Revista CadernoS de PsicologiaS

Orientação aos serviços governamentais de Acolhimento Institucional à Criança e Adolescente em Curitiba-PR

Orientação elaborada pela Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) com contribuições da Assessoria em Pesquisas do CRP-PR enviada às(aos) Psicólogas(os) que atuam nos serviços governamentais de Acolhimento Institucional à Crianças e Adolescentes na cidade de Curitiba[1]

#Cadernos_Técnicos_do_CRP-PR

Considerando os questionamentos apresentados pelas(os) Psicólogas(os) que atuam nas Unidades de Acolhimento Institucional (UAIs) do município de Curitiba, nas reuniões e contatos com a Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do CRP-PR; e considerando também questões paralelas que apareceram nos contatos realizados por parte de outras(os) profissionais do município para com a COF (no que perpassa pela atuação da(o) Psicóloga(o) no Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e atendimento em saúde mental às crianças e adolescentes acolhidos nas UAIs), a COF, com contribuições da assessoria em pesquisas do CRP-PR, apresenta algumas orientações e reflexões:

 

1)  Reflexões sobre a atuação das(os) Psicólogas(os) nas Unidades de Acolhimento Institucional (UAIs) a partir de parâmetros apontados na literatura;

2) Atuação em rede e o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente: considerações sobre a atuação profissional da(o) Psicóloga(o) nas UAIs e nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi);

1) Reflexões sobre a atuação das(os) Psicólogas(os) nas UAIs a partir de parâmetros apontadas na literatura;

Considerando que o próprio Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é novo (existe desde 2004) e as normativas, referências técnicas e marcos legais de seus equipamentos estarem ainda em construção – e tendo em vista a interrupção de parte desse processo pelas vias democráticas, com a suspensão das Conferências Nacionais de Assistência Social – notamos a escassez de materiais orientativos em relação à atuação das(os) psicólogas(os), algo que vem sido, aos poucos, revertido com a produção de materiais. O CRP-PR também percebe que a ausência de diretrizes mais bem delineadas em relação à atuação das(os) Psicólogas(os) nas UAIs aumenta as dificuldades e desafios encontrados pelas(os) profissionais no desempenho das atividades e também traz impacto nas relações entre instituições (atuação em rede) e prestação de um trabalho interdisciplinar.

Por isso, vem sendo uma preocupação do CRP-PR a aproximação com as(os) Psicólogas(os) que atuam nesses espaços, tanto que o XIV plenário do CRP-PR definiu pela realização de uma ação estratégica nas UAIs vinculadas a Fundação de Ação Social (FAS), no município de Curitiba. Essa aproximação com as(os) profissionais das UAIs vem sendo também uma preocupação do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que por meio do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop), iniciou no fim de 2020 uma pesquisa para a construção das referências técnicas sobre a atuação de Psicólogas(os) nas Unidades de Acolhimento Institucional do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Em termos de orientação, esse será o documento mais contundente para orientar a categoria sobre a atuação nas unidades de acolhimento. O CRP-PR está contribuindo para o desenvolvimento das referências técnicas sobre a atuação de Psicólogas(os) nas Unidades de Acolhimento Institucional do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), por meio da sua assessoria em pesquisas, que realizou entrevistas com as(os) profissionais em dezembro de 2020 e enviou os dados dessas entrevistas ao Crepop em fevereiro de 2021. Os dados disponibilizados pelo CRP-PR e demais Conselhos Regionais de Psicologia serão tratados em conjunto por uma comissão de especialistas.[2]

Enquanto as Referências Técnicas estão em processo de construção, além das Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (BRASIL, 2009), que orienta o trabalho da equipe técnica da UAI, informamos que a Nota Técnica “Parâmetros para atuação das e dos profissionais de Psicologia no âmbito Sistema Único de Assistência Social (CFP, 2016 – Versão consolidada – Pós Primeira Etapa de Consulta Pública) compila as atribuições da(o) Psicóloga(o) na Proteção Social Especial de Assistência Social de Alta Complexidade. Conforme dispõe esse documento:

VII. Proteção Social Especial de Assistência Social – Alta Complexidade
109) A psicóloga e o psicólogo na Alta Complexidade tem como uma de suas atribuições proporcionar um espaço de escuta para os demais profissionais do acolhimento, auxiliando-os na compreensão das situações que se apresentam no cotidiano da instituição e propondo intervenções possíveis para os momentos mais críticos da atuação com os usuários. Através do seu conhecimento técnico pode participar da construção de rotinas que se adequem as características do público atendido bem como ao objetivo do serviço de acolhimento. Assim, pode contribuir para minimizar o adoecimento psíquico das equipes bem como para qualificar o atendimento ao usuário.
110) A psicóloga e o psicólogo, em sua atuação na Alta Complexidade, precisa articular a rede de serviços para garantir o atendimento aos usuários acolhidos. O trabalho em equipe multi e interdisciplinar possibilita espaços de interlocução com os profissionais das diversas áreas do saber, tornando-se essencial para a compreensão das complexidades que se apresentam. Nos momentos de troca com a rede de serviços e demais profissionais o psicólogo precisa ter claro as especificidades da sua atuação bem como os princípios éticos.
111) A psicóloga e o psicólogo deve trabalhar para o fortalecimento de vínculos entre os usuários dos serviços e entre esse e a comunidade, de forma tanto a facilitar atividades a serem promovidas no serviço como a frequência dos usuários a atividades externas.
112) A psicóloga e o psicólogo que atua na Proteção Social Especial de Alta Complexidade precisa considerar a condição de extrema vulnerabilidade, risco pessoal e rompimento de vínculos dos usuários atendidos no acolhimento institucional. Diante desses contextos que se repetem e do espaço coletivo de trabalho, o psicólogo deve preservar ainda o olhar sobre as particularidades da história de cada sujeito para propor intervenções que considerem a singularidade de cada acolhido.
A. Serviço de Acolhimento Institucional, modalidades: abrigo institucional, Casa-Lar, Casa de Passagem e Residência Inclusiva
113) Na relação com o acolhido, cabe à psicóloga e ao psicólogo a participação na construção e ações do PIA (Plano Individual de Acolhimento); permitir espaços para reflexão e compreensão do sujeito de direitos sobre as circunstâncias que o(a) levaram ao acolhimento e possibilidades de saída da situação de violência; acompanhar a adaptação à instituição e contribuir nas resoluções de dificuldades. Para isso, a psicóloga e o psicólogo deve se resguardar de julgamento moral e imposição de regras ao sujeito de direitos e seguir as determinações do Código de Ética Profissional do Psicólogo. 
114) A psicóloga e o psicólogo devem, como membros da equipe técnica, contribuir com a garantia de espaços de acolhida, formação e reflexão das educadoras e dos educadores do Serviço, a fim de que estes possam proporcionar um acolhimento que permita ao acolhido se sentir “pertencente” ao Serviço, compreendendo a especificidade do vínculo estabelecido em um acolhimento caracterizado pela sua transitoriedade. 
115) A psicóloga e o psicólogo devem trabalhar no intuito de fazer valer as escolhas da acolhida e do acolhido, refletindo com eles sobre suas consequências e sendo claro aos possíveis casos que não poderão ser respeitadas devido ao risco em que estes acolhidos se colocam. 
116) A psicóloga e o psicólogo construirão suas intervenções levando em conta a dinâmica institucional, as relações de poder estabelecidas e a necessidades e potencialidades de cada acolhido(a), intervindo nas relações de poder e na dinâmica institucional, empoderando coletiva e individualmente os acolhidos. 
117) A psicóloga e o psicólogo, integrantes das equipes de referência, devem planejar suas intervenções prevendo articulação junto ao Sistema de Garantia de Direitos e demais órgãos necessários em busca de garantir os direitos do acolhido e da acolhida. 
118) A psicóloga e o psicólogo podem chamar reuniões de estudo de caso para a maior compreensão da dinâmica familiar, assim como traçar intervenções que busquem reverter a situação de violência familiar ou outras vulnerabilidades, preferencialmente, em articulação com o serviço de PAEFI ou outros atores do sistema de garantias de direitos que acompanham o caso. 
119) A psicóloga e o psicólogo devem contribuir para a compreensão do fenômeno da violência na sua dinâmica social junto à instituição, aos demais trabalhadores e à rede de atendimento, favorecer uma leitura e intervenções que não criminalizem a pobreza e culpabilizem a família.

O serviço nas UAIs deverá ser organizado em consonância com os princípios, diretrizes e orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente (LEI Nº 8.069/1990) e das “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes” (BRASIL, 2009). Além disso, a Resolução nº 109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, e possibilitou a padronização em todo território nacional dos serviços de proteção social básica e especial, estabelece os conteúdos essenciais, público a ser atendido, propósito do serviço e os resultados esperados para a garantia dos direitos socioassistenciais no caso do serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. Também estabelece as provisões, aquisições, condições e formas de acesso, período de funcionamento, abrangência, a articulação em rede e o impacto esperado (BRASIL, 2014).

Embora ainda haja ausência de materiais mais contundentes propriamente em relação a atuação das(os) profissionais da Psicologia nas UAIs, conforme contextualizado acima, os materiais supracitados apontam para direcionamentos dessa prática. Dessa forma, a partir da leitura desses materiais, aponta-se que na atuação das(os) Psicólogas(os) nesse campo é fundamental a articulação da rede de serviços para garantir o atendimento as usuárias e usuários acolhidos e trabalhar para o fortalecimento de vínculos desses para com os serviços e com a comunidade. Aponta-se também que a(o) profissional deve participar na construção e ações do Plano Individual de Acolhimento (PIA) e permitir espaços para reflexão e compreensão do sujeito de direitos sobre as circunstâncias que a(o) levaram ao acolhimento e possibilidades de saída da situação de violência; e ainda,  acompanhar a adaptação dos(as) acolhidos(as) na instituição e contribuir nas resoluções de dificuldades. Um dos direcionamentos dessa prática, indicado no documento do CFP (CFP, 2016), se dá em relação as(aos) demais trabalhadores da UAI: contribuir com a existência de espaços de acolhida, formação e reflexão das educadoras(es) do Serviço e contribuir para a compreensão do fenômeno da violência na sua dinâmica social junto aos trabalhadores da UAI e da rede de atendimento.

