Revista CadernoS de PsicologiaS

Ética em reprodução assistida: reflexões sobre a atuação profissional da(o) psicóloga(o)

Daniela Escrivani
Centro Universitário Unidombosco — E-mail: descrivanii@gmail.com
Fernanda Aline de Lima
Centro Universitário Unidombosco — E-mail: fernandaalinedelima@gmail.com
#Estilhaços

Resumo: A reprodução assistida está envolta em tópicos sensíveis e complexos dilemas éticos sobre os quais não há consenso social, médico e legal.  Destacam-se, nesse sentido, a busca pela cura de doenças por meio da gravidez programada; o destino de embriões congelados; os direitos das crianças concebidas por doação de gametas; a gravidez por substituição; o uso de material genético de pessoas falecidas na fertilização pós-morte; e, os avanços científicos na área, que incluem a utilização de inteligência artificial e a seleção de embriões baseada em características como sexo, traços físicos e/ou inteligência. O objetivo do ensaio é discutir a ética da(o) profissional de psicologia que atua nesse contexto. Baseando-se na pesquisa exploratória e na revisão de literatura, os resultados revelam a necessidade de mais produções acerca da atuação ética do(a) psicólogo(a) em reprodução assistida, além de identificarem a reflexão e atualização contínuas como elementos primordiais à prática profissional nessa área.

Palavras-chave: Reprodução assistida; ética profissional; psicologia.

ETHICS IN ASSISTED REPRODUCTION: REFLECTIONS ON THE PROFESSIONAL PRACTICE OF PSYCHOLOGISTS

Abstract: Assisted reproduction is surrounded by sensitive topics and complex ethical dilemmas on which there is no social, medical or legal consensus.  Of particular note in this regard are the search for a cure for diseases through programmed pregnancy; the fate of frozen embryos; the rights of children conceived through gamete donation; surrogate pregnancy; the use of genetic material from deceased people in post-mortem fertilization; and scientific advances in the field, which include the use of artificial intelligence and the selection of embryos based on characteristics such as sex, physical traits and/or intelligence. The aim of this essay is to discuss the ethics of psychology professionals working in this context. Based on exploratory research and a review of the literature, the results reveal the need for more research into the ethical performance of psychologists in assisted reproduction, as well as identifying continuous reflection and updating as essential elements for professional practice in this area. 

Keywords: Assisted reproduction; professional ethics; psychology.

ÉTICA EN LA REPRODUCCIÓN ASISTIDA: REFLEXIONES SOBRE LA PRÁCTICA PROFESIONAL DE LOS PSICÓLOGOS

Resumen: La reproducción asistida está rodeada de temas delicados y complejos dilemas éticos sobre los que no existe consenso social, médico ni jurídico.  En este sentido, destacan la búsqueda de la cura de enfermedades mediante el embarazo programado; el destino de los embriones congelados; los derechos de los niños concebidos mediante donación de gametos; la gestación subrogada; la utilización de material genético de personas fallecidas en la fecundación post mortem; y los avances científicos en este campo, que incluyen el uso de inteligencia artificial y la selección de embriones en función de características como el sexo, los rasgos físicos y/o la inteligencia. El objetivo de este ensayo es debatir la ética de los profesionales de la psicología que trabajan en este contexto. A partir de una investigación exploratoria y de una revisión bibliográfica, los resultados revelan la necesidad de profundizar la investigación sobre la actuación ética de los psicólogos en reproducción asistida, además de identificar la reflexión y la actualización continuas como elementos esenciales para la práctica profesional en esta área.

Palabras-clave: Reproducción asistida; ética profesional; psicología.

