Revista CadernoS de PsicologiaS

POEMA

Thayná Martinez Pascoal
Graduanda em Psicologia pela Unesp de Assis - E-mail: thayna.pascoal@unesp.br
#Estilhaços

Hoje, depois de muito tempo, me permito estilhaçar. 

Eu fui forte, eu precisei ser, era o único jeito de sobreviver 

Mas permito que feridas sejam expostas…. 

Rios e mares foram criados, os sabores se confundiram com sangue e lágrima e minha alma foi chicoteada em praça pública A plateia riu, se divertiu e será que sentiu? Minha dor como espetáculo alguém me advertiu 

Uma mulher preta deve ser forte, não há outra alternativa, não há escolhas, caminhos distintos. FORTE. Tudo que lhe resta é ser forte, como as mulheres pretas dessa família, sem escolha alguma, ao adentrar no mundo branco acadêmico, eu fui a única coisa que me disseram que eu poderia ser. FORTE. 

Me fiz presença, me fiz resistência, ocupei e tudo que a branquitude viu do meu ser foi força. Queria eu, que ao me espremer, isso tenha sido tudo o que conseguiram de mim, tiraram muito de mim e eu sigo exausta. Querendo parar, largar tudo e desistir. 

Tô tentando entender quando foi que a vida passou a ser tão espinhosa. Antes eu que tinha espinhos, hoje eu tô sempre machucada, com a pele rasgada. Por vezes me sinto triturada. 

Entro em uma busca frenética pra tentar descobrir onde foi que eu me perdi. O racismo conseguiu roubar tudo de mim? Eu de fato não quero mais sentir? Não quero mais tá aqui? 

Eu só tô cansada de ouvir, mais uma vez, que eu sobrevivi. Quem disse que eu queria? Quando foi que eu aceitei viver essa guerra? Quando foi que me chamaram pra ela? Nunca. Forte? Quem disse que eu queria essa força. Alguém, em algum momento me perguntou se eu queria dar tudo de mim? Você vai conseguir. A que custo? Quem disse que eu quero conseguir algo? 

Me sufoca pensar que o racismo fez do mundo minha zona de guerra. E fez da minha existência, uma vida de sobrevivência. 

Porque eu tenho que destruir e reconstruir o sistema que vocês criaram? Porque meu corpo tem que estar sempre disputando espaço? Porque eu tenho que aprender e buscar estratégias pra lidar com a postura de merda da branquitude? Porque sempre eu, se foi vocês que me fizeram o Outro? Eu quero que vocês se fodam. Do fundo do meu coração gigante que vocês conseguiram matar. Que se foda, racistas queimem. 

Já faz um tempo que tô tentando escrever sobre a vida. É que estudar sobre necropolítica me assusta. É que ver o alvo mirado nas costas dos meus me deixa nauseada. Me diz como falar sobre a zona do não ser vivendo nela?? Me diz como respirar vendo o risco iminente do fim do brilhantismo que floresce nas zonas áridas? 

To querendo pesquisar sobre necropolítica, mas não pra falar sobre morte. Pra falar da vida, da vida que burla a morte, que engana necropolítica, que sobrevive, resiste e brilha. Porque os

meus são brilhantes. Tão germinando e florescendo na seca, tão reflorestando zonas áridas Seis querem acabar com o planeta com essa violência desenfreada, os meus tão replantando e salvando esse mundo, é sobre isso e mais nada. 

Que todas as pessoas pretas VIVAM. 

Carta aberta à comunidade Unespiana 

Peço licença e a benção a todes que vieram antes de mim 

Começo falando com os meus, aos corpos não brancos que resistem no espaço universitário apesar das inúmeras violências experienciadas dentro e fora desse campus, falo sobre nossos sonhos que se chocam com esse espaço que nos grita palavras de ódio vestidas com silêncio. Falo com as feridas narcísicas que o racismo produz e que, por vezes, se demoram a curar, às vezes não saram nunca e que deixam cicatrizes profundas, como bem diz Grada. Mas também falo com essas existências resistentes, com os afetos, esperanças, e amores que nos guiam e nos salvam. 

A universidade é nossa por direito, que se caminhe para ser cada vez mais negra, tendo a certeza que nunca estaremos só. E que em conjunto é possível destruir e reconstruir essa academia que se estrutura numa lógica colonial, porque racismo é estrutural, como diz Luciane, “Sociedade é construção e o racismo é o cimento; componente estrutural, formador fundamental; do interior e do acabamento. […] Queremos desconstrução; Porque tentar sugar cimento; sem romper essa estrutura; É como pôr atadura em anos de adoecimento”. 

A articulação da população universitária negra e indígena pode ser compreendida como um aviso, os corpos não brancos que estão na universidade e que a branquitude, sempre que lhe é conveniente, finge não vê, cá estão, e que essa jornada há de ser digna, assegurada de direitos e o menos violenta possível. Porque o racismo é brutal, adoece, envenena e é CRIME. E lutaremos com todas as ferramentas disponíveis e criaremos novas ferramentas, se preciso, para que todo ato racista, seja cotidiano, estrutural ou institucional, seja punido. 

Em segundo momento, falo com a branquitude desta universidade. Aviso de antemão que ao terminar a leitura desse texto, espero que você se encontre completamente desconfortável, não me entenda mal, mas é que sua postura e omissão, além de tê-lo criado, anda alimentando esse sistema colonial. Como Jota Mombaça lindamente escreve, redistribuição da violência, todos os corpos são racializados, é dever da branquitude entender a posição que ocupa nessa sociedade racista, os discentes brancos devem se responsabilizar e se posicionar contra toda forma de racismo desse campus, os professores, funcionáries, e demais membres da comunidade branca devem entrar em contato com sua racialidade, romper com o pacto da branquitude que os compõem, se desfazer do mito de que seus corpos são o universal, não é responsabilidade apenas de amigue negre identificar e se posicionar em casos de racismo, pessoas violentadas precisam de acolhimento e cuidado. 

O espaço universitário reproduz e produz roupagens para o racismo, cria o silenciamento ao não compreender e não abordar com a devida seriedade a temática, deslegitima a violência sofrida pelos sujeitos não brancos, alimenta o epistemicídio, não pensa efetivamente políticas de permanência. Comunicamos, então, que essa universidade pública, construída com o dinheiro da classe trabalhadora, classe essa majoritariamente negra, será pressionada a pensar maneiras de construir um espaço acolhedor para todes os sujeitos e a lidar de modo responsável com o racismo no campus. 

Coletivo Psicoracializa [1]

Vinculado a Unesp de Assis 

Notas

[1] Formado por alunes pretes da psicologia da Unesp Assis, o coletivo tem como objetivo discutir as questões raciais dentro da psicologia, combater o epistemicídio entrando em contato com as produções de pessoas não brancas e produzir o aquilombamento entre discentes pretes que sobreviver e resistem no espaço universitário.

Como citar esse texto

ABNTPASCOAL, T. M. Poema. CadernoS de PsicologiaS, n. 5, 2023. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/poema/. Acesso em: __/__/_____

APA Pascoal, T. M. Poema. (2023). CadernoS de PsicologiaS, 5. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/poema/