Revista CadernoS de PsicologiaS

Projeto fortalecendo vínculos “Em casa” – uma estratégia de atendimento durante a pandemia

Adriely Maria Portes
CRAS - Prefeitura Municipal de Capitão Leônidas Marques – PR

Psicóloga (CRP-08/21191) - E-mail: adrielyportes@hotmail.com
Isabelly de Carli Boni
Prefeitura Municipal de Cascavel

Estagiária de Psicologia - E-mail:isabellyboni@hotmail.com

#Relatos_de_experiência

Resumo: O artigo versa a respeito da implementação do Projeto Fortalecendo Vínculos “Em Casa”, elaborado e executado através do CRAS de Capitão Leônidas Marques – PR durante a pandemia de coronavírus. O projeto foi realizado in loco junto às famílias – através de orientadores (as) sociais – e abrangeu cinco bairros e dois distritos do município. O principal objetivo foi instrumentalizar as famílias no  enfrentamento da pandemia, utilizando técnicas e atividades lúdicas que favorecessem a aquisição de repertórios de sociabilidade entre os membros familiares de modo a fortalecer os vínculos e prevenir a ruptura desses. Ressalta-se que a rede de proteção também foi mobilizada para realização dos atendimentos às famílias visando propiciar um olhar integrado para o contexto familiar, especialmente nesse momento de crise sanitária. Esse trabalho perdura até os dias atuais devido à sua efetividade e funcionalidade.

Palavras-chave: Assistência social, Projeto, Pandemia.

PROJECT STRENGTHENING BONDS “AT HOME” – A STRATEGY FOR ASSISTANCE DURING THE PANDEMIC

Abstract: The article discuss about the implementation of the Project Strengthening Bonds “At Home”, designed and executed through the CRAS of Capitão Leônidas Marques – PR while coronavirus pandemic in the year of 2020. The project was carried out in loco with the families – through social advisors – it covered five neighborhoods and two districts of the county. The main objective was to support families to face the pandemic, using techniques and playful activities that helps with the acquisition of repertoires of sociability among family members in order to strengthen bonds and prevent their rupture. It is worth noting that the entire protection network was mobilized to carry out assistance to families in order to provide an integrated look at the family context, especially at this time of health crisis. This work lasts until today due to its effectiveness and functionality.

Keywords: Social Assistance, Project, Pandemic.

PROYECTO DE FORTALECIMIENTO DE LAZOS “EN CASA” – UNA ESTRATEGIA DE ASISTENCIA DURANTE LA PANDEMIA

Resumen: El artículo trata sobre la implementación del Proyecto Fortalecimiento de Vínculos “En Casa”, elaborado y ejecutado a través del CRAS del Capitão Leônidas Marques – PR durante la pandemia de coronavirus. El proyecto se llevó a cabo in loco con las familias, a través de asesores sociales, y abarcó cinco barrios y dos distritos de la ciudad. El objetivo principal fue equipar a las familias para enfrentar la pandemia, utilizando técnicas y actividades lúdicas que favorecieran la adquisición de repertorios de sociabilidad entre los miembros de la familia con el fin de fortalecer los lazos y prevenir su ruptura. Es de destacar que la red de protección también se movilizó para realizar asistencia a las familias con el fin de brindar una mirada integral al contexto familiar, especialmente en este momento de crisis de salud. Este trabajo perdura hasta el día de hoy por su efectividad y funcionalidad.

Palabras clave: Asistencia Social, Proyecto, Pandemia.

Introdução

D

urante muito tempo a Política de Assistência Social era vista como isenta de consequências transformadoras e, além disso, sua concepção no país era interpretada como caridade e benesse (Silva & Corgozinho, 2011). Com a Constituição Federal de 1988, os aspectos dessa política foram modificados, alterando normas e regras, que marcaram historicamente o reconhecimento da política como direito do cidadão (Cruz & Guareschi, 2009). Assim, a Assistência Social foi regularizada como uma política pública devido à imprescindibilidade da eliminação da pobreza, da marginalidade e das desigualdades sociais (Costa & Cardoso, 2010). 