Introdução

A reprodução assistida é uma área das ciências médicas que tem sido objeto de intenso debate ético, suscitando importantes questões acerca da concepção humana, da autonomia reprodutiva e dos valores envolvidos nas decisões relacionadas à procriação. Nesse contexto, a atuação do(a) profissional de psicologia tem-se revelado crucial e indispensável, tendo em vista a necessidade de acompanhamento psicológico aos indivíduos e casais que buscam por tratamentos de fertilidade, seja para prepará-los adequadamente para o que vão enfrentar, de modo a ajudá-los a tomar melhores decisões, seja para auxiliá-los quando, porventura, acabam se frustrando diante dos rumos e resultados adversos obtidos ao longo do caminho. Outro espectro envolvendo o segmento das intervenções em reprodução humana, diz respeito às delicadas questões que se apresentam como dilemáticas nos campos da moral e da ética, e das quais o(a) psicólogo(a), durante sua atuação profissional, não está alheio.

No presente ensaio, trabalhamos, brevemente, os aspectos conceituais e históricos das abordagens de concepção avançada; as modalidades de procedimentos e suas indicações; as implicações éticas envolvendo as técnicas reprodutivas; e, o papel do(a) psicólogo(a) neste contexto. Para tanto, buscamos responder à seguinte questão: Qual a correlação entre a as práticas de reprodução assistida e a ética profissional do(a) psicólogo(a) diante dos dilemas éticos que se apresentam? Objetivamos destacar os desafios éticos e as reflexões necessárias para uma atuação responsável e consciente. A escolha pelo tema se justifica pela crescente relevância social do assunto na atualidade e pela necessidade de ampliação do debate acerca da atuação ética do(a) psicólogo(a) nesse contexto específico.

Método

A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória, sendo realizada revisão de literatura através da busca por produções teóricas acerca da ética profissional do(a) psicólogo(a) em reprodução assistida. Foram utilizadas as bases de dados das plataformas SCIELO (Scientific Eletronic Library Online) e Pepsic (Periódicos Eletrônicos em Psicologia) sendo consideradas as produções realizadas entre os anos de 2007 e 2023. Os descritores empregados foram: reprodução assistida, ética profissional e psicologia. Após a análise dos assuntos trazidos pelas produções científicas encontradas, foram selecionados cinco artigos cujo mote abrangia a intersecção entre reprodução assistida e atuação do(a) psicólogo(a), o histórico e os avanços em reprodução assistida, além dos dilemas éticos circunscritos a esse campo.

Reprodução Assistida: Breve Histórico, Conceituação e Panorama Atual

A reprodução assistida, também conhecida como reprodução tecnicamente assistida ou medicamente assistida, é o nome dado ao conjunto de técnicas e procedimentos médicos, biomédicos e de engenharia genética, desenvolvidos para auxiliar casais ou indivíduos que enfrentam dificuldades em conceber naturalmente um filho. Essas técnicas são utilizadas nas situações em que ocorrem problemas de fertilidade por questões médicas e fisiológicas, como obstrução tubária; baixa contagem de espermatozoides e/ou baixa reserva ovariana; problemas ovulatórios; doenças genéticas hereditárias; idade avançada, especialmente da mulher; ou ainda, nos casos que envolvem o desejo dos casais homossexuais de terem filhos biológicos; e também de indivíduos solteiros que querem ter filhos sem um parceiro (SOUZA & ALVES, 2016).

O marco inicial da reprodução assistida remonta ao nascimento do primeiro bebê de proveta, Louise Brown, em 1978, no Reino Unido, através da técnica de fertilização in vitro (FIV). Esse avanço científico revolucionou a abordagem da infertilidade e abriu portas para uma série de outras técnicas de reprodução assistida (TRA) que se tornaram disponíveis posteriormente. Segundo Souza e Alves (2016), as principais técnicas de reprodução humana assistida são: inseminação artificial (IIU), fertilização in vitro (FIV), injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICIS) e a transferência de embriões congelados (TEC). A FIV é uma das técnicas mais conhecidas e amplamente utilizadas, e consiste na fertilização do óvulo em laboratório, seguida pela transferência do embrião para o útero da mulher. Já a inseminação artificial, envolve a introdução de espermatozoides processados diretamente no útero, facilitando a fertilização (SOUZA & ALVES, 2016).

