Revista CadernoS de PsicologiaS

Relato de experiência de acolhimento no projeto voluntário Atrás das Máscaras

Edilvana Maria Graff
Psicóloga (CRP-08/10274). E-mail: edigraff@hotmail.com
#Relatos_de_Experiência

Resumo: Este relato de experiência tem como objetivo, apresentar reflexões e experiências profissionais vivenciadas durante a pandemia de COVD-19 no Brasil e especificamente no Projeto Voluntário Atrás das Máscaras. Serão descritas a metodologia e prática do acolhimento online e remota, o papel do psicólogo no suporte de saúde mental em tempos de pandemia e a importância do uso da tecnologia como ferramenta de acesso e comunicação na realização dos acolhimentos para profissionais de saúde. A metodologia utilizada para elaboração deste artigo foi pautada no relato de experiência profissional e pesquisa bibliográfica dos principais conceitos relacionados ao objeto de estudo. Com base no relato de experiência profissional, considera-se que o papel da psicologia é primordial nas ações de saúde mental e o uso da tecnologia é um recurso estratégico de fundamental importância para a realização dos acolhimentos e suporte emocional durante a pandemia.

Palavras-Chaves: Psicologia; serviço online; COVID-19.

Report of welcoming experience in the voluntary project Behind the Masks

Abstract: This experience report has its objective, to presenting reflections and professional experiences lived during COVD-19 pandemic in Brazil and specifically in the Volunteer Project Behind the Masks. The methodology and practice of online and remote reception will be described, the role of the psychologist in supporting mental health in times of pandemic and the importance of using technology as a tool for access and communication in the reception of health professionals. The method used to prepare this article was based on the report of professional experience and bibliographic research of the main concepts related to the object of study. Based on the report of professional experience, it is considered that the role of Psychology is paramount in mental health actions and the use of technology is a strategic resource of fundamental importance for the performance of reception and emotional support during the pandemic.

Keywords: Psychology; online service; COVID-19.

Informe de la experiencia de bienvenida en el proyecto voluntario Detrás de Las Máscaras

Resumen: Este relato presentará reflexiones y experiencias profesionales vividas durante la pandemia COVD-19 en Brasil y específicamente en el Proyecto Voluntario Detrás de las Máscaras. Se describirá la metodología y práctica del hospedaje en línea y remoto, el papel del psicólogo en el apoyo a la salud mental en tiempos de pandemia y la importancia de utilizar la tecnología como herramienta de acceso y comunicación en el hospedaje de profesionales de la salud. La metodología utilizada se basó en el informe de experiencia profesional y revisión bibliográfica de los principales conceptos relacionados con el objeto de estudio. Con base en el reporte de experiencia profesional, se considera que el rol de la psicología es primordial en las acciones de salud mental y el uso de la tecnología es un recurso estratégico de fundamental importancia para la realización de acogida, y apoyo emocional durante la pandemia.

Palabras clave: Psicología; servicio en línea; COVID-19.

Mobilização Pessoal

Este relato de experiência profissional tem origem no contexto da pandemia de COVID-19, tendo em consideração a experiência de trabalho na saúde pública e a mobilização pessoal em participar do Projeto Voluntário Atrás das Máscaras, o qual é uma extensão do projeto italiano “Dietro La Mascherina”. O Projeto foi criado por um grupo multiprofissional de saúde, com o objetivo de prestar acolhimento para profissionais de saúde durante a pandemia de COVD-19. No Brasil, o Projeto Atrás das Máscaras, além de oferecer acolhimento aos profissionais de saúde, também estendeu o acolhimento para pacientes com COVD-19 ou suspeita e voluntários empenhados no campo da emergência sanitária e conta com a supervisão e coordenação da psicóloga Ana Rosa Ferreira Ramos, residente na Itália.

A minha participação no Projeto Atrás das Máscaras, teve início no dia 04 de abril deste ano, através do convite de uma psicóloga voluntária do projeto. O convite despertou o desejo em contribuir com minha experiência profissional no auxílio aos profissionais de saúde neste momento de pandemia. Em segundo lugar, em um momento de crise, acredito que aumenta nossa responsabilidade social de contribuir com estratégias para diminuir o sofrimento, oportunizando espaço de fala e acolhimento a quem solicite ajuda. Também se tornou uma oportunidade de me dedicar ao estudo, a leituras, e ao autoconhecimento por estar vivenciando os fenômenos da pandemia de COVID-19.