No ano de 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) foi instaurada, definindo que os serviços prestados pela assistência social são atividades continuadas que visam melhorar a vida da população e suas necessidades básicas (Costa & Cardoso, 2010). Ainda, outra premissa dessa política é o acesso a ela como garantia de direitos, por todos aqueles que dela necessitarem, sendo de responsabilidade do Estado administrá-la em seus mais diferentes níveis (Federal, Estadual, Municipal), ou seja, de forma descentralizada, garantindo a participação popular, tendo como referência a matricialidade sociofamiliar e considerando as demandas específicas, bem como as potencialidades de cada território (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2004). 

Com a elaboração da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a regulação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2004 e 2005, respectivamente, alguns avanços foram conquistados. A PNAS institui a Assistência Social como Proteção Social não contributiva, apontando para a realização de ações direcionadas para proteger os cidadãos contra riscos sociais inerentes aos ciclos de vida e para o atendimento de necessidades individuais e sociais, dando ênfase nos Serviços de Proteção Social que devem agir em um conjunto de seguranças que atuem nas questões de risco e vulnerabilidade social, de forma a reduzi-las ou preveni-las (Couto et al., 2014). 

Diante dessa necessidade, os Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) foram implementados no país para atender essa demanda, executando, dessa forma, o Serviço de Proteção Social Básica. Conforme a PNAS, o CRAS tem como objetivo a atuação com famílias e indivíduos na sua comunidade, dispondo de orientações acerca da interação sócio-familiar, instrumentalizando-as diante de suas dificuldades, assim como fortalecendo os vínculos familiares e comunitários (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009a). 

Para efetivar essa prática, o CRAS conta com o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), pois é através dele que se dá o acompanhamento sistemático às famílias, com intervenções focadas no fortalecimento da função protetiva e no desenvolvimento da autonomia familiar. Sendo assim, o PAIF se configura como um dos principais serviços de atendimento deste órgão (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2002). No acompanhamento familiar é necessário que as intervenções disponham de objetivos estabelecidos, que provoquem reflexões acerca da realidade em que a família está inserida, construindo novos projetos de vida e buscando ressignificar suas relações – sejam elas familiares ou nos territórios (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009b). 

Visando a complementaridade do PAIF, o CRAS também oferece os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) que trabalham em uma perspectiva grupal, considerando a faixa etária dos indivíduos, atendendo crianças, adolescentes, adultos (as) e idosos (as). Ainda, o SCFV objetiva o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, prevenindo possíveis rupturas, assim como prevê a troca de vivências entre os (as) participantes dos grupos, ampliando a percepção do senso de coletividade (Ministério da Cidadania. Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, 2015). 

A oferta desses serviços às famílias é uma possibilidade de apoiá-las diante de suas fragilidades e oferecer suporte através de intervenções técnicas, fazendo articulações com as demais políticas públicas com o intuito de assistir à população de maneira integrada. Porém, no início do ano de 2020 essas atividades precisaram ser interrompidas em razão da pandemia de coronavírus. Muito embora os atendimentos não tenham sido cessados, apenas reduzidos e reorganizados, as ações coletivas foram paralisadas e, com isso, as intervenções das equipes técnicas também precisaram ser readequadas a fim de que as famílias continuassem sendo assistidas. 

Com base nisso, o CRAS de Capitão Leônidas Marques – PR, através de sua equipe técnica e órgão gestor, formulou, em agosto de 2020, o Projeto Fortalecendo Vínculos “Em Casa” que é um trabalho complementar ao PAIF e ao SCFV desenvolvido in loco junto às famílias atendidas pelo CRAS e Proteção Social Especial. O projeto foi realizado através da contratação de orientadores (as) sociais devidamente capacitados (as) para exercer essa função. 