As técnicas de reprodução assistida estavam gradualmente se expandindo para além das fronteiras do Reino Unido, e, ainda na década de 1980, começaram a ser adotadas em outros países, como Estados Unidos, Austrália e França. Em 1984, na Austrália, nasceu Zoe Leyland, primeiro bebê proveniente de embrião criopreservado (congelado), fato revolucionário na reprodução humana assistida. No mesmo ano, em São José dos Pinhais-PR, nascia Anna Paula Caldeira, o primeiro bebê de proveta do Brasil e da América Latina, procedimento realizado pelo médico Milton Nakamura (DE MOURA; DE SOUZA & SCHEFFER, 2009).

Ao longo dos anos, o Brasil tem acompanhado os avanços tecnológicos e científicos na área da assistência à fertilidade, mas ainda não dispõe de legislação específica para regular a reprodução assistida. Recentemente, em 2022, as normas deontológicas que regulam a utilização das técnicas de reprodução humana medicamente assistida, foram atualizadas pelo Conselho Federal de Medicina através da Res. nº 2320/2022, que revogou a Res. CFM nº 2.294/21. A revisão do número de embriões gerados em laboratório, a maioridade necessária para doação de gametas, a consonância com a Lei de Biossegurança e as alternativas à relação com cedentes temporárias de útero são algumas das principais alterações (BRASIL, 2022).

Implicações e Dilemas Éticos na Atuação da(o) Psicóloga(o) em Reprodução Assistida

A reprodução assistida traz consigo uma série de implicações que precisam ser cuidadosamente consideradas. Um tópico que suscita muitos dilemas éticos, se refere à seleção de características genéticas por meio de técnicas avançadas em medicina reprodutiva. A possibilidade de escolher sexo, traços físicos ou mesmo características sobre a inteligência, levanta dilemas importantes acerca dos limites da interferência humana na reprodução e no desenvolvimento genético. Essas escolhas podem ser vistas como uma forma de eugenia e geram preocupações sobre a perpetuação de desigualdades sociais, discriminação e impactos na diversidade humana. A esse respeito, a Resolução CFM nº 2320/2022, mantém a proibição da escolha dessas características, o que, de certa forma, arrefece as questões éticas subjacentes.

Além disso, conforme é indicado por Marciano et al. (2019) no artigo “Considerações Éticas e Bioéticas em Reprodução Humana Assistida” publicado no Vol. 1 da Revista Bioética Cremego, a reprodução humana assistida se constitui como uma prática marcada por controvérsias e pontos polêmicos outros, que incluem a cessão temporária de útero; o limite de idade das candidatas à reprodução assistida; a doação compartilhada de ovócitos; o sigilo da identidade dos doadores e receptores de gametas e embriões; as questões envolvendo o armazenamento e o descarte de embriões criopreservados; e a reprodução assistida pós mortem

Um dos principais métodos de reprodução assistida é a gravidez por substituição (também conhecida como “doação temporária do útero, “barriga solidária”, e “barriga de aluguel”), que envolve uma mulher gestando e dando à luz uma criança com a finalidade de entregá-la a terceiros nos casos em que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva. No Brasil não há ainda uma legislação específica sobre o tema em vigor, existindo apenas as normas estabelecidas pela Resolução CFM nº 2320/2022. 

O Conselho Federal de Medicina flexibilizou as regras em relação à gestação por substituição no Brasil. Não é mais obrigatório que as doadoras temporárias do útero sejam pertencentes à família do casal ou da mulher tentante em um parentesco consanguíneo de até quarto grau (desde que comprovada a impossibilidade da tentante ou de familiar próxima), devendo apenas apresentar boa saúde e idade limite de 50 anos. Desta forma, é possível recorrer ao método da “barriga solidária”, porém é proibido que haja qualquer ganho financeiro através dessa prática. A gravidez por substituição suscita debates éticos acerca da exploração de mulheres e da comercialização do útero, pois, em última instância, consiste em “tomar de empréstimo” um corpo feminino e utilizá-lo para a procriação, corroborando com uma cultura patriarcial e pró-natalista, que objetifica o corpo da mulher ao transformá-lo em um meio para se alcançar determinados fins (MARCIANO et al., 2019).

