Revista CadernoS de PsicologiaS

Ofício DIR 1264-21

Curitiba, 26 de novembro de 2019
Ofício elaborado pela Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do CRP-PR enviado à gestão da Prefeitura de Ponta Grossa
À gestão Prefeitura de Ponta Grossa

#Cadernos_Técnicos_do_CRP-PR

Ilma. Senhora Prefeita Municipal,  

O Conselho Regional de Psicologia do Paraná é uma autarquia federal  de regulamentação do exercício profissional de Psicólogas e Psicólogos no  estado do Paraná, atuando em conformidade e legalmente respaldado pela Lei  Federal 5.766/1971. O Conselho tem a função regimental de desenvolver  atividades de fortalecimento dos mecanismos de controle social e de  democratização das Políticas Públicas, colocando-se como um agente na  construção e consolidação de uma sociedade verdadeiramente democrática.  

Acusamos o recebimento do Of. nº 551/2021 – GP – em resposta ao  Ofício CRP-PR DIR 0873-21, em que a Prefeitura de Ponta Grossa – através  da Gerência de Saúde Mental da Fundação Municipal de Saúde – apresenta  informações sobre iniciativa de “apoio psicológico, através de escuta  psicológica para queixas relacionadas a sobrecarga emocional dos servidores  municipais da área da saúde atuantes na linha de frente do combate à COVID-19. Com objetivo principal de manejar e minimizar o sofrimento vivenciado por  esses profissionais, no intuito de prevenir possíveis agravos futuros à sua saúde mental”.  

A Prefeitura de Ponta Grossa informa que se subsidia na “Nota  Orientativa às(aos) Psicólogas(os): Trabalho Voluntário e Publicidade em  Psicologia, diante do Coronavírus (COVID-19)” do Conselho Federal de  Psicologia. Mister informar que a nota se encontra vigente e deste ponto de  vista, as ações propostas pela Prefeitura de Ponta Grossa encontram guarida  nos termos deste documento. No entanto, gostaríamos de propor ao Poder Executivo uma reflexão situacional e crítica sobre o expediente do  atendimento voluntário como ordenador do acolhimento em saúde mental  no município de Ponta Grossa, mesmo em situação de crises como a da  pandemia da Covid-19.  

É importante ressaltar o contexto em que a Nota Orientativa do  Conselho Federal de Psicologia foi publicada, em 21 de março de 2020. O  momento de instalação da crise sanitária imposta pela pandemia da Covid-19  gerou para todo o conjunto da sociedade – poder público e população em geral  – desafios em uma monta jamais experenciada. O desconhecimento acerca do  modus operandi da pandemia ensejou na categoria de Psicólogas e Psicólogos  brasileiros um nobre senso de dever e responsabilidade coletiva pela  minoração dos graves efeitos subjetivos consequentes da pandemia. Diante  disso, diversos profissionais colocaram-se prontamente à disposição tanto da  população em geral quanto de gestores públicos, para o acolhimento das  demandas em saúde mental decorrentes do isolamento social, da experiência  de medo de contágio, com o enlutamento causado por tantas mortes e com a  angústia diante do futuro incerto. A Nota Orientativa é produto deste  contexto emergencial específico. 

Reconhecemos que a pandemia da Covid-19 persiste e não dá sinais de  arrefecimento, especialmente devido à condução desastrosa de Prefeituras,  Estado e Governo Federal na gestão desta crise sanitária. O negacionismo das  evidências científicas e a falta de iniciativa política em assumir estratégias  efetivas de contenção do contágio do vírus, associado à falta de condições  providas pelo Poder Executivo no que se refere ao isolamento/distanciamento  social e a transferência de renda (suplementar, inclusive, ao Auxílio  Emergencial), é o que impõe à população as determinações sociais de seu  adoecimento, no contexto da Covid-19.

No entanto, é fundamental frisar que a Organização Mundial da Saúde  (OMS) declarou que a pandemia da Covid-19 tinha caráter pandêmico em 11  de março de 2020. Apenas 10 dias depois o Conselho Federal de Psicologia  apresentou a Nota Orientativa, que já vai completar 15 meses. Neste sentido, causa estranheza o fato da Prefeitura de Ponta Grossa não ter  conseguido, após 15 meses, incorporar a demanda de acolhimento em  saúde mental a seus servidores e população em geral, na Rede de  Atenção Psicossocial (RAPS) disponível no município. À exemplo de  outros municípios, a RAPS tem sido acionada para contenção dos efeitos da  pandemia à saúde mental, através de seus equipamentos, como Unidades  Básicas de Saúde, Núcleos de Apoio à Saúde da Família, Centros de Atenção  Psicossocial, Unidades de Acolhimento e de Estabilização, Centros de  Convivência, Unidades hospitalares gerais com leitos psiquiátricos etc. A RAPS  é uma rede potente, que se bem articulada, capilarizada e com financiamento  adequado, tem plenas condições de absorver a demanda em saúde mental  consequente à pandemia.  