O principal objetivo foi instrumentalizar as famílias diante do enfrentamento da pandemia, utilizando técnicas e atividades lúdicas que favorecessem a aquisição de repertórios de sociabilidade entre os membros familiares de modo a fortalecer a função protetiva familiar e a tratativa em sociedade. 

   No que concerne a metodologia utilizada para o desenvolvimento deste artigo, ressalta-se que foi adotada a pesquisa participativa, que consistiu em disseminar a prática profissional realizada através desse projeto, bem como avaliar o processo de trabalho do CRAS de Capitão Leônidas Marques durante um período em que foi necessário desenvolver práticas inovadoras a fim de dar continuidade no atendimento da população.

Referencial Teórico

O indivíduo é um ser social que se desenvolve a partir de relações com os membros de sua comunidade e interação com o meio, constituindo sua personalidade e o repertório de seus comportamentos de acordo com a evolução e com as vivências do grupo ao qual está inserido. Porém, a sociedade não deve ser entendida como uniforme, tendo em vista suas diferentes classes, e, os seres humanos não podem ser igualados em sua personalidade, sendo assim deve-se considerar o caráter, natureza e distinções de classes que exercem influência sobre a formação de cada indivíduo (Vygotsky, 1930). 

Com base nessa premissa, o Projeto Fortalecendo Vínculos “Em Casa” buscou, através de recursos lúdicos, trabalhar a demanda específica trazida pela família, a fim de que sua subjetividade diante do problema fosse considerada e ressignificada. Embora as problemáticas que norteiam as vivências familiares pudessem ser as mesmas, a forma com que cada uma lida e enfrenta essas situações é diferenciada. Em função disso, para cada família foi produzido um planejamento de ações desenvolvido pelos (as) orientadores (as) sociais e equipe técnica do CRAS.

Através do desenvolvimento deste trabalho, observou-se que, além das fragilidades que perpassaram os contextos familiares diante da pandemia, como por exemplo: o desemprego, a fome, conflitos familiares, entre outros, existiram também implicações emocionais nocivas que foram desenvolvidas durante esse período, como: ansiedade, depressão, e outros acontecimentos que incidiram na saúde mental das pessoas ali atendidas, como bullying na escola, sentimento de rejeição em relação às figuras parentais, e afins, mas que antes do projeto essas questões não eram verbalizadas. Porém, as dinâmicas aplicadas favoreceram a fala, culminando na abertura para o diálogo em relação àquele evento estressor.

Sabe-se que a ludicidade é uma estratégia muito utilizada na Psicologia para facilitar o vínculo do profissional com a criança e com o adolescente. A criança, por exemplo, expressa suas ações por meio da brincadeira, tais ações são adquiridas através do modelo de comportamento de outrem. Portanto, na brincadeira desenvolve-se o comportamento consciente da criança e como ela se organiza. Pode-se dizer então que esse recurso é um caminho de tomada de consciência, culminando em uma ação consciente e voluntária (Smirnova & Riabkova, 2019). 

Durante as visitas domiciliares realizadas pelos (as) orientadores (as) sociais, uma das situações encontradas foi a de uma criança de 5 anos, aqui representada pela letra F., em que sua mãe J., relatou à orientadora social de referência que a filha apresentava rejeição em relação à sua raça. F. é uma menina negra e constantemente questionava a mãe o porquê de ser daquela cor, pois não gostava e queria ser branca como a irmã A. Além disso, reclamava que seu cabelo (crespo) era horrível. Essas falas estavam ocasionando sofrimento psíquico tanto à mãe, que estava com dificuldades para lidar com essa questão, e também para a criança. Posto isso, a orientadora social levou essa demanda para a psicóloga responsável e juntas elaboraram atividades para empoderá-la no que se refere a sua raça, de modo que essa se reconhecesse como uma menina negra e passasse a conviver de maneira salutar com essa característica. Uma das ações utilizadas foi assistir ao filme “Tiana – A Princesa e o Sapo” junto a F. e sua mãe J, que tem como personagem principal uma princesa negra e conta a história dessa. 