Vivenciar os fenômenos de uma pandemia, cria questionamentos nos mais diversos âmbitos da experiência humana, seja pessoal, profissional, emocional, social ou cultural, gera inseguranças, medos, tensões, ansiedade, percepção de vulnerabilidade, entre outras emoções. Muitas vezes tenho me perguntado, como estou sendo impactada pela necessidade de isolamento, distanciamento social, uso de máscaras e todos os protocolos estabelecidos para conter o contágio de COVD-19.

Quando olhamos para a pandemia de COVID-19, mais especificamente relacionada ao contexto dos profissionais de saúde, que são seres humanos que cuidam de outros seres humanos, vem adicionado a tensão mobilizada pelas condições de trabalho, falta de equipamentos adequados e ou EPIs, os desafios de como lidar com um vírus desconhecido, ansiedade, sobrecarga de trabalho, medo pela exposição à COVID-19 e possibilidade de posterior contágio aos seus familiares, sendo que algumas vezes se sentem pressionados por familiares a abandonar seus empregos para diminuir o risco de contágio. Sendo assim, os efeitos já começam a ser sentidos na saúde mental dos profissionais e trabalhadores da área de saúde, desde a enfermagem, fisioterapeutas, médicos, cuidadores, psicólogos, zeladoria, administrativos, entre outros que estão na linha de frente de atendimento.

Diante deste contexto, podemos identificar os benefícios do uso da tecnologia no campo de saúde mental e como se tornou um recurso estratégico. Por meio do uso da internet, é possível acessar aplicativos e plataformas de comunicação que permitem a realização de serviços online, mesmo tendo em conta a exclusão digital para populações em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O avanço tecnológico vem progressivamente influenciando a vida das pessoas, transformando as relações sociais, a cultura e a economia. O uso e a exploração da tecnologia no campo de saúde mental, apresentam novas formas de conexão, informação e formação que podem acontecer em qualquer hora e lugar.

É muito importante que coloquemos toda a nossa capacidade de criatividade na busca de soluções assertivas e principalmente de solidariedade, consciência coletiva e empatia, usando o máximo possível dos recursos que estão disponíveis neste momento de pandemia. Todos nós estamos envolvidos de alguma forma no enfrentamento da COVID-19 e quando cada indivíduo assume sua responsabilidade, é possível diminuir os danos de modo geral, e aumentar os ganhos e oportunidades de autoconhecimento, por meio de reflexões sobre nossos valores, escolhas e fortalecimento dos vínculos emocionais e afetivos através dos cuidados de saúde biopsicossociais.

A saúde é um dos bens de grande valor para a vida e de grande importância para o desenvolvimento dos ciclos vitais de todo ser humano, envolvendo aspectos sociais, ocupacionais, psicológicos, mentais, espirituais e biológicos. A saúde mental implica na capacidade do indivíduo de apreciar a vida e procurar um equilíbrio entre as atividades cotidianas e as habilidades para perceber e compreender o meio em que vive e também para se adaptar e alterá-lo, se necessário, como é o caso da vivência coletiva mundial da pandemia de COVID-19.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (2001), o conceito de saúde vai além da mera ausência de doenças, isto é, considera o bem-estar físico, mental e social do indivíduo. O estado de saúde comporta um estado de bem-estar biopsicossocial, que se constitui em conexões com aspectos físicos, familiares, sociais, pessoais, entre outros. Desse modo, reflexões sobre a saúde mental, tornam-se muito oportunas, pois possibilitam identificar fatores de risco e proteção, propiciando o planejamento de ações preventivas e de promoção da saúde mental. Já que no decorrer dos ciclos de vida, o indivíduo vivencia mudanças biológicas, psicológicas e sociais e se depara com diversos aspectos estressores diretos ou indiretos, tais como perdas, mortes na família ou de pessoas do seu círculo afetivo, mudanças sociais, condições de trabalho estressantes, discriminação de gênero, estilo de vida não saudável, violências, ações climáticas e doenças em geral.