Sendo a(o) Psicóloga(o) um(a) trabalhador(a) do SUAS, sua atuação deve ser alinhada às diretrizes da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e é necessário que a(o) Psicóloga(o) conheça aspectos da dimensão ético-política da Assistência Social e a relação da Psicologia com a Assistência Social. Deve também conhecer sobre a gestão do trabalho no Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A COF do CRP-PR ressalta que as(os) Psicólogas(os) vinculadas às UAIs não devem desempenhar funções que não são condizentes com a natureza do seu trabalho (apontados pelos direcionamentos contidos nos materiais de referência, conforme supracitado). Conforme estabelece o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP – Resolução CFP nº 10/2005):

Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional;

Dessa forma, ainda que as UAIs contem com uma equipe técnica composta por Psicóloga(o), não cabe a essa(e) profissional atuar de modo a suprir as fragilidades ou “tapar os buracos” da rede, mas sim articular e potencializar o trabalho em rede por meio da atuação multidisciplinar e interdisciplinar, atuação essa imprescindível para a garantia de direitos das crianças e adolescentes. Agindo de forma a suprir as fragilidades da rede (como por exemplo, quando são demandados a prestar um serviço no âmbito da Psicologia Clínica na própria UAI diante da falta de local para encaminhamento) estariam desenvolvendo uma prática não pautada no que é preconizado pelo Sistema de Garantia de Direitos. 

“O fato dos profissionais realizarem atividades de atendimento individual no SUAS não representa, em si, um problema, uma vez que possibilita que o profissional levante junto à família e/ou usuário as informações necessárias para o planejamento de suas ações” (RIBEIRO, 2013,p. 88). Por isso, o CRP-PR entende como imprescindível que as(os) profissionais da Psicologia contem com uma estrutura física adequada para o atendimento e escuta individual dos usuários e/ou suas famílias. No entanto, tal atendimento não deve ser confundido com a prática da psicoterapia. Deve permitir o estabelecimento de vínculo, acolhimento, o esclarecimento de dúvidas e auxiliar que a criança e/ou o adolescente sinta-se pertencente ao serviço. A prática pode possibilitar à(ao) Psicóloga(o) a compreensão da demanda e dar encaminhamentos a questões relacionadas à garantia de direitos como um todo (seja dentro ou externamente à UAI),  não devendo haver restrição das análises aos aspectos subjetivos e  ao sofrimento psíquico.

“Diferentemente da psicoterapia tradicional, essa clínica compromissada com o sujeito e com seu coletivo, que ressalta o caráter participativo de todas as pessoas envolvidas na intervenção, parece não ser incompatível com as normativas do SUAS e referências técnicas do CFP. Ela é, inclusive, defendida abertamente em alguns documentos, tal como naquele que visa orientar a atuação de psicólogas(os) no Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias (CFP, 2009)” (CORDEIRO, 2018, p. 177)

Tendo a responsabilidade ética de atuar de forma condizente ao previsto no CEPP, refletimos que a(o) Psicóloga(a) que atua nesse espaço é um(a) profissional de suma importância para assegurar o adequado cumprimento de algumas diretrizes contidas nas Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (BRASIL, 2009), tais como: fortalecimento de vínculos familiares e comunitários;  Respeito à Diversidade e Não-discriminação;  respeito à Autonomia da Criança, do Adolescente e Garantia de Liberdade de Crença e Religião. De acordo com o CEPP:

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
e) Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia.

Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;
c) Utilizar ou favorecer o uso de conhecimento e a utilização de práticas psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma de violência;

Em relação ao trabalho com as famílias, o CRP-PR reflete que as(os) Psicólogas(os) podem contribuir, por meio da sua prática profissional, com a construção de uma relação mais estreita entre instituição e família, auxiliando o processo de reintegração das crianças e adolescentes no meio familiar. Além disso, o contato com a família amplia o conhecimento das crianças e adolescentes por parte da instituição e permite a reconstrução de sua história (ARPINI, 2003).

A prática das(os) profissionais da psicologia na UAI e sua avaliação técnica deve fundamentar suas intervenções na instituição (junto as crianças e adolescentes e à equipe multiprofissional) e também respaldar os diálogos intra e intersetoriais. Além de considerar a condição de extrema vulnerabilidade, risco pessoal e rompimento de vínculos, ressaltamos a importância da(o) Psicóloga(o) considerar as particularidades da história de cada sujeito para propor intervenções que considerem a singularidade de cada acolhido (CFP, 2016). 