Após o filme e demais atividades correlatas, notou-se que F. não mais demonstrou rejeição pela sua raça, comportamento inclusive observado pela sua mãe J., que sinalizou essa melhora para a orientadora social. Pressupõe-se que o que foi trabalhado com F. pode ter desenvolvido nessa uma aceitação em relação a si mesma, bem como o reconhecimento de sua origem através do protagonismo da princesa Tiana. 

A consciência não se trata apenas do âmbito privado do saber e sua subjetividade, mas também da percepção do indivíduo em relação a si mesmo e da sociedade e de que forma suas ações impactam nessas esferas, apropriando-se de um saber a seu respeito e de sua realidade, culminando em sua própria identidade pessoal e social (Gibson, 1966 e Baron, 1980 apud Baró, 1996). Nesse sentido, pode ser que, no momento atual, F. não tenha desenvolvido ainda essa capacidade cognitiva de percepção, mas o que foi trabalhado com ela através da ludicidade, pode servir de “pano de fundo” para que no futuro ela obtenha essa consciência de si e do contexto em que está inserida, haja vista que na idade atual já lhe foram introduzidos alguns conceitos que podem vir a servir de suporte para compreensões futuras.

A conscientização do sujeito em relação a sua própria situação é imprescindível, além de uma reflexão crítica sobre esta realidade, uma vez que este processo pode auxiliar no desenvolvimento de ações que o libertem das suas condições de subalternos, buscando também na coletividade estes mecanismos de superação (Freire, 1979 apud Ribeiro & Guzzo, 2014). Nesse sentido, a intenção do projeto em trabalhar as demandas individuais que incidem no relacionamento familiar, bem como as problemáticas que resultam da vulnerabilidade relacional, se dá no sentido de potencializar a compreensão de si e do outro, dentro de um contexto em que é necessário conviver e se relacionar, desenvolvendo, através do lúdico, repertórios comportamentais que favoreçam essa interação para que no relacionamento com a comunidade esses comportamentos aprendidos também possam ser exercidos. 

Em consonância com esse viés, a respeito da validação do contexto social em que a família está inserida e a forma com que vivencia suas relações e problemáticas, têm-se os princípios previstos no SUAS, sendo esses: (1) a territorialização, que se refere à importância do território de referência como fator legitimador para entender as vivências de vulnerabilidade e riscos sociais, bem como a forma com que o sujeito se comporta diante disso; (2) a descentralização, entendida como a distribuição das responsabilidades entre as várias esferas do governo e (3) a intersetorialidade, que são as articulações entre os demais órgãos que compõem a rede de proteção e que estão ligados aos atendimentos direcionados às famílias objetivando propiciar a acessibilidade aos serviços. Esse conceito pressupõe que os serviços se compreendem como parceiros nas ações vislumbrando um objetivo em comum. A intersetorialidade abrange escolas, Estratégias Saúde da Família (ESF), habitação, cultura, entre outras áreas (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009b). 

Nessa toada, entende-se que cada território possui especificidades que poderão dimensionar as necessidades e as potencialidades das famílias que ali convivem. Desta forma, através do trabalho intersetorial em rede e no território é possível promover mudanças positivas na vida destas famílias (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2004). 

No que se refere à territorialização, com o projeto a equipe técnica descentralizou suas ações do CRAS optando pelo trabalho na própria casa dos usuários, contemplando seu território e analisando as conjunturas do local que poderiam estar implicadas nos comportamentos dos sujeitos e na forma de organização daquela comunidade. Destarte, atividades de lazer, como por exemplo: piqueniques, passeios e caminhadas pelo bairro, também foram desenvolvidas pelos (as) orientadores (as) sociais junto às famílias, com o intuito de potencializar o território que vivem e desenvolver e/ou fortalecer o sentimento de pertencimento àquele local. 