Além disso, a Atenção Básica em Saúde tem condições de apresentar  um contingenciamento de crises em saúde mental, o que tende a ser  potencializado pela combinação com políticas de transferência de renda e  proteção social. É preciso definir estratégias para esses acompanhamentos por  meio do fortalecimento das equipes mínimas de saúde mental e NASFs, outras  formas de apoio matricial e demais organogramas já construídos e ratificados  por portarias, conferências e, sobretudo, consenso acadêmico. Também é  fundamental ressaltar que o Brasil apresenta um dos maiores sistemas de  saúde universal do mundo, ancorado em extensa rede de atenção primária em  saúde, mas que apresenta – inclusive em Ponta Grossa – evidentes problemas  de financiamento, gestão, provisão de profissionais e estruturação dos serviços.

O CRP-PR compreende, neste sentido, que ao invés do trabalho  voluntário humanitário requerido pela Prefeitura de Ponta Grossa, o Poder  Executivo deve empenhar-se para minorar as diferenças sociais e a exclusão  social, desde sua causa até seus efeitos, essas sim produtora de agravos em  saúde mental. Todavia, o que se percebe é um desequilíbrio na expectativa  com o trabalho voluntário. Ao invés de buscar o engajamento com a  solidariedade pontual em uma situação de crise, o que nos parece é que a  Prefeitura de Ponta Grossa aciona ações particularizadas, em um modelo  assistencialista que tem repercussões graves para o estabelecimento e fortalecimento de políticas públicas de saúde, bem como para a  precarização do trabalho, o que é inaceitável. 

Este processo combina com a lamentável desresponsabilização do  Município em prover os direitos constitucionalmente garantidos, projetando  para a sociedade civil a responsabilidade em atuar de forma solidária, altruísta  e individual, quando na verdade, substituem o efetivo que deveria ser provido  justamente pelo Poder Público, através de seus próprios recursos.  

Este modo de gestão neoliberal da questão social compreende que ela  não é responsabilidade do Estado tampouco um direito do cidadão, e a torna  auto responsabilização dos indivíduos, o que não se pode aceitar. Neste  sentido, é preciso reunir forças institucionais – inclusive entre os gestores do  Poder Executivo – para que se manifestem em sentido contrário à austeridade  e aos ajustes fiscais que desidratam as políticas públicas, em especial  sintetizadas pela Emenda Constitucional 55 – tecnicamente inadequada e  socialmente injusta – de congelamento dos gastos no SUS, SUAS entre outros.  Aliás, os efeitos da gestão austera da crise econômica são observados neste momento de crise sanitária.

Em diálogo com a resposta institucional da Prefeitura de Ponta  Grossa, consideramos que as(os) profissionais são acionados em seu  dever ético para com a prestação de apoio psicológico em situações de  emergência – o que pontualmente, em uma situação de calamidade  pública, é justificado, mas à longo prazo pode servir ao interesse do  Poder Executivo em mascarar o estado precarizado em que se encontram  os sistemas públicos de políticas sociais no município.  

Por fim, no reconhecimento de que a pandemia teve um  desenvolvimento muito mais à longo prazo do que se esperava ao momento  em que a Nota Orientativa do CFP foi publicada (21 de março de 2020), o  CRP-PR sugere a leitura crítica do documento, contextualizada aos 15 meses  decorrentes da pandemia, pugnando que a Prefeitura assuma sua  responsabilidade na provisão de estratégias de cuidado em saúde mental junto  aos equipamentos da RAPS, com provisionamento de contratação pública para  efetivação de Psicólogas e Psicólogos ao quadro funcional da Fundação  Municipal de Saúde e Prefeitura Municipal de Ponta Grossa.  

Atenciosamente,

Como citar esse texto

APA – Ofício DIR/1264-21, de 11 de junho de 2021. Ofício elaborado pela Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do CRP-PR enviado à gestão da Prefeitura de Ponta Grossa. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/oficio-dir-1264-21.

ABNT – CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO PARANÁ. Ofício DIR/1264-21, de 11 de junho de 2021. Ofício elaborado pela Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do CRP-PR enviado à gestão da Prefeitura de Ponta Grossa. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 2, 2021. Disponível em: <https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/oficio-dir-1264-21>. Acesso em: __/__/____.