Revista CadernoS de PsicologiaS

Orientações e reflexões sobre a prática de Psicólogas(os) que atuam nas Políticas Públicas

#Cadernos_técnicos_do_CRP-PR

O Conselho Regional de Psicologia do Paraná, autarquia dotada de personalidade jurídica de direito público, cujas funções são orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de Psicóloga(o) e zelar pela fiel observância dos princípios da ética e disciplina da classe, conforme a Lei nº 5766/1971, vem respeitosamente – por intermédio de sua Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) – contextualizar, orientar e promover reflexões sobre a atuação de Psicólogas(os) nas Políticas Públicas, a partir da legislação vigente, especialmente às que se referem à organização da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS). 

1 — Considerações iniciais: ética profissional e legislações que embasam a atuação profissional de Psicólogas(os) no âmbito das Políticas Públicas:

A atuação de profissionais da Psicologia no âmbito das Políticas Públicas está em constante construção e demanda, por parte das(os) envolvidas(os), reflexões passíveis de articulação entre as normativas do Sistema Conselhos de Psicologia e com as diretrizes de atuação específicas, tais como a Lei 8.080 de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, e a 8.742 de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, entre outras.

Sendo a(o) Psicóloga(o) um(a) trabalhador(a) das Políticas Públicas, é necessário que conheça aspectos da dimensão ético-política que envolvem este campo de atuação, entre eles o papel do Estado na garantia de políticas sociais e econômicas que garantam o acesso à saúde; tal como preconiza a Constituição Federal de 1988:

Seção II DA SAÚDE 

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. 

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: 

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; 

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; 

III – participação da comunidade.

Neste contexto, a compreensão de saúde mental não se restringe à mera contraposição com a saúde “física” ou “biológica”. É necessário ampliar a abrangência do conceito, pois o sofrimento psíquico é multideterminado, inerente e presente na vida de cada pessoa, adquirindo manifestações singulares em cada sujeito, não se vinculando necessariamente a doenças e/ou diagnósticos específicos. Esta visão promove abertura a inúmeras possibilidades de intervenção/atuação, pois efetiva uma mudança de paradigma em relação às expectativas e objetivos, pois o cuidado é focado na pessoa e não na doença. 

A fim de subsidiar a reflexão que se propõe, ressaltam-se alguns trechos do Código de Ética do Psicólogo (CEPP) – Resolução CFP 010/2005. Destaca-se, contudo, que o Código de Ética e as Legislações que norteiam o trabalho da(o) Psicóloga(o) não apresentam todas as respostas para os questionamentos sobre a atuação profissional, mas oferecem diretrizes que balizam a prestação de serviços psicológicos. 

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II. O psicólogo trabalhará visando a promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.
IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.
VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código.
Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
a) Conhecer, divulgar, cumprir e fazer cumprir este Código;
b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente;
c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional; (grifo nosso)
e) Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia;
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros profissionais, respeito, consideração e solidariedade, e, quando solicitado, colaborar com estes, salvo impedimento por motivo relevante;
k) Sugerir serviços de outros psicólogos, sempre que, por motivos justificáveis, não puderem ser continuados pelo profissional que os assumiu inicialmente, fornecendo ao seu substituto as informações necessárias à continuidade do trabalho;
l) Levar ao conhecimento das instâncias competentes o exercício ilegal ou irregular da profissão, transgressões a princípios e diretrizes deste Código ou da legislação profissional.
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
j) Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado;
k) Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação;
Art. 7º – O psicólogo poderá intervir na prestação de serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por outro profissional, nas seguintes situações:
a. A pedido do profissional responsável pelo serviço;
b. Em caso de emergência ou risco ao beneficiário ou usuário do serviço, quando dará imediata ciência ao profissional;
c. Quando informado expressamente, por qualquer uma das partes, da interrupção voluntária e definitiva do serviço;
d. Quando se tratar de trabalho multiprofissional e a intervenção fizer parte da metodologia adotada.