Foi observado que a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2014), traz uma série de objetivos e aquisições dos(as) usuários(as) do serviço de acolhimento institucional. A COF do CRP-PR reflete que as(os) psicólogas(os), por meio de suas intervenções que consideram a singularidade, poderão contribuir (e qualificar) o desempenho das atividades na UAI, visando o cumprimento adequado dos objetivos da equipe interdisciplinar em assegurar e promover os direitos das crianças e adolescentes. 

A(O) profissional da Psicologia na UAI, além de atuar em equipe multi e interdisciplinar, contribuindo para o desenvolvimento de práticas e processos de trabalho que respeitem os direitos das crianças e adolescentes acolhidos em nível institucional, devem planejar suas intervenções prevendo articulação junto ao Sistema de Garantia de Direitos e demais órgãos necessários em busca de garantir os direitos do acolhido e da acolhida. Dessa forma, pode atuar possibilitando a articulação com programas e projetos de formação para o trabalho e profissionalização e contribuir para que as(os) acolhidas tenham acesso a atividades, segundo suas necessidades, interesses e possibilidades, visando o desenvolvimento de habilidades de autogestão e independência. É imprescindível que a(o) Psicóloga(o) auxilie que o ambiente possua condições favoráveis ao processo de desenvolvimento peculiar da criança e do adolescente e que os(as)acolhidos(as) sejam ouvidos e expressem suas necessidades e interesses, tendo seus direitos de opinião e decisão respeitados. Pode também atuar na preparação para o desligamento do serviço. Esses são alguns direcionamentos da prática, contidos nos materiais supracitados (CFP, 2016; BRASIL, 2014).

É fundamental que essa(e) profissional, dentro das suas especificidades de atuação e princípios éticos, componha e promova o trabalho em rede, realizando interlocução com as(os) profissionais das diversas áreas do saber, o que é essencial para a compreensão das complexidades que se apresentam  (CFP, 2016) em relação as crianças e os adolescentes. É por isso que no seguinte tópico desenvolveremos sobre a atuação em rede e a garantia de direitos das crianças e adolescentes.

2) Atuação em rede e o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente: considerações sobre a atuação profissional da(o) Psicóloga(o) nas UAIs e nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi);

A introdução da “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente” no ordenamento jurídico brasileiro (a partir do artigo 227, da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA -Lei nº 8.069/1990), trouxe importantes mudanças na forma de compreender e atender demandas na área da infância e juventude no Brasil (DIGIÁCOMO, 2014). A promoção (ou efetivação) dos direitos  infanto-juvenis se dá por intermédio da elaboração e implementação da política de atendimento à criança e ao adolescente[4] (sobretudo, em âmbito municipal), o que apesar de ser uma tarefa primária dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, exige o engajamento de todos os órgãos públicos encarregados do atendimento direto de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias. É exatamente esse conjunto de órgãos, agentes, autoridades e entidades governamentais e não governamentais que se articulam e se organizam (tanto internamente quanto coletivamente) para promover a efetivação de todos os direitos infanto-juvenis, atender e solucionar casos em que estes são ameaçados/violados e assegurar a instituição e correto funcionamento de uma “rede de proteção” interinstitucional ampla e funcional, que se convencionou chamar de “Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente” (DIGIÁCOMO, 2014). É por meio da atuação integrada, multidisciplinar e sistêmica que a Doutrina da Proteção Integral é possível de se tornar efetiva, exigindo ações coordenadas entre diversos setores. Essa doutrina ampliou a complexidade da organização e distribuição das diversas competências institucionais, disciplinares e profissionais envolvidas e busca evitar os entraves da segmentação, exigindo a atuação em rede.

O trabalho em rede é um caminho para o alcance da atenção integral ou a integralidade da atenção, um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), que possibilita a produção do cuidado da atenção primária até o mais complexo nível de atenção, exigindo ainda a interação com os demais sistemas de garantia de direitos, proteção e defesa de crianças e adolescentes. O CRP-PR compreende que o cuidado em saúde mental em relação às crianças e adolescentes acolhidos nas UAIs exige um trabalho interprofissional e requer a articulação intrassetorial e intersetorial entre os profissionais da UAI e os profissionais da rede de saúde, de forma a integrar as políticas de saúde e assistência social e proporcionar a integralidade do cuidado e garantia de direitos às crianças e adolescentes acolhidos. 

 No campo da saúde mental, o Art. 2º do Anexo V da Portaria de Consolidação nº 3, de 28 de setembro de 2017(Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art. 2º) dispõe que a atenção em saúde mental deve ser feita dentro de uma rede de cuidados. Ressaltamos os seguintes trechos dessa legislação:

Art. 2º Constituem-se diretrizes para o funcionamento da Rede de Atenção Psicossocial: (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art. 2º)
(…)
IV – garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art. 2º, IV)
V – atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art. 2º, V) (grifo nosso)
VI – diversificação das estratégias de cuidado; (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art. 2º, VI)
X – organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado. (Origem: PRT MS/GM 3088/2011, Art. 2º, X)

