Resumo: A pandemia de covid-19 é um marco histórico na humanidade, que provocou uma crise de saúde pública mundial. Entre as medidas de prevenção do contágio e disseminação da doença estão o isolamento, o distanciamento social e o lockdown. Essas medidas envolvem o controle de mobilidade da população, impactando na rotina diária. Sabendo que todos utilizam o trânsito para realizar seus deslocamentos, discutir possíveis impactos da covid-19 na mobilidade humana é tema crucial e objetivo desta produção. A escolha do meio de transporte pode estar associada à percepção de risco, por um lado em relação aos riscos do trânsito, por outro aos riscos da contaminação por covid-19. Desta forma, como os meios de transporte podem se converter em fatores de risco ou de proteção? O desafio imposto se dá no sentido de garantir a mobilidade cotidiana, com segurança no trânsito, protegendo a vida humana.
Palavras-chave: mobilidade; covid-19; percepção de risco.
Mobility and Health: what is the impact of Covid-19 pandemic on traffic?
Abstract: The covid-19 pandemic is a historic fact for humanity, which resulted in a global public health crisis. Measures to prevent infection and spread the disease includes maintaining distance from people, self-isolation, social isolation and lockdown. The measures involve controlling the mobility of people, which impacts daily life. Knowing that everyone uses traffic to move from one place to another, discuss the possible impacts of covid-19 on human mobility is necessary and is the aim of this production. The choice of the mode of transport can be associated with risk perception, in one hand in relation to traffic risks and in the other hand in relation to the risks of contamination by covid-19. Thus, how can the modes of transportation become risk or protection factors? The challenge is to guarantee daily mobility, with road safety, protecting human life.
Keywords: mobility; covid-19; risk perception.
Movilidad y Salud: ¿cuál es el impacto de la pandemia de covid-19 en el tráfico?
Resumen: La pandemia de covid-19 es un hito histórico para la humanidad, que ha desencadenado una crisis de salud pública mundial. Las medidas para prevenir la infección y evitar la propagación de la enfermedad incluyen el aislamiento, la distancia social y el confinamiento. Estas medidas implican controlar la movilidad de la población, impactando en la vida diaria. Sabiendo que todos usan el tráfico para moverse, discutir los posibles impactos de la covid-19 en la movilidad humana es un tema crucial y objetivo de esta producción. La elección del medio de transporte puede asociarse a la percepción de riesgo, por un lado, en relación al tráfico, y por otro lado a la contaminación por covid-19. Entonces, ¿cómo pueden los medios de transporte convertirse en factores de riesgo o de protección? El desafío es garantizar la movilidad diaria, con seguridad vial, protegiendo la vida humana.
Palabras clave: movilidad; covid-19; percepción de riesgo.
A covid-19 consiste num grande marco na humanidade, uma vez que se configura como a primeira pandemia e crise de saúde pública internacional do século XXI, decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020 (World Health Organization [WHO], 2020a). No momento em que escrevemos esse artigo, 5º mês da pandemia, o mundo já atingiu mais de 20 milhões de casos confirmados e mais de 760 mil vidas perdidas, sendo que somente no Brasil já superamos o impactante número de 106 mil vidas perdidas (WHO, 2020b). De modo mais concreto, é como se uma cidade como a histórica Araxá (MG) tivesse sua população dizimada ou metade da população do município paranaense de Foz do Iguaçu (IBGE, 2020).
Trata-se de uma doença respiratória grave causada pelo novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves (Brasil, 2020). A transmissão do vírus acontece de uma pessoa infectada para outra, por contato direto por meio do aperto de mão contaminadas, gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro e objetos ou superfícies contaminadas, como canetas, celulares, mesas, talheres, maçanetas, teclados de computador, entre outras (Brasil, 2020a).
Devido a alta taxa de contágios, a infecção por SARS-CoV-2 tem sobrecarregado e até mesmo colapsado sistemas de saúde em todo o mundo (Cavallo, Donoho, & Forman, 2020). Duas das estratégias para diminuir a propagação do vírus e diminuir essa sobrecarga das unidades hospitalares são o distanciamento social e o lockdown, ambos associados à restrição de mobilidade e aumento do isolamento social das pessoas.
