bem como a responsabilidade, metacognição e o empoderamento.

Por Metodologia Ativa entendemos todo o processo de organização da aprendizagem (estratégias didáticas) cuja centralidade do processo esteja, efetivamente, no estudante. Contrariando assim a exclusividade da ação intelectual do professor e a representação do livro didático como fontes exclusivas do saber na sala de aula. (Pereira, 2012).

Portanto, é um formato que vem para superar o modelo tradicional passivo de ensino, em que as aulas são expositivas e com pouca interação na relação aluno-aprendizagem. De um modo geral, o modelo passivo de educação tem o professor como a figura central, possuidor de todo o conhecimento e determinando o conteúdo das disciplinas, delegando aos alunos apenas a tarefa de absorver o que será ensinado, demonstrando-se um modelo atrasado quando comparado às transformações dos séculos XX e XXI, principalmente com a chegada do universo digital.

A memorização mecânica do perfil do objeto não é aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo. Neste caso, o aprendiz funciona muito mais como paciente da transferência do objeto ou do conteúdo do que como sujeito crítico, epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou participa de sua construção (Freire, 2002, p. 28).

A primeira metodologia a ser apresentada é a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP). Nesse processo, a meta é fazer que os alunos aprendam um conteúdo de modo colaborativo, em que precisam resolver uma série de desafios. Com esse escopo, o aluno vê-se na posição de, em grupo, criar, explorar e testar seus conhecimentos a partir de suas próprias experiências de vida, ultrapassando as barreiras teóricas dos livros. Já utilizado no sistema EaD, e que pode ser trabalhado nas aulas remotas, o educador pode aproveitar as ferramentas de comunicação, como programas de edição de vídeos do próprio celular dos alunos, ou criando fóruns de discussão – seja em aplicativos de mensagens, ou na intranet da instituição de ensino. O papel do professor, aqui, é o de dar feedback aos alunos, mostrando os pontos a melhorar e os acertos.

Enquanto a ABP tem uma finalidade mais prática à experiência do aluno, a Aprendizagem Baseada em Problemas dá ênfase à teoria para a resolução de casos, complementando a aprendizagem acima, e estimulando a interdisciplinaridade do aluno. Esse modelo incita a criação de debates sobre um determinado tema, e que pode também ser uma metodologia de apoio durante as aulas remotas, pois incentiva a participação ativa dos alunos.

Já outra metodologia, presente há anos no sistema educacional da Finlândia – país considerado um dos melhores do mundo em educação –, a Aprendizagem Baseada em Fenômenos incita o estudante a definir o que quer aprender, e o professor tem o papel de conceituar e contextualizar a partir de outros vieses, e não somente de uma abordagem ou matéria, por exemplo.

As metodologias ativas tornam-se então uma solução viável ao sistema remoto na tentativa de reaproximar os alunos ao ensino, e estimular suas habilidades socioemocionais – associadas à construção do conhecimento – que se demonstrou deficitária no “novo normal”.

Sobre habilidades socioemocionais:

Muitas são as habilidades de qualidade emocional que estão intrinsicamente envolvidas na aprendizagem: o interesse, engajamento e motivação para construir o vínculo com os ensinantes e com os objetos do conhecimento; a carga emocional que precisa ser investida na relação com o conhecimento, para que os aprendentes atribuam sentido pessoal e se posicionem criticamente em relação ao saber; a disponibilidade interna para persistir, para atravessar o caminho do aprender, que muitas vezes envolve dores e lutos; a resistência à frustração para suportar o processo de amadurecimento ao longo da vida e tantas outras. (Abed, 2014).

Vale ressaltar que a legislação nacional da educação determina, de acordo com os diferentes níveis de escolaridade, um ensinamento distinto. Enquanto no ensino fundamental o objetivo é desenvolver a capacidade de aprendizagem dos alunos, contemplando a aquisição de conhecimentos e habilidades atreladas à formação de atitudes e valores (Brasil, 1996); no ensino médio, no Artigo 35, inciso III, prevê-se o aprimoramento do educando enquanto ser humano, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Já no ensino superior, no Artigo 43, afirma-se que a finalidade é a de estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo (Brasil, 1996).

