#Cadernos_Técnicos_do_CRP-PR
– O Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da sua rede de atenção psicossocial e das unidades básicas de saúde, manterá programa de atenção à saúde mental para enfrentamento das afecções decorrentes da pandemia de covid-19 ou por ela potencializadas, priorizando, sempre que possível, o atendimento virtual, com o uso de recursos de telessaúde.
– Caberá à Comissão Intergestores Tripartite (CIT) definir as normas para a organização e o fluxo do atendimento do programa e os critérios de priorização do ingresso no programa, que deverão contemplar, obrigatoriamente, os profissionais de saúde que atuam diretamente na assistência aos pacientes com Covid-19.
– O SUS poderá firmar parcerias com órgãos da administração pública e com serviços privados para que atuem no programa de forma integrada à rede de atenção psicossocial.
– A duração do programa se dará por 730 dias (2 anos) após o fim da pandemia.
– A União destinará recursos para os fundos de saúde dos Estados, Distrito Federal e Municípios que aderirem ao programa, considerando os parâmetros e as normas estipulados pela CIT.
– Planos/Operadora de Planos de saúde prestarão serviço de atenção à saúde mental para enfrentamento das afecções decorrentes da pandemia de covid-19, priorizando, sempre que possível, o atendimento virtual, com o uso de recursos de telessaúde.
– A pandemia da covid-19 trouxe uma nova realidade para o cotidiano das pessoas com a adoção repentina do distanciamento social, que impede que mantenhamos relacionamentos – sejam profissionais, afetivos, entre outros – da maneira convencional.
– A pandemia produz impactos na saúde mental das pessoas – ao vivenciarem fortes pressões e incertezas nas dimensões econômicas, trabalhistas e sentimentais. Isso é potencializado pelo isolamento social, que pode impedir ou dificultar o apoio imediato da família, dos amigos e dos profissionais de saúde, como psiquiatras e psicólogos.
– Há grupos de risco para a prevalência de depressão, ansiedade e suicídio na população. Destaca o segmento de pessoas idosas, que são alvo de isolamento mais agressivo para prevenir a infecção pelo novo coronavírus. A atenção a tais indivíduos deve ser intensificada nesse momento.
– Instituir políticas de resposta aos efeitos deletérios à saúde mental, para mitigar problemas adicionais aos que são causados diretamente pela covid-19. Propõe que o Sistema Único de Saúde (SUS) adote programa específico para o acolhimento de pessoas que estão em sofrimento emocional em decorrência do isolamento.
O relator não observou inconformidades de constitucionalidade, de juridicidade, de técnica legislativa e de regimentalidade que impeçam a proposição de prosperar.
Sobre o mérito, considera pertinente a preocupação manifestada pelo autor, pois busca enfrentar o problema dos agravos e transtornos mentais decorrentes da pandemia de covid-19, que, sabidamente, estão ocorrendo em maior escala devido ao distanciamento social e ao temor causado pela possibilidade de infecção pelo vírus causador da doença. Também menciona o sofrimento de parcela significativa da população decorrente das preocupações com a sobrevivência, em um momento de agravamento da crise econômica.
Como o projeto previa alterar uma Lei 13.979/2020, que já não vige mais, propõe alterar o escopo da proposta legislativa. Além disso, propõe ampliar o projeto para todos os agravos à saúde mental decorrentes da Covid-19, e não apenas com relação ao isolamento social.
Ressalta que o SUS já dispõe de rede estrutura de atenção à saúde mental, capaz de responder a situação de agravamento dos problemas mentais na população em decorrência da pandemia. Desta forma, defende que o programa seja desenvolvido pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e pela atenção básica, com apoio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Compreende que a RAPS é capaz de promover ajustes e adaptações necessárias, adotando o teleatendimento como instrumento, por exemplo. Compreende que a definição de critérios deve ficar à cargo da CIT e avalia imprescindível que a União destine recursos para ampliação desses serviços.
Faz análise das emendas, concordando com a definição do programa por 2 anos, com a ampliação de atenção às emergências psiquiátricas e atendimentos virtuais. Concorda que os planos de saúde privados também devem ofertar serviços de atenção à saúde mental para as pessoas afetadas, nos moldes do que é preconizado para o SUS, apontando que a medida é benéfica para ampliar o acesso da população a esse tipo de serviço. Além disso, compreende importante priorizar atendimento a trabalhadoras(es) da saúde em linha de frente.