De acordo com o documento elaborado em maio deste ano, pela Organização das Nações Unidas, sobre COVID-19 e as ações necessárias de saúde mental (United Nations, 2020, 11 de março), destacam-se as dificuldades que os serviços de saúde mental sofrem com décadas de negligência e de investimento insuficiente, atingindo famílias e comunidades com um estresse mental adicional. Diante deste cenário, os que estão em maior risco, são os profissionais de saúde que estão na linha da frente, idosos, adolescentes e jovens e aqueles com condições de saúde mental preexistentes. Nesse sentido os serviços de saúde mental são uma parte essencial de todas as respostas governamentais à COVID-19, necessitando urgentemente serem expandidos e financiados, fortalecendo as políticas públicas que devem apoiar e cuidar das pessoas afetadas pelas condições de saúde mental e proteger os seus direitos e dignidade na sua condição humana. A saúde mental precisa ser incluída na cobertura universal de saúde, com a garantia que, em qualquer lugar, as pessoas tenham acesso ao apoio psicológico. No referido documento, dentre os principais pedidos aos países, estão a aplicação de uma abordagem conjunta com a sociedade para promover, proteger e cuidar da saúde mental, com a garantia de disponibilização de serviços de saúde mental de emergência e apoio psicossocial e de apoio na recuperação dos danos da COVID-19.

De todos os aspectos que influenciam a vida das pessoas, o trabalho tem papel fundamental na satisfação de muitas das necessidades do ser humano, como a autorrealização, manutenção de relações interpessoais e sobrevivência. Mas também pode ser visto de forma negativa, quando contribui para o desgaste da saúde do profissional, gerando adoecimento tanto físico como mental. De acordo com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Brasil, 2012), a transversalidade das ações de saúde do trabalhador e o trabalho são considerados como um dos determinantes do processo saúde-doença.

As mudanças na rotina como diminuição da interação direta com familiares e amigos, atenção e cuidado ao colocar e remover os equipamentos de proteção individual, risco aumentado de ser infectado, adoecer e morrer; sobrecarga e fadiga; exposição a mortes, frustração por não conseguir salvar vidas, entre outros aspectos vivenciados pelos profissionais de saúde nesta pandemia. Todos estes desafios enfrentados pelos profissionais da saúde podem desencadear ou intensificar sintomas de ansiedade, depressão e estresse, principalmente quando se trata daqueles que trabalham diretamente no enfretamento da COVID-19. O estresse pode passar muitas vezes despercebido ou até ser considerado algo normal, porém, pode causar sérios danos à saúde do indivíduo. Desse modo, desenvolver hábitos saudáveis de saúde como a prática de atividades físicas regulares, qualidade do sono e descanso e alimentação nutritiva, pode exercer funções de proteção á saúde integral, reduzindo os níveis de estresse.

De acordo com uma das diretrizes do Ministério da Saúde, na perspectiva de uma Política Nacional de Humanização (Brasil, 2008), o acolhimento não tem local nem hora certa para acontecer, nem um profissional específico para fazê-lo e faz parte da dinâmica de todo serviço de saúde. O acolhimento é uma postura ética que implica na escuta do usuário em suas queixas, no reconhecimento do seu protagonismo no processo de saúde e adoecimento, e na responsabilização pela resolução com ativação de redes de compartilhamento de saberes multiprofissionais e respectivos atendimentos. Acolher é um compromisso de resposta às necessidades dos cidadãos que procuram um serviço de saúde.

Entendendo as necessidades e regulamentações para o enfretamento da COVID-19 e as demandas por serviços de saúde mental, o Conselho Federal de Psicologia (2020b), através da resolução nº 4/2020 suspende, durante o período de pandemia do novo coronavírus, os Art. 3º, 4º, 6º, 7º e 8º da Resolução CFP nº 11/2018 (Conselho Federal de Psicologia, 2020c). Portanto, passa a ser autorizada a prestação de serviços psicológicos por meios de tecnologia da informação e da comunicação a pessoas e grupos em situação de urgência, emergência e desastre, buscando minimizar as implicações psicológicas diante da COVID-19.

 

A atuação no Projeto Voluntário Atrás das Máscaras, leva em consideração, a Resolução nº 4/2020 do Conselho Federal de Psicologia, que regulamenta os serviços psicológicos prestados por meios de tecnologia da informação e da comunicação durante o período de pandemia do COVID-19, ressaltando o dever do psicólogo de conhecer e cumprir o Código de Ética Profissional (Resolução CFP nº 10/2005) na prestação de serviços psicológicos por meio de tecnologias da comunicação e informação e a prestação de serviços psicológicos está condicionada à realização de cadastro prévio na plataforma E-Psi junto ao respectivo Conselho Regional de Psicologia (Conselho Federal de Psicologia, 2020a).