Ainda, a articulação da equipe técnica do CRAS, bem como orientadores sociais com a rede de proteção foi contínua, tendo em vista que muitos aspectos eram observados pelo (a) orientador (a) que interferiam na qualidade de vida da família e, posteriormente, repassados aos órgãos responsáveis. Frequentemente, durante as visitas domiciliares semanais, o (a) orientador (a) visualizava que a família estava necessitando de atendimento psicológico. Com isso, a equipe do ESF era acionada para viabilizar esse atendimento. Outra situação recorrente eram as dificuldades das crianças e adolescentes em realizar as atividades remotas, o que demandava que o (a) orientador (a) e/ou a equipe técnica dialogasse com a equipe pedagógica da escola para verificar o que era possível ser feito para facilitar o acesso daquela família ou sanar as dificuldades ali verificadas. Dessa forma, todas as políticas eram mobilizadas para os atendimentos familiares, possibilitando um olhar integrado e contínuo durante um período de crise sanitária em que o acesso aos serviços públicos diminuíram na maioria dos lugares.

Ademais, com base nos territórios do município, notou-se que as demandas mais graves e complexas estavam inseridas nos bairros mais vulneráveis e com maior incidência de violência, tráfico de drogas e outras disfuncionalidades. Há uma associação entre pobreza e violência desde meados dos anos 1970, tendo como base a violência institucional que dispunha de atuações brutais para conter a criminalidade, acreditava-se que essas violações tinham raízes estruturais. “Em decorrência, estabelecia-se uma sorte de associação mecânica, por assim dizer, entre pobreza e violência. Quanto maior a pobreza, maior a violência.” (Adorno, 2004, p. 108).

Diante disso, os (as) orientadores (as) sociais eram devidamente treinados (as) para mediar situações conflitantes que pudessem ocorrer durante as visitas e, em seguida, repassar as complexidades observadas para que a equipe técnica realizasse as intervenções e encaminhamentos necessários. 

Com base no exposto, o profissional deve direcionar sua intervenção no sentido de promover a emancipação social do sujeito, possibilitando a ressignificação de suas vivências tão impactadas pela exclusão e desigualdade social e auxiliá-lo no processo de reconhecimento do seu lugar de protagonista da sua própria história com vistas à transformação social (Conselho Federal de Psicologia, 2008). 

Essa perspectiva de atendimento em consonância com as intervenções específicas realizadas in loco pelos (os) orientadores (as) sociais e o comprometimento da atuação em rede mostram-se efetivos no acompanhamento familiar, oferecendo uma complementaridade entre os serviços de modo que os trabalhadores estejam diretamente implicados no processo de melhora da qualidade de vida das famílias atendidas.

Métodos

O Projeto Fortalecendo Vínculos “Em Casa” foi uma estratégia de atendimento elaborada pela equipe técnica do CRAS e órgão gestor da Política de Assistência Social do município de Capitão Leônidas Marques – PR, em substituição às atividades coletivas realizadas através do SCFV, uma vez que tais ações foram interrompidas em decorrência da pandemia de coronavírus que acometeu o mundo no início de 2020[1].

Diante disso, o Governo Federal disponibilizou um recurso por meio da Deliberação 096/2017 do CEDCA– PR (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Paraná), com o intuito de que os municípios dispusessem de ações junto às famílias durante a pandemia.

O trabalho foi efetivado por meio de conscientização, reflexão e sensibilização das crianças, adolescentes e adultos (as) em relação à COVID-19, formas de prevenção, hábitos de higiene que favorecem a saúde, bem como para conteúdos do dia a dia, vivências adversas, relacionamentos sociais e afetivos, problemáticas mundiais que impactam a vida em sociedade, entre outros. Essas temáticas foram trabalhadas pelos (as) orientadores (as) sociais que se deslocaram até a residência das famílias e foram divididos em sete territórios do município, incluindo a zona rural.