Portanto, estas aptidões, teoricamente, já deveriam ter sido trabalhadas com os estudantes pelo menos desde o ensino fundamental. Mas a iniciativa das aulas remotas escancarou as dificuldades de acadêmicos em estabelecer um novo estilo e rotina de estudos em meio a essa mudança mundial, bem como lidar com fatores emocionais diante a crise.

Os professores universitários encontram-se, portanto, diante da tarefa de auxiliar os alunos do ensino superior a lidarem não somente com a educação, aquela dos livros, mas também no apoio psicológico, estimulando o autoconhecimento, a resiliência. Por esse contexto, as práticas pedagógicas das metodologias ativas são essenciais, ao passo que o mundo VUCA exige todas estas qualificações psicológicas, sociais e emocionais.

Método

Com o objetivo de alcançar dados que suportam uma teoria inicial, o pesquisador científico direciona seu projeto de trabalho com critérios de caráter científico, utilizando de um método que pode ser definido como um conjunto de etapas e instrumentos (Ciribelli, 2003).

Por um lado, os estudos vêm para a resolução de um problema através da pesquisa, por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto a de campo (documentação direta) exigem um levantamento do estudo da questão a analisar e solucionar. A Pesquisa Bibliográfica pode, portanto, ser considerada como o primeiro passo de toda pesquisa científica (Lakatos, 1992, p. 21).  Logo, o presente estudo conta com um levantamento bibliográfico e a análise de um estudo de caso feita em uma Instituição de Ensino Superior da cidade de Curitiba.

Estudo de caso e discussões

A partir do dia 17 de março de 2020, as aulas presenciais já não faziam parte da rotina dos alunos universitários da IES, dando lugar ao ensino remoto. Como citado anteriormente, a pandemia do coronavírus afetou diversos setores, no Brasil e no mundo, e com a educação não foi diferente.

Na segunda quinzena de março, os alunos haviam completado um pouco mais de um mês de aulas presenciais, e desde então passam por esta adaptação ao ensino remoto junto aos professores e instituições de ensino superior. O que pôde ser observado inicialmente foi que, com essa alteração, muitos alunos encontraram dificuldades em dois aspectos: 1) falta de acesso à internet ou de um computador em domicílio, bem como a ausência de um espaço físico reservado para que o que o aluno consiga estudar sem intervenções e ruídos; e 2) inconformidade com o novo contexto da pandemia.

Sobre o item um citado acima, os alunos seguiram por dois caminhos: ou desistiam dos estudos em 2020, postergando para quando as aulas presenciais retornassem; ou assistiam às aulas gravadas pelos professores assim que tivessem a possibilidade de se conectarem à internet – seja no trabalho, ou pagando por um plano pré-pago de celular. Quanto ao espaço físico, foi percebido durante as videoconferências que os alunos optaram pelo quarto, mesmo que não houvesse uma mesa, utilizando a cama como substituta das carteiras.

Quanto à inconformidade abordada no item dois, notou-se que alguns alunos pareciam não estar compreendendo o contexto mundial da pandemia, portanto relutantes com a mudança às aulas remotas, como se a IES tivesse mudado por motivos próprios. Isso ficou muito evidente em um grupo de mensagens de textos de alunos de Psicologia da IES, em que alguns estudantes criticavam e cobravam medidas urgentes dos professores para uma melhora nas aulas, alegando ser injusta a maneira como tudo estava sendo repercutido. Os representantes de turma também encontraram dificuldades na tratativa com os colegas; duvidavam se eles – os representantes – repassavam as mensagens da coordenação e dos professores; pediam também ajuda sobre como se organizarem nos estudos.

A primeira iniciativa dos representantes foi a de realizar uma votação no próprio grupo de conversas, para que fosse autorizado o bloqueio de mensagens, e que o canal se tornasse um painel informativo digital, em que apenas os representantes enviassem as orientações sobre as aulas, materiais e avisos; dessa forma, os materiais não perderiam em meio às conversas. A maioria aceitou, mas ainda com essa medida, alguns alunos solicitavam auxílio dos representantes e a outros alunos para encontrarem conteúdos, links de materiais de apoio, ou até mesmo os códigos e senhas de acesso às aulas remotas. Após essa ação, a coordenadora do curso de psicologia criou um grupo de apoio aos representantes de todas as turmas de psicologia da IES, no intuito de os alunos exporem suas dificuldades e se ajudarem na tarefa de serem os porta-vozes neste novo cenário.