O trabalho voluntário no Projeto Atrás das Máscaras, leva em consideração o Código de Ética do Psicólogo (Conselho Federal de Psicologia, 2005), que refere a responsabilidade do psicólogo em prestar serviços profissionais em situações de crise e emergência, ou calamidade pública, como no caso da pandemia de COVID-19, sem visar benefício pessoal.

Um dos reflexos da pandemia foi o aumento no número de pessoas que necessitam de serviços de saúde mental ou apoio psicossocial, que ficou agravado pela interrupção de diversos serviços de saúde física e mental, devido aos serviços de assistência, serem afetados pelo contágio de COVID-19 dos profissionais de saúde ou pelo fato de pertencerem aos grupos de risco, necessidade de restrição dos serviços presenciais, assim como a interrupção das oficinas terapêuticas e dos grupos de apoio.

Nesse sentido, o Projeto Atrás das Máscaras surgiu como um recurso de acolhimento para as pessoas em sofrimento mental em decorrência da pandemia. O Projeto é divulgado através das redes sociais Facebook Atrás da Máscara e Instagram @atrásdasmascaras.br, onde estão disponíveis informações sobre objetivos e público alvo e também a lista dos profissionais voluntários com seus respectivos nomes, CRP e contato. Aqui se destaca um aspecto priorizado pelo Projeto Atrás das Máscaras que é a valorização da solicitação de ajuda ou suporte diante das dificuldades e desafios da pandemia, que podem ser realizadas através das redes sociais e ou diretamente com os profissionais inscritos no Projeto.

Durante minha experiência de acolhimento dos profissionais de saúde de diversas regiões do Brasil, as principais demandas identificadas estavam relacionadas ao medo ou suspeita de contágio, confirmação de contágio, medo de transmissão aos familiares mais próximos, insegurança, ansiedade, dificuldades para dormir, tensão com cuidados de higiene e espaços compartilhados com outros colegas de trabalho, cansaço, stress, autocobrança, oscilações de humor, irritabilidade, insônia, falta de EPIs nos locais de trabalho, relatos de preconceito em relação aos profissionais de saúde, falta de testes para diagnóstico seguro de COVID-19, entre outros.

E diante de todos esses sinalizadores, fica nítido um sofrimento, uma angústia e um pedido de ajuda. Nesse sentido, foram realizados acolhimentos em grupo e individual, utilizando recursos como acolhimento online por telefone, grupo de whatsapp, chamada de vídeo, áudios e mensagens para facilitar a comunicação de acordo com os recursos das pessoas acolhidas e com o objetivo de dar suporte às situações de crise no campo de saúde mental, como lidar com o medo (emoção de sobrevivência) e orientar a busca dos serviços de saúde local, orientações de biossegurança e uso de EPIs e esclarecimentos sobre protocolos em caso de contágio de acordo com as orientações do Ministério da Saúde.

Outra característica do trabalho voluntário realizado no Projeto Atrás das Máscaras foi a valorização do trabalho em equipe, em primeiro lugar, pelas supervisões clínicas realizadas todos os sábados à tarde pela plataforma Zoom com a Psicóloga e Coordenadora do Projeto, Ana Rosa Ferreira Ramos, proporcionando estudos e trocas de experiências profissionais com as colegas psicólogas, médicos colaboradores e convidados de outras áreas profissionais. Em segundo lugar, pela realização dos acolhimentos que, sempre que possível, são realizados em duplas ou dependendo do número de participantes dos grupos, eram incluídos mais profissionais do Projeto, proporcionando uma intervenção conjunta e colaborativa entre os profissionais para dar suporte e garantir que caso ocorresse um problema técnico de falta de acesso à internet, ou impedimento com um dos profissionais envolvidos, o grupo ou indivíduo pudesse receber o acolhimento conforme estabelecido.

O grupo ou indivíduo de acordo com a metodologia estabelecida pode receber até três encontros de acolhimento e orientações de autocuidado e suporte emocional. A proposta de trabalho é apresentada com o estabelecimento do compromisso de ambas as partes, com direitos e deveres, com a garantia de gratuidade por todo o período da prestação do serviço devidamente compactuado. Após no máximo, três encontros, é realizada uma retrospectiva das demandas apresentadas pelo individuo ou grupo, destacando as questões trabalhadas, aprendizados e conquistas e se necessário, orientação para a busca dos serviços da rede de atenção psicossocial de sua cidade para atendimento psicológico e ou psiquiátrico.