Os atendimentos domiciliares aconteciam no período vespertino, sendo a frequência semanal ou quinzenal de acordo com a necessidade das famílias e/ou indivíduos e mediante avaliação da técnica de referência junto ao (à) orientador (a) social sobre a periodicidade de visitas à determinada família e/ou indivíduo. 

Cada orientador (a) social responsável pelo território produziu um relatório individual de visitas diariamente para que a equipe técnica pudesse avaliar, monitorar e supervisionar o trabalho desenvolvido. Além disso, semanalmente os (as) orientadores (as) repassavam o desenvolvimento das atividades que foram realizadas e a percepção obtida através destas para a técnica de referência do SCFV e PAIF, que, por sua vez, ofereceram auxílio e suporte, de modo a garantir a funcionalidade do projeto e providenciar outros encaminhamentos pertinentes. 

Vale salientar que os (as) orientadores (as) sociais que realizaram as visitas obedeceram às orientações de cuidado e higiene dispostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), assim como utilizaram os EPI’s e também os entregaram para as famílias a fim de evitar possíveis contaminações. Ademais, os materiais utilizados no momento das visitas eram devidamente higienizados antes e depois do desenvolvimento do trabalho.

Resultados e Discussão

Através do projeto foram atendidas 75 famílias usuárias dos serviços do CRAS e da Proteção Social Especial e, por conseguinte, pela rede de proteção, distribuídas em cinco bairros e nos dois distritos do município. Com isso, 237 pessoas foram contempladas com as atividades planejadas de agosto a dezembro de 2020. Dessa forma, a implementação do projeto possibilitou a continuidade no acompanhamento sistemático disponibilizado às famílias em um período tão crítico vivenciado pela população em que as vulnerabilidades e violações de direitos foram potencializadas pelo isolamento social. 

Ademais, essa modalidade de intervenção viabilizou a descentralização das ações do CRAS, proporcionando intervenções in loco, planejando o trabalho de acordo com as problemáticas norteadoras dos conflitos vivenciados por cada contexto familiar, com vistas à matricialidade sociofamiliar. Outrossim, a descentralização das ações também possibilitou maior vinculação do usuário/famílias com sua comunidade/território, por meio de atividades externas que contemplaram os espaços dos bairros e aproximação com as Estratégias de Saúde da Família como rede de apoio local e familiar. 

O trabalho integrado com outros setores traz benefícios para os usuários, tendo em vista que diferentes agentes se mostram implicados no processo de resolução da demanda apresentada, facilitando o trânsito desses entre os serviços e, consequentemente, em respostas mais céleres e efetivas. Pensar em atuações desfragmentadas, articuladas e diversificadas incute no desenvolvimento comunitário, provocando transformações sociais através do capital humano e social de um território. Promover a mobilização social através de práticas que buscam desenvolver autonomia, crescimento e protagonismo nos indivíduos e na comunidade também pode dar espaço aos que estão desassistidos dos serviços públicos (Ribeiro 2008 apud Gonçalves, Sadallah & Queiroz, 2015).

Posto isso, observa-se que o projeto preconiza os princípios da PNAS e SUAS através de suas ações in loco, como a matricialidade sociofamiliar, o trabalho em rede, a descentralização das ações e a territorialização, através de uma intervenção atípica construída em meio a um período em que predominava a falta de perspectiva de atendimentos especializados, mas que, ainda assim, pôde aproximar as famílias dos serviços públicos que a elas são pertencentes enquanto sujeitos de direitos.

Conclusão

A ideia desse projeto organizou-se no sentido de operar sobre a realidade individual de cada núcleo familiar, realizando intervenções semanais que objetivaram fortalecer a função protetiva familiar e incentivar às pessoas atendidas ao protagonismo de suas próprias histórias, de modo a incitar o desenvolvimento da consciência de cada um em relação a sua existência e validar o contexto territorial ali presente. 