Chegou ao conhecimento da COF do CRP-PR que haveriam situações em que as UAIs estariam solicitando ao CAPSi acolhimentos e atendimentos para questões pontuais da adolescência, que não competiriam as atribuições do CAPSi; e que diante da avaliação de não inserção dessas(es) adolescentes para tratamento em saúde mental na instituição, estariam ocorrendo situações de  judicialização. Diante dessas informações, orientamos sobre a importância do diálogo entre as(os) profissionais de ambas as instituições a fim de realizar um diagnóstico adequado da situação, para assim ser possível o planejamento de ações intersetoriais visando sanar as dificuldades que pode estar ocasionando  condutas prejudiciais em relação a garantia de direitos às crianças e adolescentes. É fundamental que as(os) profissionais da Psicologia – seja na atuação no CAPSi ou na UAI, atuem de modo a contribuir com a construção de um trabalho em rede que propicie a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Nesse sentido, os espaços de interlocução são fundamentais para a compreensão das complexidades que se apresentam, para que assim seja possível a busca de estratégias mais acertadas, que considere a realidade da criança e do adolescente a partir da observação das(os) profissionais de diferentes campos de atuação e áreas do saber.

As questões mencionadas parecem revelar dificuldades na articulação entre equipes e estabelecimento de fluxos de atendimento de crianças e adolescentes, segundo suas demandas e necessidades. Nesse sentido, a COF do CRP-PR coloca alguns questionamentos no intuito de que sirvam como pontos de reflexão para as(os) profissionais do CAPSi e profissionais da UAI a fim de que respostas sejam buscadas na troca de informações e no desenvolvimento de ações conjuntas, com a perspectiva de um atendimento adequado às necessidades das crianças e adolescentes do território. Nessa perspectiva, questionamos: está havendo um diálogo entre as(os) profissionais do CAPSi e da UAI? As(os) profissionais da UAI e demais profissionais da rede conhecem as atribuições do CAPSi? No acolhimento no CAPSi a(o) adolescente está acompanhada(o) por um(a) profissional da UAI que está capacitado a prestar informações que possam qualificar a avaliação sobre a inserção no serviço? As(os) profissionais da UAI tiveram tempo hábil para conhecer a(o) adolescente anteriormente a avaliação no CAPSi? Os encaminhamentos realizados pela UAI considera as particularidades de cada caso ou são um procedimento padrão? As(os) profissionais de ambas as instituições estão cientes em relação aos fluxos e sobre suas atribuições? Vem sendo realizada uma devolutiva qualificada aos responsáveis pelas crianças e adolescentes na UAI diante de uma inserção ou não inserção no CAPS i? Como é a compreensão dos profissionais da UAI diante da não inserção no CAPS e da(o) própria(o) adolescente nesse processo?

Outro ponto que nos pareceu importante foi o questionamento acerca de quais medidas estariam sendo tomadas a fim de assegurar o cuidado e proteção integral às crianças e adolescentes que passaram pelo acolhimento e avaliou-se que não havia critérios para inserção no CAPSi, mas necessitam de acompanhamento em saúde mental em outro nível de atenção. Há uma discussão e estabelecimento de fluxos de trabalho (e atores responsáveis pelas ações) nítido aos atores da rede acerca dessas situações a fim de assegurar um atendimento compatível as necessidades do(a) usuário(a)? São realizados encaminhamentos qualificados e discussões de caso que visam contribuir na organização das demandas de saúde mental do território e não deixar o(a) usuário(a) desassistido(a)?  Há diálogos interinstitucionais e construção de fluxos entre o CAPSi, UAI e a atenção básica[5]?

Mais uma questão que nos pareceu importante, seria a investigação das dificuldades encontradas pelas(os) profissionais das UAIs no cuidado e proteção às crianças e adolescentes acolhidos que possuem questões típicas da adolescência, questões de saúde mental, ou então, transtornos mentais graves. Tais dificuldades vêm ocasionando violações ou falhas no cuidado e proteção social às(aos) acolhidas(os) nas UAIs? Tais dificuldades estão relacionadas as solicitações por parte dessa instituição pela inserção das(os) adolescentes no CAPSi? Quais estratégias intersetoriais vêm sendo discutidas frente a tais dificuldades? Quais vêm sendo as ações por parte dos(as) gestores(as) e das(os) profissionais da rede (no que se refere a articulação entre as redes intrassetorial e intersetorial de saúde e de proteção social no território) visando à garantia de direitos e integralidade do cuidado?