As Resoluções CFP nº 13/2007 e 003/2016, delimitam as atribuições da(o) profissional especialista em Psicologia da Saúde e Psicologia Social, norteadoras para o trabalho de Psicólogas(os) no SUS e no SUAS, respectivamente 1:

Psicóloga(o) especialista em Psicologia da saúde: atua em equipes multiprofissionais e interdisciplinares no campo da saúde, utilizando os princípios, técnicas e conhecimentos relacionados à produção de subjetividade para a análise, planejamento e intervenção nos processos saúde e doença, em diferentes estabelecimentos e contextos da rede de atenção à saúde. Considerando os contextos sociais e culturais nos quais se insere, estabelece estratégias de intervenção com populações e grupos específicos, contribuindo para a melhoria das condições de vida dos indivíduos, famílias e coletividades. Desenvolve ações de promoção da saúde, prevenção de doenças e vigilância em saúde junto a usuários, profissionais de saúde e ambiente institucional, colaborando em processos de negociação e fomento à participação social e de articulação de redes de atenção à saúde. Pode ainda desenvolver ações de gestão dos vários serviços de saúde e de formação de trabalhadores, dominando conhecimento sobre a reforma sanitária brasileira e as políticas de saúde no Brasil, a legislação e funcionamento do SUS, gestão do trabalho e Educação Permanente em Saúde, financiamento, avaliação e monitoramento de serviços de saúde, podendo exercer funções em instâncias municipais, estaduais ou nacional. 

Psicóloga(o) especialista em Psicologia Social: atua fundamentado na compreensão da dimensão subjetiva dos fenômenos sociais e coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos, com o objetivo de problematizar e propor ações no âmbito social. O psicólogo, nesse campo, desenvolve atividades em diferentes espaços institucionais e comunitários, no âmbito da Saúde, Educação, trabalho, lazer, meio ambiente, comunicação social, justiça, segurança e assistência social. Seu trabalho envolve proposições de políticas e ações relacionadas à comunidade em geral e aos movimentos sociais de grupos e ações relacionadas à comunidade em geral e aos movimentos sociais de grupos étnico-raciais, religiosos, de gênero, geracionais, de orientação sexual, de classes sociais e de outros segmentos socioculturais, com vistas à realização de projetos da área social e/ou definição de políticas públicas. Realiza estudo, pesquisa e supervisão sobre temas pertinentes à relação do indivíduo com a sociedade, com o intuito de promover a problematização e a construção de proposições que qualifiquem o trabalho e a formação no campo da Psicologia Social.

No desenvolvimento de seu exercício profissional, é imprescindível considerar a natureza do serviço proposto, para o qual a(o) profissional deve necessariamente estar qualificada(o); além das condições para que seu trabalho possa ser realizado de forma ética, garantindo assim o direito da(o) usuária(o) em obter um serviço de qualidade. Considera-se inadequado prestar qualquer tipo de serviço psicológico em espaços nos quais tais direitos não possam ser garantidos. É possível às(aos) profissionais recusarem-se a efetuar ações que firam os preceitos éticos da profissão, desde que fundamentem sua avaliação técnica em legislações vigentes.

Torna-se relevante, portanto, apontar algumas das legislações que regulamentam e tipificam o trabalho de cada equipamento tanto do âmbito do SUS, como do SUAS. Tipificações estas que descrevem os objetivos a serem alcançados, além da natureza específica do trabalho a ser desempenhado em cada equipamento:

  • Portaria Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011 – que institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). 
  • Portaria Nº 3.588, de 21 de dezembro de 2017 – que altera as Portarias de Consolidação nº 3 e nº 6, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a Rede de Atenção Psicossocial, e dá outras providências. 
  • NOB-RH/SUAS de dezembro de 2011 – Resolução 17 de 2011 do CNAS
  • Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais de 2014.