O distanciamento social consiste na decisão consciente de reduzir o contato e aumentar a distância física entre pessoas para reduzir a possibilidade ou velocidade de contágio. Ele difere do isolamento que corresponde à separação dos infectados ou daqueles que apresentam sintomas característicos da doença, de indivíduos sadios (Schmidt et al, 2020). Já o lockdown consiste numa medida extrema de fechamento da cidade com rígidas medidas de circulação e funcionamento.
Sabe-se que o distanciamento social, também denominado pela população e mídia como isolamento social, na prática envolve a adoção de estratégias de controle da mobilidade da população, como o fechamento de escolas e universidades, suspensão do funcionamento do comércio não essencial, proibição de aglomerações e reuniões em espaços privados e áreas públicas de lazer, restrições ao uso de transporte público e à livre circulação de veículos. (Aquino et al, 2020; Bezerra, Silva, Soares & Silva, 2020). De modo que, o trânsito como espaço comum, dinâmico e interativo de mobilidade humana também tem seu funcionamento alterado com vistas a evitar uma situação perigosa, decorrente de conflito de densidade ou perda da privacidade (Günther, 2010).
Logo, é evidente que o enfrentamento da pandemia repercute na rotina da população e impõe mudanças de comportamento que afetam múltiplos aspectos da vida humana. Já existem pesquisas que atestam isso, tais como a pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz que em parceria com a UFMG e com UNICAMP (2020, Maio) revelou que 60% da população brasileira ficaram em casa atendendo orientações de distanciamento social, referindo perdas econômicas desse período, alterações negativas no estado de ânimo e maior ,consumo de álcool.
Diante das repercussões da pandemia, principalmente relacionadas às alterações comportamentais ocasionadas nesse período, nossa inquietação, a qual reflete o objetivo da pesquisa, é discutir sobre os possíveis impactos da pandemia da covid-19 na mobilidade humana no trânsito através de uma revisão de literatura.
Foi realizada uma busca por estudos empíricos nas bases de dados Scielo (nenhum estudo encontrado), Web of Science (7 estudos), Scopus (12 estudos) e Science Direct (132 estudos), no mês de agosto de 2020. A estratégia de busca foi identificar artigos que apresentassem os seguintes descritores “mobility”, “traffic” e “covid-19”. Sendo uma revisão narrativa da literatura, os artigos foram selecionados a critério das autoras, a partir da leitura do seu conteúdo. Vale destacar que novas publicações sobre a Covid-19 estão ocorrendo constantemente, o que impacta nos resultados das buscas. Neste trabalho, além dos estudos empíricos também foram utilizados materiais teóricos da área da Psicologia do Trânsito.
A revisão da literatura é apresentada de forma ampla e geral, discutindo aspectos teóricos e achados empíricos dos estudos, abordando o tema da mobilidade urbana e os impactos gerados pela pandemia de covid-19.
As pessoas utilizam o trânsito em suas rotinas diárias. Cada vez que alguém se desloca de um lugar para outro nas vias públicas regulamentadas está utilizando o trânsito (Rozestraten, 1981). Logo, é primordial aprofundar a temática em torno da mobilidade humana com vistas a promover segurança no trânsito, pois, de acordo com dados da OMS, aproximadamente 1,35 milhão de pessoas morrem por ano no trânsito e mais outras 50 milhões sofrem lesão por acidente (WHO, 2018). No Brasil, no ano de 2018, 33.625 mil pessoas perderam a vida no trânsito (cfe Brasil, 2020b).
Em termos de letalidade, considerando os óbitos por acidentes de trânsito, em rodovias federais brasileiras, informados pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), com dados que contemplam os anos de 2007 a 2019, temos uma taxa de letalidade de 5,2% entre os envolvidos em acidentes, enquanto atualmente, na covid-19 no Brasil, a taxa de letalidade entre os internados é 3,2% (Brasil, 2020a; CNT, 2020).
Poder transitar em segurança é um direito das pessoas e os órgãos públicos têm o dever de planejar e implementar medidas para garantir esse direito (Brasil, 1997). Refletir sobre a mobilidade humana implica discutir sobre o ambiente de trânsito, o qual é formado por aspectos relativos à interação entre comportamentos humanos, os veículos e as vias. Estes aspectos podem contribuir para o aumento ou diminuição dos fatores de risco, da exposição ao risco e no envolvimento em eventos traumáticos (Özkan & Lajunen, 2011).