Embora a gravidez por substituição seja considerada um meio para a viabilização de novos modelos de família e para a concretização do desejo – tanto de casais heteroafetivos, quanto de casais homoafetivos – de gestarem um filho biológico, ainda assim, representa uma prática que “coisifica” e concebe o corpo feminino como uma mercadoria. Pois, se, por um lado, é proibida pela Res. nº 2320/2022 a obtenção de qualquer vantagem pecuniária por meio da utilização da “barriga de aluguel”, por outro, ocorre a objetificação e a comercialização do corpo da mulher, ainda que simbólica e no campo da fantasia, pois ele é visto como objeto de “troca” dessa transação. 

Como apontam Marciano et al., 2019, esse tema é um debate frequente dentro do movimento feminista, que proporcionou maior visibilidade ao corpo e à sexualidade da mulher, tratando-os como questões políticas. Nesse sentido, os autores trazem os apontamentos de Scavone, reconhecida autora na área das tecnologias conceptivas sob o olhar político e feminista, que tece críticas ao fato de que “a maior parte dos procedimentos em reprodução assistida ser realizado no corpo da mulher, trazendo à tona a questão da dominação dos corpos femininos e reforçando a ideia de naturalização da maternidade.”

Em relação aos casos de gestações geneticamente programadas buscando a cura de doenças de irmãos mais velhos, o artigo denominado “Esperando o Messias: Reflexão Sobre os Bebês Nascidos Para Curar um Irmão” publicado em 2011 na Revista Mental, traz reflexões sobre o desejo da gravidez ser voltado exclusivamente para a cura da doença da criança mais velha, sendo a gestação programada, quase sempre, desinvestida em representações sobre a futura criança. As autoras abordam que nesses casos, há um projeto de gravidez sem um projeto de filho. Endossamos a visão apresentada por Maroja e Lainé e compreendemos que a atuação do(a) psicólogo(a) visa à promoção de uma reflexão crítica e profunda acerca das motivações envolvidas nessas gestações, de modo a auxiliar os pais a explorarem suas expectativas, medos e conflitos, e a considerarem o bem-estar do futuro filho.

A prática da gestação programada com intuito de curar a doença do irmão mais velho desemboca em algumas dilemas éticos, entre eles, a priorização da doença sobre a criança, os pais dedicados em curar um dos filhos podem deixar de investir no imaginário acerca das representações futuras sobre o filho que será gerado, correndo o risco de não se preocuparem com seus direitos e autonomia, arriscando-se a prejudicar o desenvolvimento psicológico e social da criança, pela falta de um olhar devotado à sua subjetividade. Maroja e Lainé, nos apresentam o conceito de “bebê-medicamento”, que é idealizado como o salvador do irmão mais velho acometido por uma doença grave. No entanto essa situação delicada, poderá afetar a construção do processo identitário do infante, que antes mesmo de seu nascimento está impregnado de expectativas de seus familiares, que esperam de si um resgate, seja da enfermidade, ou até mesmo da culpa que os cuidadores possam sentir em relação à condição de saúde do primeiro filho.

Há que se falar também sobre as alterações na dinâmica familiar que ocorrem com a chegada de um novo filho. Sobretudo na relação entre irmãos, é possível que os sentimentos de culpa e remorso possam se apresentar caso o “bebê-medicamento” não atenda às promessas esperadas pela cura. O contrário também deve ser pensado, ou seja, nas situações em que o recém-chegado traga, de fato, a cura para um irmão doente, e caso este tenha sido planejado apenas como um simples recurso médico de salvação, pode, futuramente, não ser bem integrado à família, estando sujeito a receber tratamento hostil e indiferente, uma vez que já cumpriu sua responsabilidade com a família. O sentimento de gratidão também pode se apresentar no seio familiar e transformar positivamente esse sistema fraterno. Tais cenários se apresentam como possibilidades, que devem ser levadas em consideração ao se cogitar a gestação de um filho que virá para salvar outro, lembrando que este novo sujeito também apresentará suas vontades e particularidades ao longo de sua vida (MAROJA & LAINÉ, 2011).

