Sua vida foi dura, vó, mas você estava longe de ser mole. Conseguiu jorrar amor pelas frestas do concreto e possibilitar um mundo sem náuseas para uma menina preta que buscava sentido na vida. 

Djamila Ribeiro no livro Cartas para minha avó

Chegamos à 5ª edição da Cadernos de Psicologias comemorando mais um passo em direção à valoração da pluralidade dentro da própria psicologia.

Tendo a alacridade¹ como mirada epistemológica que dá ensejo a esta edição, lhes apresentamos a intelecpluralidade² das pessoas negras e psicólogas do Estado do Paraná. Desde a editoração, passando pelos textos apresentados e o designer de capa, contamos com pessoas negras como protagonistas.

Pois sim, nós existimos!
E nossa formação e atuação está ritmada e colorida pela cultura afro-brasileira!

Pedimos licença ao ancestral Abdias Nascimento para nos inspirarmos em sua sabedoria expressa em arte, oralidade, textualidade e Axé, firmando a produção das divulgações e capa pelas talentosas mãos de Alec Bineck Lessa. Uma revista feita a muitas mãos, mas que surge como fruto maduro colhido na dedicação do conselho editorial, e, principalmente do incansável e meticuloso trabalho da equipe técnica.

Firmamos um riscado com ponta de lança, que contou com o engajamento de toda a gestão do CRP-08, em especial das pessoas que compõem a Comissão Étnico-racial – CER, ressoando em seus tambores/corações a rítmica para chegarmos às produções textuais que vocês encontrarão nas próximas páginas.

Assim, nossa revista tornou-se espiral do tempo³ em que as pessoas negras, estudantes, professores, profissionais das políticas públicas, dos atendimentos clínicos, entre outros campos da Psicologia, grafaram em tinta suas observações, inquietação, experiências e demais estilhaços, musicalizando a palavra, gingando e dançando a sabedoria e os afetos, nessa grande roda que abrimos juntos.

Nessa mirada nos colocamos também a romper com formas monoculturais e, tal com Anense⁴ lança a cabaça com todo o conhecimento que ao estilhaçar-se espalha as sabedorias pelo mundo, agregamos a intelecpluralidade também no convite às pessoas profissionais de Psicologia do Paraná, para que se expressem por meio de outras formas, tornando o eixo Estilhaços passível de receber produções de conhecimento mais próximas da arte. O primeiro estilhaço que abre este convite vocês encontrarão em formato de QR code, basta apontar a câmera do seu celular para acessar.

 “Árvores que dançam” é um videoarte criado em 2021 como estudo para participação em evento nacional da AJB – Associação Junguiana do Brasil. Une declamação de uma parte do discurso de Nelson Mandela de 1994, fragmento de música de Inaicyra Falcão e escultura modelada em argila fria, apresentando a força e vitalidade que nos faz, pessoas negras, seguir para além do trauma. Para mim, foi emocionante acessar este lugar em que conhecimento conceitual e de vida torna-se arte. 

Uma apresentação que é também convite a todas as pessoas psicólogas do Paraná a adentrarem outras linguagens do conhecimento conosco, para acessarmos juntas as diversas faces da sabedoria que Ananse propagou.

Desejo que os saberes compartilhados nesta revista toquem corações e transformem vidas!

Boa vivência! 

Pamela C. Salles da Silva (CRP-08/20935), coordenadora do conselho editorial e conselheira do XV Plenário

Conselho Editorial – CadernoS de PsicologiaS nº5

¹Muniz Sodré define a alacridade/alegria profunda como um exemplo de força vital – Axé. Certa protodisposição afetiva, um certo estado de ser que quando acionado aumenta a si mesmo e caracteriza, por exemplo, a figura dos sábios contadores de histórias da tradição nagô. Do livro: Pensar Nagô, 2017

²Intelecpluralidade é um conceito definido pela Dra. Bárbara Carine como uma categoria decolonial pautada “na ruptura com o modelo único de intelectualidade imposto pela óptica brancocêntrica ocidental que prevê uma ritualística epistêmica e performática para a constituição do/da intelectual”. Do livro: Como ser um educador antirracista: Para familiares e professores, 2023, p.13.

³Conforme nos ensina Leda Maria Martins, “a ancestralidade é clivada por um tempo curvo, recorrente, anelado; um tempo espiralar, que retorna, restabelece e também transforma, e que em tudo incide”. Do livro: Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela (p. 52-53).

⁴Conto de tradição africana.