Os trabalhos acerca do trânsito devem considerar os aspectos sociais e políticos incorporados às características da sociedade, analisando como é que as pessoas nele se comportam e dele participam (Vasconcelos, 2017). Nesse contexto, a mobilidade é entendida pelas formas como as pessoas se deslocam, como elas estão nesses deslocamentos e como participam deles (Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas [CREPOP], 2018). Para Macêdo (2010), questões inerentes ao deslocamento e à locomoção integram a noção de mobilidade humana, que pode inclusive, ser entendida sob a ótica da ausência e da não participação do homem nos espaços.
Conforme expressado por Günther (2010 p.151) “a mobilidade é um fator básico para o ser humano da mesma maneira como a procura de comida ou de sexo. Aliás, antecede tais motivações primárias, já que sem mobilidade não haveria acesso aos reforços primários”. Tendo um papel tão essencial na vida humana, a mobilidade atinge também o âmbito da saúde pública, que se preocupa em desenvolver estratégias para identificar, prevenir e tratar doenças e lesões na população. Dentre estas estratégias, estão presentes aquelas voltadas aos problemas de saúde decorrentes do trânsito e à promoção da saúde nesse ambiente (Sleet, Dellinger & Naumann, 2011).
Os sistemas de saúde em diversos países do mundo, atualmente, estão sobrecarregados devido à pandemia mundial de covid-19 (Cavallo, Donoho & Forman, 2020). O número de contágios aumenta a cada dia e o distanciamento social é uma das medidas de prevenção definidas pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2020a). É possível discutir, então, possíveis relações existentes entre mobilidade humana e covid-19. Um estudo realizado na Itália por Cartenì, Di Francesco e Martino (2020), investigou como hábitos de mobilidade influenciam no contágio de covid-19 entre as pessoas. Foram analisadas as taxas de mobilidade (deslocamentos de carros, bicicletas e pedestres) antes e durante o lockdown, os resultados demonstram que o número de casos de infecção pelo novo coronavírus em um dia está diretamente relacionado à mobilidade de 21 dias antes. Os autores do estudo sugerem que os hábitos de mobilidade são uma das variáveis que ajudam a explicar o número de pessoas infectadas.
Além da redução nas taxas de mobilidade, os impactos da pandemia podem trazer também mudanças na escolha do meio de transporte. A pesquisa de Bucsky (2020), em Budapeste na Hungria, apresenta indicadores de que há diminuição nos deslocamentos das pessoas, mas que a taxa de redução é diferente dependendo do meio de transporte utilizado. O maior declínio verificado foi na escolha pelo transporte público, que foi substituído pelo transporte individual, já o uso de bicicletas individuais, e também as compartilhadas, obteve menor índice de redução de uso. Os autores questionam sobre as possibilidades de essas mudanças serem temporárias ou se terão efeitos mais longínquos, sugerindo que os meios de transporte público podem precisar passar por transformações no modo de uso, para oferecerem menor risco de contaminação e conquistar novamente a confiança dos usuários.
A pandemia de covid-19 trouxe consequências muito graves, que podem ser avaliadas apenas em parte, mas também tem dado a oportunidade de revisar as escolhas e prioridades individuais e coletivas. O isolamento e distanciamento social têm permitido quantificar impactos ambientais e sinalizar a necessidade de se rever o trânsito também (Capolongo et al., 2020).
Quais os possíveis impactos que a pandemia pode trazer na mobilidade humana são indagações persistentes, já que, como afirmaram Kasperson et al. (1988), “vivemos numa sociedade do risco e de seu gerenciamento”. Comumente lidamos com riscos concomitantes e paralelos sem perceber. Nesse momento, existe um risco coletivo, explícito e anunciado: covid-19. No entanto, a vida continua acontecendo e se movendo, de modo que os riscos de contaminação pelo novo coronavírus se entrelaçam com aqueles inerentes à necessidade de circulação humana. A ideia de gerenciar risco é proveniente da compreensão do fenômeno e da consciência da necessidade de um enfrentamento adaptado.
A percepção de risco de infecção pode estar associada ao modo de transporte, incluindo transporte público e privado. Da psicologia do trânsito sabe-se que, ao usar meios privados de transporte (carro próprio, motocicleta, etc.), o controle percebido é muitas vezes julgado como maior comparativamente ao transporte público (Rundmo et al, 2011). Esse controle diz da segurança de ter simultaneamente mobilidade e a ideia de integridade garantidas. Todavia, nem sempre a opção por transporte individual é traduzida em segurança no trânsito. No contexto atual, o controle percebido poderia estar relacionado a considerar menor exposição ao contágio pelo novo coronavírus.
