#Estilhaços
Palavrinha curta, capaz de causar grandes reações, a menstruação continua sendo tabu em nossa sociedade. Como se não bastasse sangrarmos todo mês, a menstruação vem muitas vezes acompanhada daquelas dores chatinhas que sentimos como aviso prévio de sua chegada, pelo desconforto de sua estadia ou ainda por aqueles comentários de experts no assunto: os super entendedores do universo feminino, mas que nunca menstruaram na vida, são os homens, é claro.
Afinal, quem nunca ouviu a famosa frase: só pode estar de TPM?! Mulheres têm todo o direito de ficar bravas, irritadas, sem paciência, sem que necessariamente isso seja causado pela TPM. Cá entre nós, quem nunca esteve em cólicas ao tratar com pessoas inconvenientes, não é mesmo?
Em certas culturas, a mulher menstruada é vista como alguém “impura” que, naqueles dias, não está ou não é digna de realizar tarefas normais do dia a dia, como preparar as refeições da casa, pois, para eles, o contato da mulher com o alimento poderia contaminá-los. Em fevereiro de 2020, a BBC (Corporação Britânica de Radiodifusão) relatou a exposição de 68 estudantes universitárias na Índia que foram conduzidas até um banheiro e tiveram que abaixar suas calcinhas para serem inspecionadas por professores, a fim de se constatar se elas estavam ou não menstruadas.
No país, que considera impuras as mulheres durante seu período menstrual, as universitárias são obrigadas a seguir algumas regras de isolamento durante este período. Estudantes menstruadas são proibidas de entrar em templos ou em cozinhas e de tocar em outros estudantes, inclusive na hora das refeições, quando devem se sentar longe dos demais, em um canto específico separado a elas, além de lavar sua própria louça e se sentar na última fila dentro da sala de aula. Para controlar o período menstrual das estudantes, estas deveriam notificar por escrito quando ficam menstruadas. Nesse caso, como em dois meses não havia registros de estudantes menstruadas, ou seja, as estudantes não registraram seus nomes, o diretor da instituição optou pela revista. Os produtos de higiene menstrual são artigo de luxo entre as indianas que, para deter o fluxo, utilizam papel, trapos, cinza e até areia, já que apenas 58% delas têm acesso a absorventes por falta de dinheiro e até mesmo por vergonha de comprá-los.
Essa realidade, por mais que pareça distante, não é muito diferente da realidade de muitas brasileiras; pela falta de condições financeiras, além de papel e trapos de pano, usam até miolo de pão. As que conseguem comprar absorvente acabam permanecendo com ele além do tempo recomendável para tentar economizar.
No ano de 2019, o documentário “Absorvendo Tabu”, que foi o grande ganhador do Oscar Melhor Documentário curta-metragem, retratou a implementação de uma máquina de absorventes biodegradáveis na Índia. A vitória do documentário representou também a vitória de muitas mulheres, que enfim poderão ter um pouco mais de conforto nesses dias, porém evidenciou o constrangimento que a maioria delas sente ao serem abordadas sobre o assunto e, apesar do avanço que o maquinário poderá lhes trazer, há muito ainda a ser feito em relação ao preconceito vivido por elas, que são julgadas constantemente por algo que faz parte de sua condição fisiológica.
No documentário, grande parte dos homens indianos vê a menstruação como uma doença, e preferem não falar sobre o assunto. Mas, engana-se quem acha que isso ocorre somente lá, na Índia. Aqui mesmo, no Brasil, grande parte do universo masculino trata a menstruação como um monstro de costas largas, “monstruação”, que toma conta das mulheres e as transforma em verdadeiras feras. O monstro é tão assustador que muitos homens nem ao menos conseguem nomeá-lo, e preferem o codinome de “naqueles dias”.
Mas, como toda regra tem sua exceção, é possível encontrar nobres corajosos, que no auge da batalha enfrentam o monstro com chocolates em punho, carinho e muita atenção, e até com grande sabedoria salvam a donzela da torre munidos de absorventes e uns lencinhos, porque ficamos emotivas mesmo, né? Somos capazes de nos emocionar até mesmo com isso, recebendo o absorvente e o cuidado como se fosse um lindo buquê de flores.
Brincadeiras à parte, o fato é que muitas mulheres, em vários locais do mundo, das mais variadas culturas, ainda cultivam uma série de preconceitos, tabus e até crenças com o próprio corpo e sua fisiologia.
Quem nunca precisou daquela ajudinha feminina, pedindo um absorvente emprestado quando seu fluxo chegou antes do esperado ou mais intenso do que o de costume? O pedido de empréstimo vem sempre com muita discrição, é claro! Afinal, ninguém pode ou precisa saber que nosso corpo está funcionando em perfeita harmonia… O absorvente, item tão simples da nossa higiene feminina, e artigo de luxo para muitas mulheres, acaba virando quase que um vilão, o delator menstrual.
Falando em delação, recentemente o absorvente saiu de seu discreto esconderijo e passou a ser pauta política. A proposta PL 4.968/2019, feita pela deputada Marília Arraes, que foi aprovada no Senado e posteriormente vetada pelo presidente da república Jair Bolsonaro, dava ao absorvente um novo papel. Não o de luxo ou escassez, mas o papel de item básico. Não somente a higiene, mas a dignidade feminina das tantas mulheres que precisam escolher entre comprar um absorvente ou o “pão”. Só para lembrar: “pão, inclusive, que posteriormente tem seu miolo utilizado na tentativa de contenção do fluxo menstrual”.
Essa negativa presidencial à distribuição gratuita de absorventes a mulheres carentes traz algumas respostas. Dentre elas, a de que realmente deve ser o absorvente o real vilão de toda a história. Afinal, se ele fosse usado também por aqueles que desaprovam a iniciativa, talvez seu posicionamento fosse outro. Não haverá distribuição gratuita de absorventes a mulheres carentes e a culpa é toda do absorvente: quem manda ele ser produto exclusivo de apenas uma parcela da população, a feminina?
Mas, isso são apenas especulações de uma cabeça pensante e também feminina, que talvez esteja sob influência de sua TPM. Contudo, é sempre bom lembrar que “mulheres menstruam, mulheres têm TPM, e estamos sim em uma posição privilegiada se, na hora de comprar nossos absorventes, a única preocupação for a de com ou sem abas e não quantos pães eu posso levar com esse dinheiro”.
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Pandey, G. (2020, 17 de fevereiro). Faculdade indiana fera polêmica ao forçar estudantes a se despir para checar menstruação. [Página Web]. Recuperado de https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51522157 .
Berton, M. (Produtor), Taback, L. (Produtor), Schiff, G. K. (Produtor), & Zehtabchi, R. (Produtor/Diretor). (2019). Absorvendo o Tabu [documentário]. EUA: Netflix.
APA – Vicente, S. F. (2021). Menstruação: o maior tabu é a ignorância. CadernoS de PsicologiaS, 2. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/menstruacao-o-maior-tabu-e-a-ignorancia/
ABNT – VICENTE, S. F. Menstruação: o maior tabu é a ignorância. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 2, 2021. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/menstruacao-o-maior-tabu-e-a-ignorancia/>. Acesso em: __/__/____ .