Discorda que o encaminhamento deva ser feito por psiquiatra ou psicólogo, por entender que não se deve criar obstáculos ao acesso da população. Também aponta que a articulação com os equipamentos e serviços do SUAS já está prevista nas ações da RAPS. Por fim, entende que o foco do projeto deve se ater aos agravos em saúde mental, e não contra todos os tipos de consequências da Covid-19 no âmbito da saúde.
Nestes termos, o relator apresenta um projeto de lei substitutivo.
De forma geral, enfatizamos a importância do fortalecimento do SUS, diante da possibilidade de projetos de regulamentação da lei que apontem para aporte financeiros para planos de saúde.
Além disso, compreendemos que a tramitação deste projeto deve estar atrelada ao debate mais geral de:
1) Ampliação do financiamento da RAPS e de seus dispositivos, que tem sofrido sucessivos cortes orçamentários em toda as esferas dos entes federativos, revelando um verdadeiro desmonte da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial;
2) Enfrentamento ao desmonte do arcabouço técnico e conceitual da RAPS pela via da revogação de atos normativos alinhados com a perspectiva antimanicomial da Reforma Psiquiátrica, como a iniciativa do “Revogaço” no apagar das luzes de 2020;
3) Descaracterização dos equipamentos da RAPS em uma perspectiva de ambulatorização de serviços, com atenção individualizada, pontual e episódica, com atendimento em lógica de atenção especializada em saúde – que depõe contra a perspectiva de multidisciplinaridade ou interdisciplinaridade do cuidado, realizados por poucos profissionais, tendencialmente potencializada pela adoção de estratégias de teleatendimento.
4) Desconsideração da atuação de profissionais como Agentes Comunitáriosde Saúde ou outras ofertas vinculadas a atenção primária em vez da atenção especializada, uma vez que o parecer não faz menção a intersetorialidade, no sentido de que esse cuidado também poder se dar vinculado às políticas de assistência social ou em equipamentos/dispositivos nem sempre vinculados à saúde, como o caso dos Centros de Convivência e programas de geração de renda a eles vinculados.
4) Rompimento com a lógica dos internamentos psiquiátricos como ordenadores do cuidado, pugnando por uma diminuição efetiva no financiamento das internações psiquiátricas ao passo que deve-se ampliar o financiamento às estratégias da RAPS.
5) Estratégia de reconstituição dos fluxos de pacientes nos serviços e equipamentos da RAPS, as estratégias de “porta aberta”, de ambiência, estratégias para garantir adesão, permanência, comunicação com o serviço e os técnicos de referência, locomoção até os serviços, bem como outras estratégias associadas ao SUAS etc.
6) Estratégias de enfrentamento à patologização da vida e do sofrimento decorrente da Covid-19. Diante da situação de alarde, excesso de informação, isolamento social, mudanças de rotina, aumento da quantidade de processos de enlutamento, é compreensível a elevação dos níveis de preocupação e ansiedade nos usuários. Causa preocupação a adoção de Programas que encerram em si o cuidado a determinados processos de vida que são muito mais amplos e gerais e que exigem a garantia de direitos em saúde, mas também educação, habitação e geração de renda.
7) Manejo de estratégias de redução de danos no contexto da pandemia da Covid-19, evitando a preconceituosa associação direta entre o consumo de substâncias psicoativas com agravos à saúde mental.
a. O “resumo” do parecer 58/01 inclui a redação: “para criar programa de atenção aos problemas de saúde mental ocorridos em virtude do período de distanciamento social” — é de se estranhar os problemas de saúde mental aqui tratados como decorrentes do isolamento social/distanciamento social,como se estas fossem as únicas sequelas ou questões relacionadas à saúde mental. Nesse sentido, desconsidera-se tanto o conceito mais ampliado de promoção à saúde, tal qual versa as normativas do SUS e definições da Organização Mundial de Saúde, quanto desconsidera-se os agravos decorrentes dos processos de luto e trauma, decorrentes da pandemia e que parecem superar a mera insígnia do “distanciamento social”.