Ainda, compreende-se que tanto a Política de Assistência Social, a Política de Saúde, assim como a Psicologia possuem objetivos, diretrizes e legislações bem definidas, que devem ser respeitadas no escopo da prestação de serviços psicológicos nas Políticas Públicas. Elucidamos algumas destas referências, produzidas tanto por Órgãos governamentais quanto pelo Sistema Conselhos, através do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP); todas disponíveis on-line:

  • Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS – 2009 (Clique aqui);
  • Orientações Técnicas: sobre o PAIF – 2012 (Clique aqui)
  • Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS – 2011 (Clique aqui)
  • Orientações Técnicas: Serviço de acolhimento para crianças e adolescentes – 2009 (Clique aqui);
  • Manual de instruções para utilização de prontuário SUAS – 2014 (Clique aqui)
  • Conselho Federal de Psicologia: Referências Técnicas para atuação de Psicólogas(os) na Atenção Básica à Saúde – 2019 (Clique aqui);
  • Conselho Federal de Psicologia: Referências Técnicas para atuação de Psicólogas(os) em Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas – Edição revisada – 2019 (Clique aqui);
  • Conselho Federal de Psicologia: Saúde do Trabalhador no âmbito da Saúde Pública: referências para atuação da(o) Psicóloga(o) – 2019 (Clique aqui);
  • Conselho Federal de Psicologia: Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) no CAPS – Centro de Atenção Psicossocial – 2013 (Clique aqui);
  • Conselho Federal de Psicologia: Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) nos Centros de Referências Especializado de Assistência Social – CREAS – 2013 (Clique aqui);
  • Ministério da Saúde: Carteira de serviços da atenção primária à Saúde (CaSAPS) – 2020 (Clique aqui);
  • Ministério da Saúde: Cadernos de Atenção Básica, V.34 – 2013 (Clique aqui).

Considerando o exposto, espera-se que as(os) profissionais assegurem a entrega de um serviço eticamente compatível à demanda recebida. Para tanto, é necessário apropriar-se pessoal, teórico e tecnicamente do seu trabalho, além de identificar e compreender quais são suas atribuições dentro do que é preconizado como função do equipamento no âmbito das Políticas Públicas onde desempenha suas atividades. A partir desses constructos, que são facilitados por meio do constante aprimoramento e reflexão sobre a prática, a(o) Psicóloga(o) poderá organizar e propor intervenções de forma a garantir os direitos das(os) usuárias(os), a promoção de saúde e qualidade de vida, além da responsabilidade social e demais preceitos éticos da profissão. 

Ainda, faz-se necessário o desenvolvimento de um trabalho em rede, a construção de fluxos de trabalho bem estabelecidos, além da demarcação de responsabilidades e objetivos tanto para cada equipamento como para cada categoria profissional. Fluxos imprescindíveis de serem construídos e concretizados juntamente à Gestão das Políticas Públicas de cada município.

2 — O trabalho em rede e a definição de fluxos e processos de trabalho: 

A atuação nas Políticas Públicas exige a articulação da rede de serviços, através de ações intra e intersetoriais. Quando realizado de forma integrada, sistêmica, multi e interdisciplinar, o trabalho em rede é potencializado, possibilitando resultados efetivos como a garantia do alcance da atenção integral, a qualidade do atendimento às(aos) usuárias(os), o fortalecimento de vínculos entre usuárias(os), profissionais da saúde e comunidade, o acesso aos direitos, além de minimizar as condições de vulnerabilidade da população. 

O trabalho em equipe multi e interdisciplinar, intra e intersetorial, em alguns contextos, ainda é compreendido como mera prática de encaminhamento, cobranças ou repasse de responsabilidades. Contudo, é somente através da articulação das diversas áreas do saber que as complexidades da realidade social, histórica e política que se apresentam no território podem ser compreendidas, analisadas e diagnosticadas. 

A ação coordenada entre diversos setores, construída através do diálogo, troca de informações e busca ativa de estratégias e intervenções conjuntas entre os serviços, possibilita enfrentar problemas cuja solução não está ao alcance de um meio isoladamente. Somente a rede estruturada e agindo de forma articulada poderá cumprir com os objetivos das Políticas Públicas. Estar em rede significa estabelecer vínculos, como forma de construir um verdadeiro tecido social. Exige desburocratização dos contatos, dialética, fluxo de transferência de conhecimento e informações técnicas, superação dos pré-conceitos e práticas já estabelecidas, além da capacidade de estabelecer objetivos claros, ações adequadas, e responsáveis por tarefas e prazos. 

