Resumo: A perpetuação da violência de gênero, enraizada na crença de que os homens devem exercer controle sobre mulheres, é transmitida através das gerações, fundamentada na representação do feminino como frágil e submisso. Essa ideologia disfuncional se manifesta de modo alarmante na violência doméstica, que engloba qualquer forma de agressão perpetrada por parceiro íntimo contra a mulher. Este relato de experiência documenta a atuação de duas estagiárias de Psicologia no décimo semestre, envolvidas em plantões psicológicos na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). Evidencia-se que o plantão psicológico nesse contexto proporciona à vítima uma oportunidade reflexiva sobre sua situação, possibilitando uma análise das raízes do problema. Esse processo auxilia na formulação de estratégias mais eficazes para enfrentar a sua realidade. Portanto, conclui-se que o plantão psicológico na DDM desempenha um papel crucial ao incentivar a autorreflexão e empoderamento das vítimas.
Palavras-chave: Violência Doméstica; Sexismo; Psicologia Criminal
Experience Report: Psychological Support at the Women’s Police Station in Combating Violence Against Women
Abstract: The perpetuation of gender violence, rooted in the belief that men should exert control over women, is transmitted across generations, grounded in the portrayal of femininity as fragile and submissive. This dysfunctional ideology alarmingly manifests in domestic violence, encompassing any form of aggression perpetrated by an intimate partner against women. This experiential account documents the involvement of two psychology interns in their tenth semester in providing psychological support at the Women’s Defense Police Station. It becomes evident that psychological support in this context provides victims with a reflective opportunity on their situation, enabling an analysis of the problem’s underlying causes. This process aids in formulating more effective strategies to confront the harsh realities they face. Therefore, it is concluded that psychological support at the Women’s Defense Police Station plays a pivotal role in encouraging self-reflection and empowering victims.
Keywords: Domestic Violence; Sexism; Criminal Psychology
Informe de Experiencia: Apoyo Psicológico en la Comisaría de la Mujer en la Lucha contra la Violencia de Género
Resumen: La perpetuación de la violencia de género, arraigada en la creencia de que los hombres deben ejercer control sobre las mujeres, se transmite a través de las generaciones, fundamentada en la representación de la feminidad como frágil y sumisa. Esta ideología disfuncional se manifiesta de manera alarmante en la violencia doméstica, que abarca cualquier forma de agresión perpetrada por una pareja íntima contra la mujer. Este relato de experiencia documenta la participación de dos internas de Psicología en su décimo semestre en la prestación de apoyo psicológico en la Comisaría de la Mujer. Queda patente que el apoyo psicológico en este contexto brinda a las víctimas la oportunidad de reflexionar sobre su situación, permitiendo un análisis de las causas subyacentes del problema. Este proceso ayuda a formular estrategias más efectivas para enfrentar las duras realidades que enfrentan. Por lo tanto, se concluye que el apoyo psicológico en la Comisaría de la Mujer desempeña un papel fundamental al fomentar la autorreflexión y empoderar a las víctimas.
Palabras-clave: Violencia Doméstica; Sexismo; Psicología Criminal
Introdução
A violência de gênero vem sendo transmitida de geração para geração a partir da crença de que os homens devem ter algum tipo de poder sobre as mulheres, tal ideologia se baseia na representação do feminino como frágil, delicado e submisso. A violência doméstica se apresenta como um sintoma de todo esse sistema disfuncional (Monteiro, 2012).
Neste sentido, Teles (2013) vai chamar de violência de gênero aquela embasada por uma compreensão de hierarquia de gêneros, onde o homem detém um poder desigual sobre a mulher. Tal prática culmina em um desprezo cotidiano à condição feminina, ocasionando, entre outras coisas, situações de descriminação de gênero. A autora aponta ainda para a Constituição de 1988 como uma conquista de movimentos femininos, uma vez que esta garante em seu texto igualdade de direitos e deveres a homens e mulheres (Brasil, 1988, Art. 5º, Inc. I).
Apesar de tantos avanços, ainda existe um longo caminho a percorrer até que o papel da mulher seja socialmente ressignificado. Tal percurso atravessa práticas e saberes culturais sendo a educação uma ferramenta crucial nesse processo (Teles, 2013). Enquanto tal mudança não é atingida, a sociedade precisa enfrentar problemas graves e crescentes como a violência doméstica e a violência de gênero.