b. No que diz respeito a análise do documento, o trecho citado: “Do ponto de vista do mérito, a preocupação manifestada pelo autor da proposição é pertinente, pois busca enfrentar o problema dos agravos e transtornos mentais decorrentes da pandemia de covid-19, que, sabidamente, estão ocorrendo em maior escala devido ao distanciamento social e ao temor causado pela possibilidade de infecção pelo vírus causador da doença, além de todo o sofrimento de parcela significativa da população decorrente das preocupações com a sobrevivência, em um momento de agravamento da crise econômica”, há algumas considerações importantes a serem feitas no que diz respeito às preocupações supracitadas com o distanciamento/isolamento social (como se essa fosse a questão maior), bem como cita perspectivas de sofrimento mental decorrentes do “temor causado pela infecção pelo virus”. Ressalta-se a preocupação de que os agravos à saúde mental sejam associados a algo como “mera paranoia” ou sejam minimizados em sua complexidade (quando tomamos os sintomas como o que precisa ser tratado, e não o que causa os sintomas). Nesse sentido, é possível inferir também sobre “penetração do discurso associado ao atual governo federal de que os impactos são associados ao fechamento do comércio e meras preocupações com a sobrevivência”, o que poderia, evidentemente, ser dirimido não com incrementos na área da saúde mental, mas com medidas concretas de distribuição de renda (auxílio emergencial, programa de renda básica, etc).
c. Ainda que o resumo do projeto mencione os agravos decorrentes do isolamento/distanciamento social, como citado, o texto integral, em sua análise, problematiza esse escopo ao mencionar: “no que tange ao teor do projeto, vislumbramos oportunidades de aperfeiçoamento da matéria. Cremos que o escopo do projeto deva ser todos os agravos ou transtornos mentais decorrentes da pandemia, e não somente os relacionados ao isolamento social”. Podemos daí entender que as oportunidades de aperfeiçoamento a matéria não se encerram nesta óbvia correção, mas também podem versar sobre em quais equipamentos ou dispositivos da RAPS essa oferta de cuidado poderá se dar. Há as menções de que os CAPS possam estar presentes em todos municípios (o trecho é este: “Assim, julgamos ser adequado determinar que o programa que se pretende instituir seja desenvolvido dentro da Rede de atenção Psicossocial (RAPS) e pelas unidades básicas de saúde do SUS – com o devido apoio dos centros de atenção psicossocial (CAPS) –, presente em todos os estados e municípios”) o que é um engodo, e não há nenhuma menção ao investimento em programas de saúde mental na atenção primária em saúde, o que parece ser o mais adequado para um programa/legislação desse mote,considerando a capilaridade da atenção primária no Brasil (essa sim, presente em todos municípios)”, bem como a capilaridade da pandemia da COVID-19. Só mencionar a RAPS e as Unidades Básicas de Saúde do SUS não dá conta da complexidade, primeiro porque o próprio Governo Federal já “derrubou” a nomenclatura Unidade Básica de Saúde com a nova ordenação da atenção primária em saúde mental; segundo porque não há menções aos programas de matriciamento em saúde mental, NASFs e, de fundamental importância, a Estratégia de Saúde da Família vinculada às UBSs.
d. No que nos couber “brigar” ou disputar pontos da redação do documento, parece que esse tópico da análise é o que melhor permite a delimitação de que investimentos, equipamentos e contratação de pessoal são essas: “Ademais, é imprescindível que a União destine recursos para a ampliação dos serviços, inclusive para a contratação de pessoal especializado e para a compra e instalação dos equipamentos necessários para o atendimento remoto”. Seria importante frisar que não são quaisquer os serviços a serem ampliados, mas sim aqueles que tem conotação direta ou indireta com a Reforma Psiquiátrica: mencionar CAPS e investimentos em Unidades de Saúde na atenção primária, bem como os tópicos supracitados sobre NASFs e ESFs é uma tentativa de que o documento não seja “um cheque em branco” para que o recurso seja destinado a hospitais psiquiátricos ou serviços ambulatoriais. Mesmo ponto de preocupação pode ser feito quanto a análise da redação das emendas, como esta: “Com relação à Emenda nº 2-Plen, concordamos que deva ser explicitado que o programa inclua o atendimento às urgências psiquiátricas. Com isso fica garantida a integralidade da atenção preconizada como um dos pilares do SUS”. Por urgências psiquiátricas, ou em nome delas, pode haver o financiamento robusto em hospitais psiquiátricos, clínicas e demais equipamentos do tipo.