A despeito do que foi comentado, parece importante destacar que as Unidades de Acolhimento Transitórias, UATs, conforme sua concepção por meio da Portaria 121/2012 do Ministério da Saúde (diferente das Unidades de Acolhimento Institucional, vinculadas à Proteção Social de Alta Complexidade) é um equipamento estratégico na Rede de Atenção Psicossocial e, quando instalado em um território vinculado ao Centro de Atenção Psicossocial, permite a estadia temporária de diferentes públicos (adultos ou infanto-juvenil, seja na modalidade de cuidado ao uso abusivo de álcool e outras drogas, seja na modalidade de cuidado de outros transtornos mentais), com o Plano Terapêutico Singular unificado entre CAPS e UAT. Considerando a perspectiva dos serviços prestados por esses equipamentos (UATs) e sua importância na Rede de Atenção Psicossocial, é de se considerar o que da discussão acima apresentada diz respeito só aos fluxos envolvendo o CAPSi e as Unidades de Acolhimento Institucionais, vinculadas ao SUAS (e a respectiva atrofia dos fóruns e demais espaços partilhados para discussão de casos) ou aponta também para um analisador ou um sintoma da incompletude da Rede de Atenção Psicossocial em Curitiba, município que, ressalta-se, não dispõe de nenhuma Unidade de Acolhimento Transitória, tal qual prevista na RAPS e com atribuições específicas descritas na portaria supracitada.

Ainda outro ponto que merece atenção refere-se a judicialização dos casos e a investigação do que vem levando os casos a serem judicializados. Diante da avaliação realizada pela(o) Psicóloga(o) ou equipe multidisciplinar no CAPSi  que resultou na não inserção da(o) adolescente, foi lhe assegurado um acompanhamento compatível às suas necessidades, em outro nível de atenção à saúde, conforme as necessidades apresentadas? Ou existiu uma desassistência?

A “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente” preocupa-se com a “’desjudicialização’ do atendimento à criança e ao adolescente, pois na forma da Lei nº 8.069/90 a intervenção da autoridade judiciária, a rigor, deveria ocorrer apenas em casos excepcionais, quando fosse negado o atendimento por parte do Poder Público[6] ou quando a própria lei estabelecesse tal exigência de maneira expressa.[7] Uma situação ainda comum, mas que não mais deveria existir é a banalização (e generalização) da “judicialização” do atendimento de crianças e adolescentes cujos direitos estão ameaçados ou já foram violados. Além de sobrecarregar a Justiça da Infância e da Juventude com casos individuais, esses deveriam ser enfrentados e solucionados de forma espontânea e por parte do Poder Público. A judicialização transforma o Juiz no “gestor” da “política de atendimento” à criança e ao adolescente e, de forma despropositada, “condiciona” o atendimento à intervenção judicial e à “aplicação de medidas” (DIGIÁCOMO, 2014). Dessa forma, as judicializações evidenciam as dificuldades das articulações intra e intersetoriais.

A intersetorialidade refere-se à articulação com outros serviços e políticas públicas no território para garantir o atendimento integral aos usuários. No entanto, muitas vezes ela é concebida pelos profissionais apenas como uma prática de encaminhamento e não apresenta uma articulação efetiva. Diante dos vários problemas que encontram no cotidiano do serviço, é comum que os encontros para articulação com a rede constituam-se mais uma troca de cobranças ou um jogo de empurra-empurra de responsabilidade do que uma construção de estratégias conjuntas (RIBEIRO, 2013).  “Para que uma articulação em rede se fortaleça, é essencial que os distintos atores das organizações envolvidas se integrem não somente para trocar experiências, mas principalmente para enfrentar problemas concretos e comuns, cuja solução não está ao alcance de um isoladamente” (BRASIL, 2010, p. 78). Nesse sentido, a COF do CRP-PR entende que em sua atuação em rede é fundamental que as(os) Psicólogas(os) estejam abertos ao diálogo e construção de estratégias e intervenções conjuntas entre os serviços.

Conforme dispõe o CEPP:

Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros profissionais, respeito, consideração e solidariedade, e, quando solicitado, colaborar com estes, salvo impedimento por motivo relevante;

Estar em rede significa estabelecer vínculos, como forma de construir um verdadeiro tecido social. Exige desburocratização dos contatos, dialética, fluxo de transferência de conhecimento e informações técnicas,  superação dos pré-conceitos e velhas práticas e capacidade de estabelecer objetivos claros, ações adequadas, responsáveis pelas tarefas e prazos.  Essa articulação política entre pares, para se estabelecer, exige: “reconhecer (que o outro existe e é importante); conhecer (o que o outro faz); colaborar (prestar ajuda quando necessário); cooperar (compartilhar saberes, ações e poderes) e associar-se (compartilhar objetivos e projetos)” (OLIVEIRA, 2001[8] apud BRASIL, 2010, p.78).  As discussões em rede que respeitam esses princípios podem possibilitar a organização dos fluxos de acordo com as demandas e necessidades específicas; a organização e articulação dos recursos nos diferentes serviços e níveis de atenção para garantir o acesso, o cuidado e a proteção; além de possibilitar a divisão de tarefas entre os profissionais e definição das funções, responsabilidades e competências de cada serviço de atenção na produção do cuidado e na proteção social. Essa forma de trabalho, fortalece a responsabilização dos serviços e o envolvimento dos(as) profissionais numa cadeia de produção do cuidado em saúde e de proteção social no território (BRASIL, 2010).