O desafio imposto, àqueles que trabalham com psicologia do trânsito, está em assegurar as demandas de segurança relacionadas à mobilidade e ao mesmo tempo zelar pela prevenção do contágio da covid-19.
Infelizmente, o que se poderia imaginar como efeito imediato das medidas preventivas de enfrentamento à pandemia, seria uma menor circulação de veículos com impacto positivo na ocorrência de eventos de trânsito e as mortes a eles associadas. Entretanto, notícias veiculadas pela mídia falam em redução em termos gerais, porém, há referência a ocorrência de eventos com maior gravidade e maior número de infrações de motoristas. Na Grécia e Arábia Saudita foi realizado um estudo com objetivo de quantificar o efeito da pandemia de covid-19 no comportamento de direção e na segurança no trânsito e identificar mudanças no comportamento de direção causadas por restrições da Covid-19. Foi demonstrado que os volumes de tráfego, reduzidos devido às medidas de limitação de circulação, levaram a um aumento nas velocidades de 6-11%; destacando-se as acelerações bruscas mais frequentes e eventos de frenagem bruscos (aumento de até 12%), bem como uso de telefone celular (aumento de até 42%) durante março e abril de 2020 (Katrakazas et al., 2020). Pesquisas recentes apresentadas por Vingilis et al. (2020) também descobriram que os jovens motoristas do sexo masculino estavam mais dispostos a ultrapassar o limite de velocidade e a frequência de tais excessos foi maior durante esse período da pandemia.
Como evitar que a escolha e uso de meios de transporte se constituam em fatores de risco com aumento da vulnerabilidade pela exposição a antigas e novas ameaças e possam se converter em fatores de proteção?
A OMS defende a priorização da bicicleta como meio de transporte durante a pandemia por garantir um maior distanciamento social, menos risco de contágio, podendo também ser considerado que proporciona um mínimo de atividade física (WHO, 2020c). De fato, o que tem sido divulgado no mundo é o incremento de bicicletas nas ruas e novos usuários desse meio de transporte. No Brasil, segundo dados da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Ghiraldelli, 2020, 31 de Julho), divulgados após uma pesquisa com mais de 40 empresas associadas à entidade, entre 15 de junho e 15 de julho do corrente ano, foi constatado que houve crescimento de 118% nas vendas de bicicletas, em comparação ao mesmo período do ano passado.
As organizações oficiais de saúde estabeleceram que a pandemia é um risco, uma ameaça objetiva à saúde pública (Dryhurst et al., 2020). Entretanto, apesar da aparente objetividade, todas as formas de avaliação de risco envolvem um grande componente de julgamento subjetivo, afetado por fatores sociais e culturais (Beck, 2010; Renn, 1988; Douglas & Wildavsky, 1982; Slovic et al, 1981).
Risco sempre fez parte da existência humana, sendo que seus conceitos trazem em comum a distinção entre realidade e possibilidade. É um fenômeno multidimensional, que se refere simultaneamente ao potencial de consequências reais, construção social e representação da realidade (Renn, 1998).
“A sociedade do risco é também a sociedade da ciência, da mídia e da informação” (Beck, 2010, p. 56). Ela tem uma concepção ampla de risco, qualitativa e complexa, que incorpora considerações como incerteza, medo, potencial catastrófico, controlabilidade, equidade, risco para gerações futuras, e assim por diante, na equação de risco (Slovic, 1987).
A percepção de risco é um esforço partilhado com outros para dar sentido ao mundo em que vivemos” (Lima, 1998, p. 20). Diz principalmente da compreensão da sociedade das ameaças que percebe relativas ao risco, estando influenciada por fatores pessoais e ambientais inter-relacionados como: experiências anteriores, crenças, atitudes atuais, nível de exposição e proximidade, ações governamentais para gestão do risco, etc. (Kuhnen, Bianchi & Alves, 2018).
Certos riscos sofrem mais ou menos amplificação ou atenuação, conforme explica a teoria da amplificação social do risco, envolvendo os estágios de transferência de informações sobre o risco e os mecanismos de resposta da sociedade. Contempla os processos de informação, as estruturas institucionais, os comportamentos dos grupos sociais e as respostas individuais, que conjuntamente moldam a experiência social do risco, e contribuem para as consequências do risco (Kasperson et al., 1988).