e. Um dos pontos assertivos e interessantes da análise (pontos positivos) que pode ser destacado diz respeito a análise de que: “Já com relação à proposta contida na Emenda nº 4-Plen, de condicionar a entrada no programa à avaliação médica ou de psicólogo para que se comprove a correlação do quadro clínico com o isolamento social, cremos que não se deva criar obstáculos ao acesso da população, pelo que, somos contrários ao seu acatamento”. A este respeito talvez caiba a chave argumentativa de que tal perspectiva vá de encontro ao posicionamento do Conselho Federal de Psicologia contrário ao ato médico — nessa chave de que o SUS tem o acesso universal.
f. Com relação ao comentário decorrente da Emenda 8 “Entendemos que a Emenda nº 8-Plen, que visa a promover a integração com a área de assistência social, trata de tema que já está contemplado dentro da sistemática de atenção dentro da Rede de Atenção Psicossocial, sendo, portanto, desnecessário o seu acatamento”, parecemos estar diante de um erro crasso. Embora a perspectiva de equipamentos da assistência social vicejando no Plano Singular de Atendimento seja uma das premissas da RAPS, esta não considera os equipamentos da Política Nacional de Assistência Social em seus encaminhamentos diretos. Um CRAS não é um equipamento da RAPS, embora possa ser acionado como um dispositivo de cuidado. Além disso, a exclusão da Política Nacional de Assistência Social representa mais um dos muitos golpes ou desmontes direcionados ao setor.
g. Um outro comentário importante de ser destacado que coaduna com o posicionamento deste plenário em discussão conjunta com o CREFITO (quando da sugestão de criação de um ambulatório para pessoas com sofrimento mental decorrente da COVID-19 em SC) diz respeito ao ponto de análise aqui transcrito: “Da mesma forma, apesar de considerarmos meritória a proposta de se criar um programa no SUS para o atendimento de pessoas com sequelas decorrentes da covid-19, cremos que se deva manter o foco do presente projeto de lei na atenção à saúde mental”. Pode ser “outro ponto positivo” no sentido de endossar que “não precisamos inventar outra roda”, mas fazermos as engrenagens que temos (os equipamentos da RAPS com ênfase na atenção primária em saúde) funcionarem de forma adequada.
h. Sobre a redação do projeto de lei, há um ponto importante para o Conselho Federal de Psicologia se posicionar, no que diz respeito às deliberações que são direcionadas a Comissão Tripartite (o trecho é este: § 1o Caberá à Comissão Intergestores Tripartite definir:I – as normas para a organização e o fluxo do atendimento do programa previsto no caput; II – os critérios de priorização do ingresso no programa de que trata o caput, que deverão contemplar, obrigatoriamente, os profissionais de saúde que atuam diretamente na assistência aos pacientes com covid-19) cabe a preocupação com a garantia de direito a voz e voto que, a julgar pelas notícias que recebemos desde 2017 quando do reordenamento da RAPS, entidades importantes como o Conselho Nacional de Saúde não tem tido direito a voz e a voto como quando estávamos em “condições normais de temperatura e pressão” do Estado Democrático de Direito. A Comissão Tripartite deliberar é uma boa notícia no que diz respeito aos mecanismos democráticos, mas a cooptação desse órgão ou a minimização de sua potência no atual momento justifica a preocupação.
i. Por fim, de “todos cheques em branco” que podem haver explícitos ou implícitos ao documento, este ponto é de sensibilidade, uma vez que, embora a Lei 8.080 verse, desde a formulação do SUS, da composição de entidades privadas, é aqui que poderá residir o acoplamento massivo do setor privado abocanhando recursos públicos. A questão nem é tanto essa redação aqui exposta, mas a falta de delimitação de que os recursos devem privilegiar a RAPS, devem considerar também as Políticas Nacional de Assistência Social e programas de geração de renda/habitação popular como direitos importantes de serem assegurados nesse cenário, bem como a delimitação frágil quanto ao escopo da atenção primária em saúde. O trecho é este:§ 2º O SUS poderá firmar parcerias com órgãos da administração pública e com serviços privados para que atuem no programa a que se refere o caput, de forma complementar, nos termos do § 2º do art. 4º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e de forma integrada à rede de atenção psicossocial, na forma do regulamento.
Este documento foi elaborado em 23 de abril de 2021, pelo Psicólogo Altieres Edemar Frei (CRP 08/20211) – Assessoria Técnica em Pesquisas e Psicólogo Cesar Rosario Fernandes (CRP-08/16715) – Assessor Técnico em Políticas Públicas, técnicos do Conselho Regional de Psicologia do Paraná.