Ainda no primeiro bimestre letivo, era percebido um maior número de alunos nas videoconferências; via-se ainda um interesse em manter uma rotina de estudos. Os acadêmicos ligavam suas câmeras para que os professores os vissem, mantendo assim uma integração entre o grupo, na tentativa de aproximar ao que seriam as aulas presenciais, em que a troca de experiências é mais dinâmica.

Um fator comentado entre os alunos foi a questão da saudade. As aulas presenciais possibilitavam um maior contato com outros alunos, até mesmo de outros cursos. No caso dos alunos do primeiro período das graduações, a pandemia postergou essa novidade, visto que, para muitos alunos, esse seria seu primeiro contato com o meio universitário. 

Por parte da instituição e dos professores, era percebida a preocupação em manter os alunos focados e motivados; os professores, antes de iniciarem as aulas, perguntavam aos alunos sobre como estavam se sentindo; quais eram suas dificuldades, e se esforçavam para adaptarem suas aulas ao digital, unindo às considerações dos alunos. Já a instituição, além de oferecer diversos meios de contato para manter uma relação com os alunos, e eles se sentirem supridos, a diretoria se comprometia em mandar mensagens esporádicas a todos os alunos, a fim de manter a comunidade de ensino unida e tranquila.

Já no segundo bimestre, datado entre os meses de maio e junho, o cenário era outro: os alunos já não mais ligavam suas câmeras nas videoconferências; o número de presença também diminuiu: uma parte pela opção do aluno em desistir da graduação; uma outra que não tinha recursos e acesso à internet; e uma terceira fatia que permaneceu matriculada, porém não aparecia às aulas; somente fazia a entrega de trabalhos e provas.

No dia 31 de julho de 2020, fez-se um levantamento sobre a opinião dos alunos quanto a este novo formato e sobre a adaptação dos mesmos. O primeiro relato que chamou a atenção foi a de um aluno de Psicologia do turno matutino, que afirmou estar preocupado com o que irá acontecer no segundo semestre; a faculdade ficava no meio de seu trajeto entre a casa e o trabalho. Agora que as aulas estão remotas, o aluno alega ter de sair às 10h para chegar a tempo no trabalho. As aulas pela manhã encerram às 11h40.

Já outra aluna diz ter gostado. O tempo em que ela utilizava locomovendo-se até a faculdade, “Agora serve como um tempo de estudo a mais”, afirma a estudante. Diz também se sentir mais disposta para assistir às aulas.

Em contrapartida, uma outra graduanda entende que as aulas remotas destruíram a experiência acadêmica, uma vez que o contato interpessoal que a faculdade promove é o que de fato estimula estudantes a desenvolverem-se intelectualmente; algo que, segundo ela, o ambiente online não consegue suprir. Sua colega complementa afirmando sentir-se prejudicada, pois a comodidade de estudar em casa desorganizou sua rotina de estudos.

Além disso, alguns estudantes se sentiram prejudicados, pois as mensalidades não sofreram alteração, e alegaram não fazer sentido, uma vez que a estrutura física da faculdade não está sendo utilizada. Sentiram-se também lesados financeiramente pelas férias terem sido maiores.

A partir destas premissas, foi possível perceber que, além do formato das aulas, o “novo normal” evidenciou ainda mais aspectos já latentes no país, como a desigualdade social. Além disso, notou-se um despreparo dos estudantes quanto às habilidades socioemocionais, tão importantes não somente na vida acadêmica, mas para ascensão pessoal e profissional, e que de acordo com a legislação nacional de ensino, o sistema educacional brasileiro tem a obrigação, junto às famílias dos estudantes, de fornecer esse tipo de aprendizagem, auxiliando no processo de desenvolvimento do indivíduo e seu papel enquanto cidadão. Mas na prática, não foi isso que presenciamos.

Considerações finais

Vimos até o presente artigo que o mundo pós-moderno é caracterizado por sua volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, e que devido à pandemia do coronavírus esses atributos se intensificaram, forçando-nos a adquirir e lapidar habilidades socioemocionais como autoconhecimento, resiliência e coletividade, enquanto indivíduos compostos de papéis sociais; além de organizações e demais estruturas sociais encontrarem-se diante do desafio de se adaptarem ao novo normal.