Para tanto, também é necessário reconhecer as limitações dentro do espaço no qual cada profissional atua. Torna-se imperativa a demarcação de fluxos e procedimentos de trabalho bem definidos e nítidos para todas(os) que compõem a rede. Entende-se como função de cada município a análise e desenho destes fluxos, a ser construída em conjunto com gestoras(es) e equipes de trabalhadoras(es), devendo envolver todas(os) as(os) atores da rede, a partir das particularidades, especificidades e recursos disponíveis em cada território. 

A noção de território possibilita às(aos) profissionais melhor compreensão das demandas, necessidades e urgências das pessoas; além de possibilitar a observação dos vínculos estabelecidos entre moradores, comunidade e equipamentos de saúde e assistência no local. Desta forma, é possível identificar e promover ações que considerem elementos como as potências e vulnerabilidades singulares de cada espaço. 

Com base nas legislações que tipificam a natureza e objetivos de cada política, bem como através do planejamento e organização da rede pública, é possível delimitar possibilidades de atuação, individual ou coletiva; bem como estabelecer fluxos de encaminhamentos entre os diversos setores, dividir tarefas, definir funções, responsabilidades e competências de cada serviço e categoria profissional. Esta forma de trabalho fortalece a responsabilização dos serviços e o envolvimento dos(as) profissionais numa cadeia de produção do cuidado em saúde e de proteção social. 

Importante ressaltar que a Atenção Básica deve ser compreendida como porta de entrada do SUS, assim como a Proteção Social Básica (PSB), através do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), é a porta de entrada do SUAS. É na atenção básica que se forma um conjunto de ações, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na autonomia das pessoas e nos determinantes/ condicionantes de saúde das coletividades. É no CRAS que se busca prevenir a ocorrência de situações de risco, antes que elas aconteçam, por meio do desenvolvimento da potencialidade e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, além da ampliação do acesso aos direitos da cidadania. 

As Equipes Multiprofissionais de Atenção Especializada em Saúde Mental (AMENT), alocadas em ambulatórios de Saúde Mental, são referência recente nos organogramas da RAPS. Com o objetivo de prestar atendimento integrado e multiprofissional, por meio da realização de consultas e psicoterapia, o equipamento presta-se a ampliar o acesso à assistência em saúde mental para pessoas de todas as faixas etárias, atendendo às necessidades de complexidade intermediária entre a Atenção Básica e os CAPS. Considerada como parte estratégica da atenção integral à pessoa com transtornos mentais moderados, e têm por objetivo trabalhar de forma integrada a outros pontos de atenção da RAPS e outras redes tanto do SUS como do SUAS.  Referências sobre o tema podem ser encontradas na Nota Técnica nº 11/2019 do Ministério da Saúde, que objetiva elucidar sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, disponível em: acesse a NT clicando aqui .

3 — O compartilhamento de informações em busca do melhor benefício da(o) usuária(o): 

O cuidado integral implica em refletir sobre as possibilidades e limites do que é compartilhado: um aspecto desafiador no trabalho multi e interdisciplinar, como o que ocorre nas Políticas Públicas. As trocas de informações e discussões de caso, tanto entre a equipe, quanto entre diversos setores, serviços e pontos da rede, demandam da(o) Psicóloga(o) posicionamento e reflexão quanto ao sigilo profissional, tornando-se um ponto de dúvida da categoria. 

O Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) determina:

Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:

f) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional;

g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneficiário;

h) Orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho;

Art. 6º– O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:

Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados e qualificados demandas que extrapolem seu campo de atuação;

Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.

Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.

Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo. 

Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.

Art. 12 – Nos documentos que embasam as atividades em equipe multiprofissional, o psicólogo registrará apenas as informações necessárias para o cumprimento dos objetivos do trabalho.