Nesse trabalho de acolhimento, os profissionais foram capacitados a realizar os acolhimentos na modalidade online ou remota, trabalhando aspectos relacionados à consciência corporal, da percepção das emoções e suas expressões. A função terapêutica de estar presente tanto para o terapeuta como para a pessoa acolhida, desde a solicitação para que observe seu corpo, suas emoções, perceber onde está sentindo tensão ou desconforto em seu corpo, pertencimento ao momento presente, buscando estar num local favorável e seguro para a realização do acolhimento. Todos estes cuidados e procedimentos tornaram possível a criação de um espaço de acolhimento e suporte em saúde mental.

Atualmente estamos lidando com uma realidade de alta complexidade, onde através de uma visão sistêmica, existem vários fatores que contribuem para o adoecimento mental dos profissionais de saúde. Muitos estão sendo cobrados ao extremo do ponto de vista físico e emocional, tendo que assumir situações muito difíceis, de decisões clínicas e ao mesmo tempo viver a constante exposição ao vírus. E sabemos, que a pandemia é algo novo para todos, incluindo para os profissionais de saúde que já trabalham com situações de crise e emergência, pois exige treinamento e capacitação e a grande maioria não recebeu esse treinamento para questões relacionadas à saúde mental. Nesse sentido, investir em serviços e ações de saúde mental é parte essencial do combate à pandemia de COVD-19.

A participação no projeto Atrás das Máscaras, também contribuiu para a percepção do desafio de lidar com as dificuldades de acesso à internet ou mesmo falhas na transmissão, ajustes com dia e horário para atender às necessidades e disponibilidade das pessoas atendidas individualmente ou em grupos profissionais ou multiprofissionais, assim como as diferenças de fuso horário de algumas regiões do Brasil. Por outro lado, percebe-se o quanto é necessária a inclusão tecnológica, para que se consiga alcançar as populações mais vulneráveis economicamente, que possuem restrição ou nenhum acesso à internet, revelando uma inevitável exclusão digital.

Diante deste cenário tecnológico, a Psicologia passa a ter um olhar atento para esse novo campo de atuação na prática dos psicólogos. Um dos grandes desafios na atuação do psicólogo brasileiro é que muitas mudanças têm ocorrido na sociedade à medida que a tecnologia evolui e cria novas demandas para a Psicologia. A internet é uma ferramenta que pode ser utilizada para a informação, conexão social, educação, trabalho, lazer, citando apenas alguns exemplos. Desse modo, comportamentos e costumes estão sofrendo alterações significativas e novas formas de relacionamento entre as pessoas surgem, mediadas pelo campo virtual e influenciando nosso modo de perceber, sentir e estar no mundo. Não há dúvidas que as tecnologias chegaram para ficar e fazem parte do nosso contexto vivencial nas mais diversas formas e com intensidades que não temos ainda o adequado entendimento de sua influência no campo da saúde mental.

Outra percepção que surgiu diversas vezes durante os acolhimentos e supervisões foi o fato de a pandemia não ter uma data específica para acabar, mobilizando cansaço físico e mental, dúvidas, insegurança, ansiedade, dificuldades para dormir, angústia, a sobrecarga de trabalho e as questões domésticas, filhos, tarefas da escola, alimentação, o número de casos graves e mortes reforçam os desafios que enfrentados no contexto da pandemia.

Algumas profissões parecem predispor seus profissionais a situações mais estressantes que outras e, pela natureza do seu trabalho, os profissionais de saúde, em sua atividade laboral, se deparam com inúmeras variáveis que podem contribuir para o desequilíbrio de sua saúde física e mental. Podemos destacar alguns eventos estressores tais como longas jornadas de trabalho, baixo reconhecimento profissional, pouca participação nas decisões no ambiente de trabalho, falta de EPIs e condições inadequadas de trabalho, stress ocupacional, falta de testes para diagnóstico de COVID-19 entre outros. Dessa forma, foi observado o desafio de atender profissionais de saúde em diferentes regiões do país e acessar a realidade sociocultural, buscando contextualizar questões regionais e também identificar a rede local de atendimento psicossocial e outros serviços de saúde disponíveis (UBS, Hospitais, UPAS, etc).

Quando se trata do tema saúde mental, ainda enfrentam-se muitos julgamentos e preconceitos, que em geral vêm de amigos e familiares, colegas de trabalho, e a pessoa em sofrimento psíquico acaba sem uma rede de apoio e adia a busca por suporte profissional, o que influencia diretamente não só na recuperação da qualidade de vida, como no agravamento dos sintomas de adoecimento. Observa-se, porém que com o avanço da tecnologia e a ampla difusão das redes sociais e seus recursos de comunicação, muitas pessoas têm utilizado o ambiente da internet como fonte de apoio e aprendizado para lidar com seu sofrimento psíquico, acessando comunidades especificas nas redes sociais, blogs e canais no You Tube.