A COF do CRP-PR entende como imprescindível que as discussões para a articulação entre os profissionais do CAPSi e da UAI, seja balizada por dois importantes instrumentos no âmbito do SUS e do SUAS: o Plano Terapêutico Singular (PTS) e o Plano Individual de Atendimento (PIA), respectivamente, que devem ser discutidos em nível intersetorial, ainda que o refinamento de quais ações fazer em qual lugar caiba às respectivas equipes. Ambos os documentos, o PTS e o PIA, devem guiar as condutas das equipes em relação a pessoa atendida e visam garantir melhores resultados na efetivação dos seus direitos. Nesse sentido, orientamos que os mesmos sejam discutidos em nível intersetorial para a definição das estratégias adequadas conforme as necessidades apresentadas pela pessoa atendida.

Em que pese a importância da construção das Referências Técnicas sobre a atuação de Psicólogas(os) nas UAIs e seu auxílio à categoria, observamos algumas das dificuldades citadas pelas(os) profissionais do CAPSi e das UAIs  como um sintoma de uma rede com várias fragilidades (como a ausência ou insuficiência de espaços coletivos como fóruns de trabalhadores e reuniões de rede, para discussão compartilhada de casos; e com dificuldades na elaboração do PIA e PTS e na sua discussão e articulação em nível intra e intersetorial). Nesse sentido, o CRP-PR compreende a importância dos gestores dos estados e municípios organizarem as redes de cuidado e de proteção social no território, associadas a capacitação dos profissionais, formação continuada e definição de fluxos de atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias. Frente as questões colocadas, a COF do CRP-PR considera pertinente o debate sobre as relações intersetoriais presentes ou ausentes e as responsabilidades de cada ator deste coletivo no sentido de instituir práticas que favoreçam a constituição de redes intersetoriais mais eficazes no que se refere a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes no município. Sendo essas práticas a serem desenvolvidas também pelas(os) Psicólogas(os).

No compromisso do CRP-PR em orientar as(os) profissionais da Psicologia na construção de um trabalho em rede comprometido com a garantia de direitos das crianças e adolescentes, ressaltamos que a COF, com contribuições da assessoria em pesquisas do CRP-PR, buscou por meio dessa orientação, realizar reflexões a partir do levantamento de materiais que apontam diretrizes que possam dar respaldo/nortear a prática das(os) Psicólogas(os) nas UAIs e situar as(os) demais profissionais no que a ausência de orientações mais diretivas  nessa área possa estar impactando o  desenvolvimento do trabalho em rede e esteja gerando impactos negativos no cuidado aos usuários. No que refere-se a atuação das(os) Psicólogas(os) nos CAPS, recomendamos a leitura das Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) no CAPS (CFP, 2013). 

Frisamos que respeitando as diretrizes de atuação e os princípios éticos, a(o) Psicóloga(o) tem autonomia profissional para decidir pela forma de intervenção (ver Nota Técnica CRP-PR nº 005-2018, que orienta as(os) Psicólogas(os) sobre Autonomia Profissional). Dessa forma, as orientações não visam enrijecer a prática das(os) profissionais. A COF do CRP-PR entende que mesmo que haja diretrizes de atuação que devem ser respeitados e tentativa de delimitação das ações de cada profissional (importantes para a construção de fluxos), não podemos deixar de considerar a autonomia profissional e o movimento interventivo dialético, interdisciplinar e intersetorial durante o processo de trabalho das(os) Psicólogas(os) de ambos os âmbitos de atuação a fim de que a integralidade do cuidado e garantia de direitos se efetive. A atuação de cada profissional e serviço são essenciais para essa efetivação. Refletimos que a atuação das(os) Psicólogas(os), engajada em construir um trabalho em rede (seja em nível intersetorial entre as(os) Psicólogas(os) e/ou interdisciplinar com profissionais das demais categorias) pode minimizar os problemas e desafios encontrados nos âmbitos de atuação e auxiliar na redução da fragmentação do cuidado entre os serviços. 

Frente as informações sobre a dificuldade de diálogo entre CAPSi e UAIs (judicializações diante de diferenças na avaliação técnica, etc, – que podem ser lidas como “sintomas” ou “indícios” do estado atual do executivo em diferentes níveis, com a inexistência ou baixo volume de reuniões setoriais, fóruns entre trabalhadores e diálogo entre diferentes níveis secretariais),  lembramos que são os sujeitos atendidos e as intervenções para a sua garantia de direitos que devem ocupar o centro dessa rede.

Conforme dispõe o CEPP:

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.

IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.

V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão.

VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada.

VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código.

Cientes que as dificuldades aqui exemplificadas, para além de refletir uma questão particular do município de Curitiba tem ou pode ter ressonância com outras dinâmicas em curso, em nível estadual e federal, reiteramos nossa disponibilidade de construção conjunta com a categoria, tanto no que diz respeito às Referências Técnicas citadas, quanto no que diz respeito a iniciativas como estas e seus possíveis encaminhamentos. Informamos ainda que o CRP-PR está dando continuidade às ações referentes as UAIs, a partir de solicitações de documentos à Fundação de Ação Social (FAS) e analise dos mesmos, contatos com o Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-PR) e reuniões internas.