Ao apresentar e/ou receber informações a/de terceiros, assim como compartilhar informações com a equipe de trabalho, é necessário que a(o) profissional fundamente técnica e legalmente esta decisão, tendo como principal norteador a busca do menor prejuízo à(ao) usuária(o) do serviço. É necessário que a(o) Psicóloga(o), face à sua autonomia profissional, avalie quais são as informações estritamente necessárias a serem compartilhadas/encaminhadas, a quem encaminhá-las e como repassar a informação, tendo em vista o bom andamento do trabalho. 

Quando a quebra de sigilo é fundamentada tecnicamente, de modo coerente às diretrizes profissionais e demais normativas que traduzem a atuação nas Políticas Públicas, ela encontra guarida no Código de Ética Profissional da(o) Psicóloga(o). Contudo, reforçamos a imprescindível compreensão sobre as responsabilidades e competências de cada serviço e categoria profissional, bem como dos fluxos estabelecidos pelo município, acima mencionados. Orientamos que as(os) profissionais transmitam junto a rede as informações que avaliam tecnicamente pertinentes, que possam qualificar o trabalho de outros profissionais e instituições, a fim de promover medidas em benefício do(a) usuário(a) e bem como assegurados os seus direitos. 

Uma possibilidade de comunicação, para casos complexos e que exigem articulação de equipes e em situações nas quais há necessidade de ativação de outras instâncias, é através do Plano Terapêutico Singular (PTS) no âmbito do SUS e o Plano Individual de Atendimento (PIA) no âmbito do SUAS. Estes podem ser discutidos em nível intersetorial, para a definição das estratégias de intervenção adequadas conforme as necessidades apresentadas pela pessoa atendida; ainda que o refinamento de quais ações fazer em qual lugar caiba às respectivas equipes. Ambos os documentos auxiliam e guiam as equipes em suas condutas com a pessoa atendida e visam garantir melhores resultados nas estratégias definidas.  

Mesmo quando avaliado que não há necessidade de utilizar a ferramentas do PTS e PIA, orienta-se que as equipes juntamente com gestores dialoguem para estabelecer condutas que considerem a especificidade da situação, a partir da natureza do trabalho e instrumental de cada política, visando sempre o melhor benefício da(o) usuária(o). 

Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:

f) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional;

g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneficiário;

h) Orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho;

Art. 6º– O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:

Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados e qualificados demandas que extrapolem seu campo de atuação;

Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.

Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.

Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo. 

Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.

Art. 12 – Nos documentos que embasam as atividades em equipe multiprofissional, o psicólogo registrará apenas as informações necessárias para o cumprimento dos objetivos do trabalho.

4 — Autonomia profissional nas intervenções

As intervenções em saúde mental devem promover novas possibilidades de modificar e qualificar as condições e modos de vida das pessoas, orientando-se pela promoção de saúde e não se restringindo à cura de doenças e remissão de sintomas. Para tanto, é necessário olhar o sujeito em suas múltiplas dimensões, revendo expectativas em relação à cura. Desde que respeitando as legislações vigentes, a natureza do trabalho, as diretrizes de atuação e os princípios éticos, a(o) Psicóloga(o) tem autonomia profissional para decidir pela forma de intervenção que avaliar cabível (ver Nota Técnica CRP-PR nº 005-2018, que orienta as(os) Psicólogas(os) sobre Autonomia Profissional). 

É preciso reflexão e cautela para que as intervenções em Políticas Públicas não se transformem em regras rígidas, descontextualizadas da vida das(os) usuárias(os) e do território no qual elas(es) vivem. Interessante desmistificar a relação entre sofrimento e doença, pois existem pessoas que sofrem e não estão doentes (ou enfermas), e muitas podem estar gravemente doentes (e enfermas) e mesmo assim não sofrer.

Os atendimentos individuais não devem ser confundidos com a prática da psicoterapia/diagnóstica. O atendimento individual no contexto do SUAS, por exemplo, pode possibilitar que a(o) profissional levante junto à família e/ou usuária(o) as informações necessárias para o planejamento de ações que possibilitem o estabelecimento de vínculo, acolhimento, esclarecimento de dúvidas e pertencimento ao serviço. Compreendendo o ser humano como multideterminado, e atravessado por questões culturais, sociais e históricas; escutar aspectos subjetivos e o sofrimento psíquico de forma individual pode possibilitar às(aos) profissionais uma compreensão abrangente da demanda (individual e territorial), viabilizando encaminhamentos planejados e articulados com toda a rede de Políticas Públicas.  