Foi explicitada também as diferenças entre o que seria o Ensino a Distância do ensino remoto emergencial, em que as aulas de modalidade presencial precisaram se virtualizar para o ano letivo permanecer durante a pandemia, e minimizar os impactos negativos do isolamento social. As aulas remotas emergenciais implicam soluções de caráter provisório e pouco satisfatórios, evidenciando a desigualdade social tão incrustrada no contexto brasileiro.

Como alternativa para diminuir as divergências que emergiram nesse cenário, dentro do espectro da educação, encontrou-se nas metodologias ativas – modelo já utilizado na modalidade EaD – uma opção viável não somente para aperfeiçoar as aulas remotas, mas para estimular a autogestão de alunos nos estudos, além de outras qualidades já requeridas no contexto VUCA, uma vez que o sistema educacional brasileiro demonstra falhas quanto a essas aprendizagens.

Em pouco mais de cinco meses do isolamento social, foi possível perceber uma dicotomia entre o mundo e seus fenômenos e a percepção de alunos universitários quanto a esses acontecimentos. Ao mesmo tempo em que a sociedade revela a necessidade de os indivíduos desenvolverem suas habilidades socioemocionais, pelo menos desde o século XX que essa temática aparece com mais afinco; em um novo século, em que um vírus nos coloca à prova da sobrevivência e nos testa a empatia, o senso de comunidade, vê-se um déficit dessas e tantas outras aptidões.

Mesmo vivendo na geração digital, demarcada pela quantidade de notícias disseminadas a um maior número de pessoas, ainda nos deparamos com a falta de informação das pessoas que, no contexto do ensino superior, desencadeou uma hostilidade entre alunos e a IES e entre outros acadêmicos – revelando também a falta de flexibilidade e abertura a mudanças desses. Além disso, graças ao ensino remoto, presenciamos as falhas do sistema educacional repercutindo nos futuros profissionais brasileiros, em que a falta de autogestão nos estudos e a dificuldade de organização nas atividades básicas do cotidiano, como anotar os dados de acesso às aulas online, comprometem a autoestima e a qualidade de aprendizagem dos universitários. A quem devemos culpar? A pandemia? Os professores? Os alunos? Devemos culpar alguém, ou nos voltarmos à ação?

O fato é que a crise continua impregnada, sem prazo para acabar, e não podemos esperar que ela termine para que comecemos a repensar em melhorias na educação, seja ela presencial ou não. Vivemos um momento em que é preciso transformar o imediatismo em realidade; em pensar nos acadêmicos como futuros profissionais que contribuirão para o desenvolvimento do país, e em como toda a cadeia – sociedade, IES, professores e alunos – podem contribuir para que isso aconteça, para que a educação continue com o seu verdadeiro propósito, o de gerar mudanças, e que não se torne uma moeda de troca em que ter um diploma valha mais que o conhecimento. E que por mais tecnologias que se insiram em nossa sociedade, ainda assim, o papel do professor na construção de cidadãos nunca será substituído.

Notas

[1] Guerra Fria é a designação de um período histórico de disputas entre os Estados Unidos e a União Soviética, compreendendo o período entre o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e a extinção da União Soviética em 1991.

Referências

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Pereira, R. (2012). Método Ativo: Técnicas de Problematização da Realidade aplicada à Educação Básica e ao Ensino Superior. (VI Colóquio internacional. Educação e Contemporaneidade, São Cristóvão, SE., 20 a 22 setembro de 2012, pp. 1-15). Recuperado de http://educonse.com.br/2012/eixo_17/pdf/46.pdf.

Como citar esse texto

APA – Costa, M. L. D., & Paul, B. ( 2020). Ensino remoto para estudantes de Psicologia: relato de experiência durante a pandemia. CadernoS de PsicologiaS, 1. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/ensino-remoto-para-estudantes-de-psicologia-relato-de-experiencia-durante-a-pandemia.

ABNT – COSTA, M. L. D.; PAUL, B. Ensino remoto para estudantes de Psicologia: relato de experiência durante a pandemia. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 1, 2020. Disponível em: <https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/ensino-remoto-para-estudantes-de-psicologia-relato-de-experiencia-durante-a-pandemia>. Acesso em: __/__/____.