No entanto, sabemos que essa prática não é suficiente para dar conta dos problemas de saúde mental, mas é uma porta de entrada para acesso a informações gerais de cuidados de saúde mental e auxiliam na conscientização dos indivíduos sobre a existência dos transtornos psicológicos e na luta para que os preconceitos diminuam. Muitas vezes, nestas plataformas online de acolhimento, os usuários da rede se sentem pertencentes a um grupo, mesmo que virtualmente, e saber que existem outrosque passam por situações semelhantes gera a identificação empática, gerando laços que ultrapassam o ambiente virtual e isso auxilia o indivíduo no enfrentamento dos seus sofrimentos emocionais ou de situações da vida. No entanto, é evidente que a recuperação vai além dos grupos de apoio e para a maioria dos casos é necessária a intervenção profissional especializada em saúde mental para lidar com estas demandas.

Diante da experiência relatada, nós enquanto profissionais de saúde, também estamos vivenciando a pandemia no aspecto pessoal e profissional, o que nos mobiliza também a valorizar ainda mais as práticas de autocuidado, suporte terapêutico, descanso, alimentação nutritiva, alongamento, relaxamento, entre outras.

Considerações finais

Somos seres sociais e nosso desenvolvimento passa por aprendizados em grupos e crescemos pertencendo a uma coletividade de relacionamentos interpessoais, valores, crenças, comportamentos culturais e familiares. Por isso, o isolamento e o distanciamento social, geram tantas angústias e desconforto. Além disso, muitas vezes a necessidade das medidas sanitárias ou medo do contágio da COVID-19, nos restringem a nossos espaços como condição de proteção e defesa da vida. Nesse sentido a pandemia apresenta provocações sobre o lugar que ocupamos no mundo, a importância da vida e mais que isso, nos haver com a cultura do controle, onde supõe-se que podemos controlar a vida e onde as emoções devem ser guardadas ou expressas apenas de maneira polida e educada. Então a pandemia escancara uma realidade encoberta, pela falsa sensação de controle e saúde no complexo ir e vir do ser humano.

E, para concluir, estamos vivenciando um momento crucial na experiência humana, em que mais do que nunca, é muito importante dar atenção aos cuidados de saúde mental através de práticas de autocuidado e autoconhecimento, aprendendo a lidar com as adversidades e reconhecendo limites e potencialidades. Precisamos cada vez mais, estarmos conscientes da nossa responsabilidade pessoal, social e coletiva, e esta pandemia tem nos colocado numa montanha russa de emoções e sentimentos, desafios, conflitos, momentos intercalados de altos e baixos, o que nos mobiliza a buscar soluções e estratégias para reduzirmos os danos no campo pessoal, coletivo, mental, social e ocupacional. Quando tomamos consciência da importância dos cuidados de saúde mental, estamos adotando um comportamento ético pela vida, despertando a responsabilidade com nossa saúde integral.

Cuidar da saúde mental é uma estratégia fundamental na ativação de nossa capacidade humana de se relacionar, criar, participar, interagir, construir, integrar e para tanto deve ser tratada como recurso essencial de resposta e reparação dos danos causados pela pandemia de COVID-19.

Agradeço a oportunidade de compartilhar esta experiência profissional, estendendo meu agradecimento principalmente a toda equipe do Projeto Atrás das Máscaras, pelas partilhas pessoais e profissionais em supervisão semanalmente, pela experiência de todos os acolhimentos realizados e pela disponibilidade de cada profissional de saúde que nos procurou no seu momento de dificuldade.

Referências

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Como citar esse texto

APA – Graff, E. M. (2020). Relato de experiência de acolhimento no projeto voluntário Atrás das Máscaras. CadernoS de PsicologiaS, 1. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/relato-de-experiencia-de-acolhimento-no-projeto-voluntario-atras-das-mascaras.

ABNT – GRAFF, E. M. Relato de experiência de acolhimento no projeto voluntário Atrás das Máscaras. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 1, 2020. Disponível em: <https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/relato-de-experiencia-de-acolhimento-no-projeto-voluntario-atras-das-mascaras>. Acesso em: __/__/____.