Toda pessoa tem uma vida passada, memórias, aprendizagem e experiências; uma “vida futura” em que deposita seus sonhos, expectativas e crenças que influenciam a vida presente; uma vida familiar, papéis estabelecidos, identidade constituída a partir dessa história; tem um mundo cultural que influencia a saúde, a produção de doenças, define valores, relações de hierarquia, noções de normal e patológico, atitudes consideradas adequadas frente aos problemas da vida e que propiciam isolamento ou conexão com o mundo; tem relações de poder, afeto, sexualidade, amores, amizades, prazeres, interesses, autocuidado, lazer, entre outras incontáveis esferas que se correlacionam e fazem parte de como a pessoa se relaciona com o mundo. 

Através dessa visão integral e do seu conhecimento técnico, a(o) Psicóloga(o) pode participar da construção de rotinas que se adequem às características do público atendido bem como ao objetivo do serviço prestado. Cabe a estas(es) profissionais um olhar sobre as particularidades da história de cada sujeito em conjunto com a dinâmica institucional, as relações de poder estabelecidas e as necessidades e potencialidades de cada situação. Desta forma poderá propor intervenções que considerem tanto a singularidade de cada pessoa atendida, como as relações de poder e dinâmica institucional; empoderando coletiva e individualmente as(os) usuárias(os) do serviço. 

Nessa direção, buscando por meio da sua atuação favorecer a integralidade do cuidado, é imprescindível que as(os) psicólogas(os) mantenham uma escuta sensível às necessidades apontadas pelo(a) usuário(a), não se limitando apenas às queixas e sofrimento apresentado pela pessoa e sua família, mas identificando aspectos que permeiam ou agravam a situação como forma de tratamento e prevenção. Sendo possível, a partir disso, a articulação ou tessitura de uma rede de cuidados que abranja as necessidades da(o) usuária(o) do serviço. Ao focar apenas no sofrimento, corre-se o risco, enquanto profissional da saúde, de negligenciar as dimensões da pessoa que são fontes de criatividade e potencialidades.

Ressaltando a autonomia profissional, entende-se que a conduta ética da(o) Psicóloga(o) se espraia em todos os campos de atuação da profissão, do gesto clínico às discussões colegiadas de casos, passando também pelo trato com a escrita para que os cuidados pertinentes ao sigilo, ao manejo técnico e às informações de praxe sejam, também aí, atravessados por esta afinação ética. 

5 — Considerações finais: encaminhamentos do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR):

Em atenção às demandas oriundas de profissionais da Psicologia que trabalham na Rede Pública, em grande parte dos casos, é possível identificar aspectos de uma rede com fragilidades, tais como: ausência ou insuficiência de espaços coletivos de discussão de casos e das características do trabalho (como fóruns de trabalhadores); dificuldades na elaboração e discussão em nível intra e intersetorial do PIA e PTS; desajustes no estabelecimento do trabalho em rede; debilidades no estabelecimento de fluxos de trabalho; confusão entre as(os) atores da rede em relação aos objetivos tanto de cada equipamento individual, bem como responsabilidades de cada categoria profissional; além de dificuldades na decisão de quais informações são necessárias de serem compartilhadas para o bom andamento do trabalho.  

Com o objetivo final de garantir à(aos) usuárias(os) a atenção integral e a garantia dos direitos – finalidade precípua das Políticas Públicas – a COF propõe que as(os) profissionais questionem quais medidas estão sendo tomadas a fim de assegurar o cuidado e proteção integral às(aos) usuárias(os)? Existe diálogo entre as(os) profissionais do SUS e do SUAS? As(os) profissionais que atuam nas Políticas Públicas conhecem as atribuições de cada equipamento? Existe um fluxo de trabalho nitidamente estabelecido entre os profissionais da rede? Existe um protocolo de classificação de risco já elaborado? As(os) profissionais inseridos nas Políticas Públicas estão cientes sobre suas atribuições e responsabilidades, bem como do equipamento no qual atuam? Os encaminhamentos intersetoriais consideram as particularidades de cada caso ou são um procedimento padrão? São realizados encaminhamentos qualificados e discussões de caso que visam contribuir na organização das demandas do território? 