Notas

[1] Orientação similar, como o mesmo conteúdo, foi enviada à Psicóloga(o) que atua em Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPS i) no município.

[2] O processo de construção das Referências Técnicas – Rede CREPOP implica diversos ciclos: o primeiro deles de levantamento de marcos legais, depois ocorrem as entrevistas com os profissionais atuando nos equipamentos, e posteriormente os dados são tratados e analisados a luz das diferenças regionais e especificidades de cada Estado participante da pesquisa. Uma vez redigida a minuta de Referência Técnica, esta é apresentada novamente à apreciação da categoria para, então, ser melhorada se o caso e, enfim, publicada. Atualmente estamos na fase de análise dos dados, e a previsão é de que a consulta pública ao documento seja aberta em 2022 ou, na melhor das hipóteses, ainda no segundo semestre de 2021.

[3] Conselho Federal de Psicologia Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias: referências para a atuação do psicólogo / Conselho Federal de Psicologia. – Brasília: CFP, 2009. 92 p.

[4] Que, conforme disposto no art. 87, da Lei nº 8.069/90, engloba desde as políticas sociais básicas (como educação e saúde), que devem ter foco prioritário na criança e no adolescente, até a criação de programas e serviços destinados ao atendimento de demandas específicas e de elevada complexidade junto a este público, sem prejuízo da criação de mecanismos de prevenção (DIGIÁCOMO, 2014).

[5] Em respeito, ao princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, consagrado pelo art. 4º, caput e par. único, da Lei nº 8.069/90, como decorrência do art. 227, caput da Constituição Federal.

[6] O que pode dar margem à responsabilização dos gestores e agentes públicos omissos, em toda amplitude preconizada pelos arts. 5º, 208 e 216, da Lei nº 8.069/90 e arts. 28 e 29, da Lei nº 12.594/2012.

[7] Como é o caso do afastamento de criança/adolescente de sua família de origem ou quando da imposição de medidas socioeducativas a adolescentes autores de ato infracional.

[8] OLIVEIRA, F. Redes: o desafio da democratização dos saberes e poderes, limites e possibilidades. In: Seminário combate à violência contra a mulher. 2001, Minas Gerais: Conselho Estadual da Mulher de MG, 2001.

[9] Os critérios são: residir na comarca do município onde se localiza o NUMAPE, ter renda de até três salários mínimos, não possuir valor superior a 150 mil em bens e estar em situação de violência doméstica.

[10] O familismo compreende que as intervenções do Estado devem sempre visar à preservação e ao cuidado da família, compreendendo essa a partir de bases que reforçam os papéis de gênero e, consequentemente, as desigualdades que os acompanham.

Referências

ARPINI, Dorian Mônica. Repensando a perspectiva institucional e a intervenção em abrigos para crianças e adolescentes. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 23, n. 1, p. 70-75,  2003 . Pode ser acessado em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932003000100010&lng=en&nrm=iso

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Pode ser acessado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília : Ministério da Saúde, 2010. Pode ser acessado em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_criancas_familias_violencias.pdf

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento social e combate à fome (MDS); Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda); Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Brasília, 2009. Pode ser acessado em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientacoes-tecnicas-servicos-de-alcolhimento.pdf

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistênciais (Reimpressão 2014). Brasília, 2014. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/tipificacao.pdf

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Nota técnica parâmetros para atuação das e dos profissionais de psicologia no âmbito sistema único de assistência social (SUAS). Versão Consolidada – Pós Primeira Etapa de Consulta Pública. Brasília: CFP, 2016. Pode ser acessado em: http://www2.cfp.org.br/consultapublica/2016/conpas/docs/notaTecnica.pdf

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) no CAPS – Centro de Atenção Psicossocial / Conselho Federal de Psicologia. – Brasília: CFP, 2013. Pode ser acessado em: http://crepop.pol.org.br/wp-content/uploads/2015/09/CREPOP_2013_CAPS.pdf

CORDEIRO, Mariana Prioli. A psicologia no SUAS: uma revisão de literatura. Arq. bras. psicol.,  Rio de Janeiro ,  v. 70, n. 3, p. 166-183,   2018 .   Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672018000300012&lng=pt&nrm=iso

DIGIÁCOMO, Murillo José. O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Paraná (MPPR). Pode ser acessado em: http://crianca.mppr.mp.br/pagina-1590.html

Nota Técnica CRP-PR nº 005-2018, que orienta as(os) Psicólogas(os) sobre Autonomia Profissional

Resolução CFP nº 10/2005 – Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo.

RIBEIRO, Maísa Elena. Psicologia no Sistema único de Assistência Social: reflexões críticas sobre ações e dilemas profissionais/ Maisa Elena Ribeiro – Campinas: PUC-Campinas, 2013. 120p. Pode ser acessado em: http://tede.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br:8080/jspui/bitstream/tede/322/1/Maisa%20Elena%20Ribeiro.pdf