As preocupações éticas subjacentes ao planejamento de um filho com propósito específico, levam ao questionamento dos desdobramentos dessa prática. No cenário brasileiro, a Constituição de 1988 teve papel crucial ao estimular a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), legitimado em 13 de julho de 1990. O ECA representa um marco legal que reconhece as crianças como sujeitos de direitos com necessidade de proteção integral ao desenvolvimento. Portanto, é fundamental garantir o melhor interesse desses indivíduos, o que requer uma discussão aprofundada sobre a instrumentalização do corpo da criança e a ausência de seu consentimento para o procedimento de intervenções médicas e planejamento familiar, que afetarão diretamente suas vidas e corpos (MAROJA & LAINÉ, 2011). Assegurar que as crianças sejam respeitadas em sua totalidade, como seres completos, desempenha um papel crucial na tomada de decisões relacionadas à gestação programada. Isso reforça a importância do pensamento crítico intrínseco ao processo de formação do psicólogo que presta apoio às famílias nesses delicados processos.

Outro ponto bastante controverso dentro da esfera das técnicas e procedimentos em reprodução humana tecnicamente assistida, é a manutenção, destino e descarte de embriões congelados. O artigo intitulado “Projetando um destino para embriões humanos: uma revisão bibliográfica” publicado por Maia et al. (2022), na Revista Científica Saúde e Tecnologia, pondera que este assunto desperta opiniões e posicionamentos altamente discrepantes entre si, ocasionando muitas divergências entre os campos da biossegurança, da ética, da religiosidade e da ciência. A esse respeito, os autores destacam que para potencializar as chances de sucesso nas técnicas de inseminação artificial (IIU), fertilização in vitro (FIV), injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICIS) e na transferência de embriões congelados (TEC), é necessário, quase sempre, retirar e fecundar mais de um óvulo, de forma a aumentar a porcentagem de implantação de um ou mais embriões. Consequentemente, aumentará também o número de embriões que não serão utilizados e/ou que poderão ser descartados após os processos supracitados.

Neste ponto, torna-se bastante sensível a discussão acerca do destino dos embriões criopreservados, pois não existe limite de tempo para que um embrião congelado perca a sua viabilidade, tendo sido registrados nascimentos de embriões que estavam há mais de dez anos congelados. O problema, segundo os autores, pode surgir, por exemplo, nos casos em que há separação do casal ou morte de um dos cônjuges, pois os embriões não poderão ser utilizados por um dos parceiros, sendo, nesses casos, doados para pesquisas científicas ou para outro casal infértil. Esse processo é complexo e concentra a maior parte dos dilemas éticos, dos questionamentos religiosos e também dos processos judiciais. 

Diante das situações dilemáticas e sensíveis apresentadas, envolvendo os procedimentos e tratamentos em fertilização assistida, compreendemos que a atuação do(a) psicólogo(a) nesse contexto se faz indispensável, e ocorre precipuamente em frentes como:

  • Aconselhamento e suporte emocional àqueles que enfrentam decisões difíceis sobre o destino de embriões congelados, ajudando-os a explorar suas emoções, valores e crenças, e auxiliando-os na tomada de decisões éticas, conscientes e bem informadas;
  • Facilitação da comunicação entre os membros do casal ou entre os envolvidos no processo decisório, garantindo que as perspectivas e preocupações de ambos sejam ouvidas e consideradas;
  • Exploração das opções disponíveis para o destino dos embriões congelados, através da discussão dos prós e contras de cada decisão, considerando fatores éticos, emocionais e pessoais;
  • Apoio frente aos desafios emocionais durante todo o processo, trazendo reflexões sobre a vida, a parentalidade e o significado de cada opção; bem como ajudando os indivíduos e casais a lidarem com os sentimentos de culpa, ambivalência e ansiedade que porventura surjam; e,
  • Encaminhamento para serviços especializados como consultores genéticos ou bioeticistas, para se obter uma perspectiva mais abrangente e especializada sobre o tema, e de modo a garantir uma abordagem multidisciplinar.
Considerações finais

