#Cadernos_Técnicos_do_CRP-PR
Ilma. Senhora Prefeita Municipal,
O Conselho Regional de Psicologia do Paraná é uma autarquia federal de regulamentação do exercício profissional de Psicólogas e Psicólogos no estado do Paraná, atuando em conformidade e legalmente respaldado pela Lei Federal 5.766/1971. O Conselho tem a função regimental de desenvolver atividades de fortalecimento dos mecanismos de controle social e de democratização das Políticas Públicas, colocando-se como um agente na construção e consolidação de uma sociedade verdadeiramente democrática.
Acusamos o recebimento do Of. nº 551/2021 – GP – em resposta ao Ofício CRP-PR DIR 0873-21, em que a Prefeitura de Ponta Grossa – através da Gerência de Saúde Mental da Fundação Municipal de Saúde – apresenta informações sobre iniciativa de “apoio psicológico, através de escuta psicológica para queixas relacionadas a sobrecarga emocional dos servidores municipais da área da saúde atuantes na linha de frente do combate à COVID-19. Com objetivo principal de manejar e minimizar o sofrimento vivenciado por esses profissionais, no intuito de prevenir possíveis agravos futuros à sua saúde mental”.
A Prefeitura de Ponta Grossa informa que se subsidia na “Nota Orientativa às(aos) Psicólogas(os): Trabalho Voluntário e Publicidade em Psicologia, diante do Coronavírus (COVID-19)” do Conselho Federal de Psicologia. Mister informar que a nota se encontra vigente e deste ponto de vista, as ações propostas pela Prefeitura de Ponta Grossa encontram guarida nos termos deste documento. No entanto, gostaríamos de propor ao Poder Executivo uma reflexão situacional e crítica sobre o expediente do atendimento voluntário como ordenador do acolhimento em saúde mental no município de Ponta Grossa, mesmo em situação de crises como a da pandemia da Covid-19.
É importante ressaltar o contexto em que a Nota Orientativa do Conselho Federal de Psicologia foi publicada, em 21 de março de 2020. O momento de instalação da crise sanitária imposta pela pandemia da Covid-19 gerou para todo o conjunto da sociedade – poder público e população em geral – desafios em uma monta jamais experenciada. O desconhecimento acerca do modus operandi da pandemia ensejou na categoria de Psicólogas e Psicólogos brasileiros um nobre senso de dever e responsabilidade coletiva pela minoração dos graves efeitos subjetivos consequentes da pandemia. Diante disso, diversos profissionais colocaram-se prontamente à disposição tanto da população em geral quanto de gestores públicos, para o acolhimento das demandas em saúde mental decorrentes do isolamento social, da experiência de medo de contágio, com o enlutamento causado por tantas mortes e com a angústia diante do futuro incerto. A Nota Orientativa é produto deste contexto emergencial específico.
Reconhecemos que a pandemia da Covid-19 persiste e não dá sinais de arrefecimento, especialmente devido à condução desastrosa de Prefeituras, Estado e Governo Federal na gestão desta crise sanitária. O negacionismo das evidências científicas e a falta de iniciativa política em assumir estratégias efetivas de contenção do contágio do vírus, associado à falta de condições providas pelo Poder Executivo no que se refere ao isolamento/distanciamento social e a transferência de renda (suplementar, inclusive, ao Auxílio Emergencial), é o que impõe à população as determinações sociais de seu adoecimento, no contexto da Covid-19.
No entanto, é fundamental frisar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a pandemia da Covid-19 tinha caráter pandêmico em 11 de março de 2020. Apenas 10 dias depois o Conselho Federal de Psicologia apresentou a Nota Orientativa, que já vai completar 15 meses. Neste sentido, causa estranheza o fato da Prefeitura de Ponta Grossa não ter conseguido, após 15 meses, incorporar a demanda de acolhimento em saúde mental a seus servidores e população em geral, na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) disponível no município. À exemplo de outros municípios, a RAPS tem sido acionada para contenção dos efeitos da pandemia à saúde mental, através de seus equipamentos, como Unidades Básicas de Saúde, Núcleos de Apoio à Saúde da Família, Centros de Atenção Psicossocial, Unidades de Acolhimento e de Estabilização, Centros de Convivência, Unidades hospitalares gerais com leitos psiquiátricos etc. A RAPS é uma rede potente, que se bem articulada, capilarizada e com financiamento adequado, tem plenas condições de absorver a demanda em saúde mental consequente à pandemia.