Como consequência de tal dinâmica, em 2021 foram registrados 1319 feminicídios no Brasil, apesar de dramático o número apresenta um decréscimo de 2.4% com relação ao mesmo período no ano anterior (SPPM, SECIC, Governo do estado do Mato Grosso do Sul, 2022). Já no primeiro semestre de 2022 o Brasil bateu recorde de violência com 599 mortes, representando um crescimento de 5% com relação ao mesmo período em 2021 (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022).
Fernandes e Junqueira (2021) traçam uma diferenciação entre os termos violência com a mulher e violência de gênero ao dizer que o primeiro propõe uma compreensão mais ampla uma vez que não se limita ao feminino enquanto sinônimo de gênero, mesmo que ainda motivada pelas relações desiguais de poder. Neste sentido, Machado, Castanheira e Almeida (2021) compreendem que tal construção social dos papéis de gênero embasada por hierarquias e responsabilidade específicas aponta para uma compreensão de gênero que ultrapassa o biológico e invade a esfera cultural. Assim sendo, as relações homem-mulher são afetadas, mas também as relações entre homens e outros homens, ou mulheres e outras mulheres.
Observa-se em Batista, Medeiros e Macarini (2017) que a violência doméstica se caracteriza por qualquer atitude ou manifestação de violência contra a mulher que parta de parceiro íntimo. Ou seja, com quem tenha atualmente ou tenha tido no passado uma relação afetiva, seja esta amorosa, fraternal ou conjugal.
A Lei 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, criada em 2006, trouxe luz a tais práticas reconhecendo as diferentes formas pelas quais a violência se manifesta e criminalizando-as. Criada a partir de movimentos de luta e pioneirismo femininos, permitiu tratamento legal adequado a situações de violência doméstica, e constituindo a possibilidade de denúncia por parte da vítima mas também por toda a sociedade (Teles, 2013). A lei reconhece quatro diferentes tipos de violência, sendo eles: física, sexual, moral ou patrimonial.
A violência física é representada por qualquer ato que agrida a integridade física ou saúde da mulher deixando ou não marcas visíveis. Já a violência psicológica é adjetivada por atitudes que visem controlar as ações da mulher, causar danos a sua autoestima ou desenvolvimento por meio de ameaças, insultos, chantagens, perseguição, entre outros. A violência sexual, por sua vez, é composta por qualquer conduta que a obrigue a participar assistir ou manter uma relação sexual não consentida. Por outro lado, a violência patrimonial corresponde a retenção, destruição ou subtração de bens e objetos da vítima. Podendo ser esses documentos, ferramentas de trabalho, imóveis, entre outros. E, por fim, a violência moral corresponde à prática de calúnias, injúrias ou difamações visando desvalorizar a vítima frente a sua comunidade (TJDFT, 2022).
A partir de dados do IBGE (2014) é possível compreender que a violência contra a mulher ocorre principalmente na modalidade violência psicológica, seguida pela violência física e violência sexual. Tal questão, é vista como um problema de saúde pública considerando que afeta a integridade, saúde física e emocional das mulheres atingidas (Comino, 2016).
Foi criada através da Lei nº 5.467, de 24 de dezembro de 1986 no Estado de São Paulo a primeira DDM do Brasil, sendo essa também a primeira de tal categoria no mundo. Hoje estas delegacias constituem a principal política pública de combate à violência contra a mulher no Brasil (Santos, 2010). Em 2020 haviam cento e trinta e cinco DDMs em funcionamento no Estado de São Paulo, sendo que dez delas funcionavam no regime de 24 horas (Portal do Governo de São Paulo, 2020).
A partir de Santos (2010) compreendesse que o surgimento das Delegacias de Defesa da Mulher ocorreu em meio a um contexto político de redemocratização, bem como de protestos do movimento de mulheres contra o descaso com que o Poder Judiciário e os distritos policiais – em regra, compostos por policiais do sexo masculino – lidavam com casos de violência doméstica e sexual nos quais a vítima era do sexo feminino.
A Delegacia de Defesa da Mulher atende mulheres, adolescentes e crianças vítimas de violência física, moral, patrimonial, psicológica e sexual. Nesta, as vítimas recebem acolhimento, registram boletim de ocorrência contra seus agressores, solicitam medida protetiva, recebem encaminhamento para exame de corpo de delito, entre outros serviços prestados.
O objetivo deste artigo é clarificar a atuação do profissional da Psicologia dentro da Delegacia de Defesa da Mulher através da prática do plantão psicológico. Dessa forma esclarecendo a importância da atuação de tal profissional nesse ambiente, com o público em questão. Trata-se de um relato de experiência que descreve as percepções de duas estagiárias do curso de Psicologia, que vivenciaram a experiência de oferecer o serviço de plantão psicológico a mulheres que procuraram a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) no período de 14 de setembro de 2020 a 23 de novembro de 2020.