Os resultados desta pesquisa indicam a necessidade de ampliação do número de produções acadêmicas a respeito da atuação do(a) psicólogo(a) no âmbito da reprodução tecnicamente assistida, a fim de se expandir o debate e a reflexão contínua sobre as questões éticas envolvidas nesse contexto, e de modo a contribuir para o aprimoramento da prática profissional, garantindo, assim, suporte psicológico aos indivíduos e casais que recorrem aos tratamentos de fertilidade. Diante da ausência de uma legislação específica no Brasil, é essencial que o(a) psicólogo(a) atue de forma ética, responsável e consciente, buscando promover o equilíbrio entre os avanços tecnológicos, os direitos individuais e as questões bioéticas e morais correlatas.

A esse respeito, compreendemos que se trata de um intrincado, amplo e complexo âmbito de atuação profissional da(o) psicóloga(o), que requererá dela(e), ações e condutas absolutamente pautadas na ética, no respeito aos direitos humanos e também no aprofundamento de temas políticos e sociais contemporâneos. É necessário que a(o) profissional de psicologia busque atender a todos os que recorrem às técnicas em reprodução assistida, cada qual com sua particularidade, de forma presente, capacitada e humanizada, buscando abordar e considerar o maior número de elementos possíveis que possam balizar decisões que não são nada simples, clarificando ao máximo as questões dilemáticas que se apresentam.

Após as discussões estabelecidas, faz-se importante ressaltar que não há qualquer pretensão de esgotar o assunto da atuação ética em reprodução assistida, ou de dá-lo como concluído e encerrado, visto que o mesmo é vasto, complexo e comporta posições doutrinárias e ideológicas divergentes em cada um de seus segmentos. 

Outrossim, é pertinente ressaltar que o objetivo pessoal das autoras em abordar a temática da ética em reprodução assistida e da participação da(o) psicóloga(o) neste campo, é ampliar a discussão acerca de assuntos controversos e sobre os quais pairam, ainda, muitas dúvidas e questionamentos. O conhecimento acerca da regulamentação das práticas de reprodução humana assistida por parte das(os) psicólogas(os) e dos dilemas éticos e bioéticos que permeiam as terapêuticas reprodutivas, são importantes para a definição dos tratamentos que podem ser utilizados em cada caso e também para o adequado acompanhamento emocional e psicológico dos pacientes.

Na busca pela realização do desejo de ter filhos, é essencial lembrar que nem tudo que é tecnicamente possível, é necessariamente ético ou o melhor para todos. Assim sendo, a atuação profissional nesse campo, exige sensibilidade, empatia e aptidão para lidar com dilemas complexos; devendo estar sempre pautada no respeito à dignidade humana, nos princípios fundamentais da beneficência, não maleficência, autonomia e justiça; e, visando, em última instância, ao conforto, bem-estar e à segurança dos indivíduos e casais envolvidos.

Referências

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Como citar esse texto

ABNT — ESCRIVANI, D., LIMA, F. A. Ensaio sobre reprodução assistida e ética profissional: reflexões sobre a atuação do(a) psicólogo(a). CadernoS de PsicologiaS, n. 4. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/etica-em-reproducao-assistida-reflexoes-sobre-a-atuacao-profissional-dao-psicologao/Acesso em: __/__/___.

APA — Escrivani, D., Lima, F. A. (2023). Ensaio sobre reprodução assistida e ética profissional: reflexões sobre a atuação do(a) psicologo(a). CadernoS de PsicologiaS, 4. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/etica-em-reproducao-assistida-reflexoes-sobre-a-atuacao-profissional-dao-psicologao/