Além disso, a Atenção Básica em Saúde tem condições de apresentar um contingenciamento de crises em saúde mental, o que tende a ser potencializado pela combinação com políticas de transferência de renda e proteção social. É preciso definir estratégias para esses acompanhamentos por meio do fortalecimento das equipes mínimas de saúde mental e NASFs, outras formas de apoio matricial e demais organogramas já construídos e ratificados por portarias, conferências e, sobretudo, consenso acadêmico. Também é fundamental ressaltar que o Brasil apresenta um dos maiores sistemas de saúde universal do mundo, ancorado em extensa rede de atenção primária em saúde, mas que apresenta – inclusive em Ponta Grossa – evidentes problemas de financiamento, gestão, provisão de profissionais e estruturação dos serviços.
O CRP-PR compreende, neste sentido, que ao invés do trabalho voluntário humanitário requerido pela Prefeitura de Ponta Grossa, o Poder Executivo deve empenhar-se para minorar as diferenças sociais e a exclusão social, desde sua causa até seus efeitos, essas sim produtora de agravos em saúde mental. Todavia, o que se percebe é um desequilíbrio na expectativa com o trabalho voluntário. Ao invés de buscar o engajamento com a solidariedade pontual em uma situação de crise, o que nos parece é que a Prefeitura de Ponta Grossa aciona ações particularizadas, em um modelo assistencialista que tem repercussões graves para o estabelecimento e fortalecimento de políticas públicas de saúde, bem como para a precarização do trabalho, o que é inaceitável.
Este processo combina com a lamentável desresponsabilização do Município em prover os direitos constitucionalmente garantidos, projetando para a sociedade civil a responsabilidade em atuar de forma solidária, altruísta e individual, quando na verdade, substituem o efetivo que deveria ser provido justamente pelo Poder Público, através de seus próprios recursos.
Este modo de gestão neoliberal da questão social compreende que ela não é responsabilidade do Estado tampouco um direito do cidadão, e a torna auto responsabilização dos indivíduos, o que não se pode aceitar. Neste sentido, é preciso reunir forças institucionais – inclusive entre os gestores do Poder Executivo – para que se manifestem em sentido contrário à austeridade e aos ajustes fiscais que desidratam as políticas públicas, em especial sintetizadas pela Emenda Constitucional 55 – tecnicamente inadequada e socialmente injusta – de congelamento dos gastos no SUS, SUAS entre outros. Aliás, os efeitos da gestão austera da crise econômica são observados neste momento de crise sanitária.
Em diálogo com a resposta institucional da Prefeitura de Ponta Grossa, consideramos que as(os) profissionais são acionados em seu dever ético para com a prestação de apoio psicológico em situações de emergência – o que pontualmente, em uma situação de calamidade pública, é justificado, mas à longo prazo pode servir ao interesse do Poder Executivo em mascarar o estado precarizado em que se encontram os sistemas públicos de políticas sociais no município.
Por fim, no reconhecimento de que a pandemia teve um desenvolvimento muito mais à longo prazo do que se esperava ao momento em que a Nota Orientativa do CFP foi publicada (21 de março de 2020), o CRP-PR sugere a leitura crítica do documento, contextualizada aos 15 meses decorrentes da pandemia, pugnando que a Prefeitura assuma sua responsabilidade na provisão de estratégias de cuidado em saúde mental junto aos equipamentos da RAPS, com provisionamento de contratação pública para efetivação de Psicólogas e Psicólogos ao quadro funcional da Fundação Municipal de Saúde e Prefeitura Municipal de Ponta Grossa.
Atenciosamente,
APA – Ofício DIR/1264-21, de 11 de junho de 2021. Ofício elaborado pela Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do CRP-PR enviado à gestão da Prefeitura de Ponta Grossa. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/oficio-dir-1264-21.
ABNT – CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO PARANÁ. Ofício DIR/1264-21, de 11 de junho de 2021. Ofício elaborado pela Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do CRP-PR enviado à gestão da Prefeitura de Ponta Grossa. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 2, 2021. Disponível em: <https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/oficio-dir-1264-21>. Acesso em: __/__/____.