Acredita-se que houve efetividade por conta da vinculação que o (a) orientador (a) social desenvolveu com a família e com a comunidade, pois toda situação levada aos (às) orientadores (as) sociais através das famílias foram compreendidas por esses profissionais com base no que vivenciaram junto a família durante o trabalho. Através disso, foi possível que o (a) orientador (a) responsável pelo atendimento entendesse quais eram as implicações que interferiam naquela problemática, seja no âmbito da própria residência da família, seja nas disfuncionalidades encontradas naquela localidade. Ao contar seu problema, o indivíduo sabia que o (a) orientador (a) social compreendia o que estava sendo dito. Nesse sentido, Lane (1984), afirma que apenas quando os indivíduos se percebem como semelhantes, e, portanto, como seres historicamente iguais, é que podem abrir mão da sua individualidade institucionalizada e assumir sua identidade grupal, promovendo ações transformadoras em suas realidades. 

Ademais, observou-se que essa estratégia de atuação ampliou a percepção da equipe técnica diante das demandas e trouxe resultados positivos, uma vez que a adesão das famílias foi satisfatória e as vulnerabilidades existentes no núcleo familiar foram trabalhadas com as intervenções do corpo técnico do CRAS em conjunto com as atividades lúdicas e educativas realizadas pelos (as) orientadores (as) sociais. 

Ainda, o referido projeto mobilizou a rede de proteção de modo que a articulação foi ininterrupta nessa fase pandêmica, já que as ações a serem efetivadas com enfoque na qualidade de vida dos usuários não dependiam apenas do CRAS, mas também de outros órgãos que ali operam no atendimento às famílias e seus territórios. 

Destarte, conforme prevê a PNAS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2004, p.41), este trabalho priorizou um de seus princípios: a matricialidade sociofamiliar, que se refere à necessidade de proteção e cuidado à família, uma vez que ela é palco de fragilidade e contradição, bem como considerada mediadora das relações entre sujeito e coletividade, e “espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias”. 

Por fim, devido à funcionalidade do projeto no município, esse continua acontecendo até os dias atuais e a perspectiva é de que seja mantido pós pandemia, tendo em vista o êxito avaliado junto às famílias e rede de proteção, vislumbrando um atendimento cada vez mais humanizado e de boa qualidade aos munícipes.

Notas

[1] O trabalho foi desenvolvido no município de Capitão Leônidas Marques – PR, localizado no Oeste do Paraná, com uma estimativa de 15.884 habitantes (IBGE de 2021).
A tratativa dessa possibilidade de intervenção ocorreu entre o órgão gestor e equipe técnica do CRAS, que, em seguida, deu formato ao funcionamento do projeto. A disponibilidade do recurso do CEDCA facilitou a transposição do SCFV para essa modalidade, uma vez que não existiram empecilhos para realizar as adaptações necessárias para que o trabalho ocorresse por conta do suporte da gestão municipal, sendo, dessa forma possível a aquisição de materiais pedagógicos, brinquedos, contratação de orientadores sociais, compra de EPI`s, entre outros. 
Ainda, conforme for ocorrendo a retomada das atividades coletivas através do SCFV, vislumbra-se que o projeto continue acontecendo de maneira simultânea, o que possivelmente acarretará em uma readequação do trabalho vinculado ao Fortalecendo Vínculos “Em Casa”.

Referências

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Como citar esse texto

APA – Portes, A. M., & Boni, I. C. (2021). Projeto fortalecendo vínculos “Em casa” – uma estratégia de atendimento durante a  pandemia.  CadernoS de PsicologiaS, 2. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/projeto-fortalecendo-vinculos-em-casa-uma-estrategia-de-atendimento-durante-a-pandemia/ 

ABNT – PORTES, A. M.; BONI, I. C. Projeto fortalecendo vínculos “Em casa” – uma estratégia de atendimento durante a pandemia. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 2, 2021. Disponível em: <https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/projeto-fortalecendo-vinculos-em-casa-uma-estrategia-de-atendimento-durante-a-pandemia/>. Acesso em: __/__/____ .