Além disso, segundo a Teoria da Homeostase do Risco, as pessoas comparam a quantidade de risco percebido com o nível de risco desejado, adaptando seu comportamento para equilibrá-los (Wilde, 1998). Para isso, analisam os benefícios e custos previstos da adoção de comportamentos de risco comparando com os benefícios e custos previstos de assumir comportamentos cautelosos (Payani, Hamid & Law, 2019).
Para formar suas percepções de risco, as pessoas são influenciadas em maior medida pela sua própria experiência dos perigos (familiaridade), por como elas percebem o risco e pela cobertura da mídia (Slovic, 1987). No entanto, no caso da Covid-19, a atual geração não vivenciou experiência semelhante, de modo que o fator familiaridade pouco se aplica, principalmente ao contexto brasileiro, onde algo semelhante, numa proporção distinta, só ocorreu na pandemia da gripe espanhola em 1918.
Por se tratar de uma doença e de uma situação novas, existem muitas lacunas de informação e muita incerteza. Com isso, é fundamental a comunicação com a sociedade através de uma interação de respeito, equilíbrio e de complementaridade entre ciência, governo e mídia. Diante do excesso de informações veiculadas em diversos canais de comunicação, autoridades mundiais, a exemplo da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), alertaram para o risco da infodemia. Esta consiste nessa sobrecarga de notícias muitas vezes incorretas ou parciais, acarretando prejuízos para a saúde humana pelo efeito dessa desinformação ou fake news na percepção da população sobre o que está vivendo (Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS], 2020).
O comportamento é fator importante a ser considerado em várias esferas da vida cotidiana. No trânsito é necessário interpretar o ambiente e a partir disso tomar decisões, cujas consequências extrapolam a esfera individual e afetam o outro, a comunidade (Kuhnen, Bianchi & Alves, 2018). A disseminação da covid-19 é influenciada pela disposição das pessoas em adotar comportamentos preventivos de saúde, comumente associados à percepção do risco público (Dryhurst et al., 2020).
Estudo de Dryhurst et al. (2020) avaliou a percepção de risco da Covid-19 em distintos continentes do mundo. Foram usadas amostras (N total = 6.991 respondentes) de dez países da Europa, América e Ásia, com coleta de dados realizada entre meados de março e meados de abril de 2020. Concluíram que a percepção das pessoas sobre o risco é maior naquelas com experiência direta com o vírus e nos que possuem visões de mundo mais pró-sociais.
Logo, diante da concorrência ou sobreposição de riscos (covid-19 e trânsito), aspectos como a familiaridade, controlabilidade, crenças, informações recebidas e modo do governo coordenar as ações podem definir as percepções de riscos e assim influenciar as escolhas individuais para enfrentamento das ameaças, tornando-as mais protetivas ou não.
Falar em Mobilidade, Trânsito e Saúde Pública é abordar aspectos de um mesmo fenômeno: vida humana. Com isso, o desafio que se coloca e nos inquieta é refletirmos sobre como fundamentar nossas abordagens e intervenções no sentido de garantir a mobilidade cotidiana com a devida segurança no trânsito, protegendo os usuários mais vulneráveis nesse espaço, como os muitos novos ciclistas que surgiram neste período de pandemia.
Andar de bicicleta ou caminhar, que se mostram como opções altamente indicadas e incrementadas nessa pandemia de covid-19, têm benefícios indiscutíveis para o bem-estar individual e coletivo, redução da poluição do ambiente, com menos emissão de CO2, além de se constituir num ganho importante diretamente relacionado à mudança do meio de transporte.
No entanto, para que as migrações de modo de transporte se conservem, é importante a ação do poder público em aproveitar a “janela de oportunidade” para incentivar a mudança no modo como a mobilidade acontece e promover a segurança no trânsito, seja pela implantação de novas ciclovias, pela diminuição da velocidade máxima permitida em vias urbanas ou pelo aumento da oferta de transporte público. Essa última estratégia ao mesmo tempo diminui os riscos de transmissão viral e aumenta a percepção de conforto dos possíveis usuários, tornando o transporte público uma opção mais conveniente e viável. Ademais, tornar o transporte público uma opção mais considerada pode ter o efeito de atrair parte dos usuários do transporte individual automotivo, promovendo assim cidades com menos problemas de engarrafamento ou poluição atmosférica e sonora e, além disso, menos mortos e feridos em função do trânsito.
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