Outro fator concerne às estratégias de formação continuada e atualização constante para as(os) profissionais. Quais ações o município oferece a fim de proporcionar a necessária qualificação para a atuação nas Políticas Públicas conforme preconiza os princípios éticos e legislação vigente? Existem espaços coletivos de discussão e construção de trabalho? Existem momentos de supervisão técnica? 

O CRP-PR enfatiza a importância do envolvimento dos gestores estaduais e municipais na organização da rede de cuidado e de proteção social no território, bem como na definição de fluxos de atenção integral à população a fim de instituir práticas que favoreçam a constituição de redes intersetoriais mais eficazes no município. 

Sendo essas práticas a serem desenvolvidas também pelas(os) Psicólogas(os), sugerimos enquanto possibilidades um conjunto de ações entre gestores e profissionais:

  • Espaços coletivos de discussão entre trabalhadores, que versem sobre questões referentes à natureza do trabalho, fluxos entre as equipes, possibilidades e limitações no compartilhamento de informações, elaboração do PIA e PTS, e principalmente do fortalecimento do trabalho em rede; 
  • Fórum de discussão e construção coletiva das Políticas Públicas articuladas com as discussões levantadas e baseadas nas demandas do território; 
  • Estabelecimento de fluxos de encaminhamentos nítidos, especialmente ao que se refere à “porta de entrada” da população e ao compartilhamento de informações; 
  • Reuniões de estudos de caso intra e intersetorial;
  • Oferta de qualificação profissional através do resgate de publicações e produções que norteiam as atividades neste escopo;  
  • Oferta de qualificação profissional sobre as legislações que regulamentam as Políticas Públicas no Brasil;
  • Supervisão técnica a fim de qualificar a fundamentação, análise e manejo técnico dos atendimentos em todos os níveis de atenção, e nas diferentes Políticas. 
  • Contato com equipes de outros municípios em busca de informações sobre suas construções e reflexões, e troca de experiência e conhecimento. 

Ainda, orientamos sobre a importância do trabalho em conjunto com o Escritório Regional da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho do Governo do Paraná (SEJUF), Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Assistência Social, além dos Conselhos Municipais e de Controle Social disponíveis na cidade em que a(o) Psicóloga(o) atua. 

A Comissão de Orientação e Fiscalização, comprometida com a Resolução CFP nº 010/2017 (que institui a política de Orientação e Fiscalização do Sistema Conselhos de Psicologia), busca desenvolver ações de orientação de modo a garantir elevado padrão de qualidade da profissão. Ao privilegiar ações planejadas e de alcance coletivo, em conjunto com a assessoria em pesquisas do CRP-PR, buscou-se por meio desse ofício fomentar reflexões que norteiam, direcionam e respaldam a prática das(os) Psicólogas(os) nas Políticas Públicas. 

Colocamo-nos à disposição pelo e-mail cof08@crppr.org.br

Atenciosamente, 

Notas

[1] Esta resolução, revogada em junho de 2022, será ‘substituída’ com as melhorias propostas pela resolução 003/2022, em vigência a partir de 16 de junho de 2022.

Como citar esse texto

APA – Conselho Regional de Psicologia do Paraná (2022). Orientações e reflexões sobre a prática de Psicólogas(os) que atuam nas Políticas Públicas. CadernoS de PsicologiaS, 3. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/orientacoes-e-reflexoes-sobre-a-pratica-de-psicologasos-que-atuam-nas-politicas-publicas/

ABNT – CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO PARANÁ. Orientações e reflexões sobre a prática de Psicólogas(os) que atuam nas Políticas Públicas. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 3, 2022. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/orientacoes-e-reflexoes-sobre-a-pratica-de-psicologasos-que-atuam-nas-politicas-publicas/. Acesso em: __/__/____.