Método
Esse artigo apresenta um relato de experiência de duas estagiárias do 10° semestre do curso de Psicologia da Universidade Paulista – UNIP, que realizaram o trabalho de plantão psicológico na Delegacia de Defesa da Mulher. Foram atendidos diversos casos em um total de onze dias de estágio. O atendimento foi feito através da prática do plantão psicológico visando sempre o acolhimento das vítimas, utilizando a técnica de entrevista semiestruturada.
O público de mulheres atendidas na DDM foi bastante heterogêneo, sendo mulheres de várias idades e de diferentes perfis pessoais e profissionais. Na experiência aqui relatada foi possível trabalhar com vítimas analfabetas bem como com mulheres pós graduadas. De acordo com Monteiro (2012), é difícil encontrar um padrão para o perfil do agressor ou da vítima uma vez que essa forma de violência pode atingir a todos, sem distinção de raça, classe social ou nível de escolaridade.
O grau de relacionamento com os agressores é igualmente variado, entretanto na maioria dos casos é composto por pessoas próximas, como companheiros, ex-companheiros, amigos da família, padrastos, tios, avós e até mesmo irmãos.
As mulheres que chegavam à delegacia buscando atendimento preenchiam uma ficha e eram abordadas pelas estagiárias, que ofertavam o serviço. As que aceitavam o atendimento eram encaminhadas a um local reservado onde eram acolhidas e orientadas pelas estagiárias.
Os atendimentos não tinham limite de duração pré-estabelecido, porém duravam em média 60 minutos cada, ou até que as mulheres fossem chamadas pelos escrivães para o registro do boletim de ocorrência.
Semanalmente os casos atendidos eram discutidos durante supervisões em grupo, coordenadas por um psicólogo jurídico, docente da instituição. Nestas, além dos efeitos de ordem psicoemocional, eram debatidos também os aspectos jurídicos e encaminhamentos institucionais dos casos.
A violência conjugal é um fenômeno complexo, e por isso precisa ser compreendido como um processo onde todos os envolvidos constroem a relação de violência e a sustentam mutuamente ao longo do tempo (Macari e Miranda, 2018). Só assim é possível exercer uma atuação que vá além de punir o agressor, mas também empoderar a vítima e compreender o problema em toda a sua extensão.
A fim de compreender os motivos pelos quais as mulheres se mantêm em relações onde sofrem violência construíram-se algumas teorias. Entre elas, para embasar a prática realizada no estágio, trabalhamos principalmente com as teorias de violência cíclica e violência transgeracional, que serão melhor explicadas no decorrer do texto.
O atendimento normalmente se iniciava com as estagiárias perguntando às vítimas o que havia feito com que procurassem pela DDM. Em grande parte dos casos as vítimas estavam ansiosas para falar, e apenas essa pergunta bastava para que revelassem sua história. Haviam, porém, outras mais resistentes com as quais era preciso maior esforço e manejo para obter um relato completo.
Nota-se, além disso, que algumas mulheres, sem saber ao certo do que se tratava o acolhimento, aceitaram participar apenas por acreditarem que suas falas ali já contavam para o processo jurídico e registro do boletim de ocorrência. Nesses casos, ao dizer que o serviço de acolhimento não englobava orientações legais, logo perdiam o interesse e retornavam à sala de espera.
Nos relatos destas, especificamente, se fez notável uma tendência a tentar convencer as estagiárias da veracidade de suas histórias, buscando constantemente aprovação e concordância por parte delas.
De uma forma geral, o acolhimento exercia a função de empoderar as mulheres, ajudá-las a organizar seus discursos e principalmente ampará-las frente à violência sofrida. Sentimentos como medo, culpa, impotência e inferioridade foram frequentemente relatados, quanto a isso as estagiárias buscavam compreender sua origem e elucidar os fantasmas que os sustentavam.
Os casos de agressão sexual contra vitimas menores de idade, em geral, eram os que mais despertavam o sentimento de culpa por parte dos responsaveis pela vítima, sendo geralmente acompanhadas pelas mães. Constantemente os interlocutores se questionavam com relação ao que poderiam ter feito a fim de evitar o ocorrido.
Foi possível observar esse funcionamento no caso de Ingrid (nome fictício), que foi até a DDM acompanhada de sua filha Ana (nome fictício) de doze anos. Relatou que a filha sofreu assédio sexual por parte do tio, irmão da mãe. Esse mesmo agressor havia tambem praticado abuso sexual contra Ingrid quando criança, essa por sua vez se sentia culpada, uma vez que apesar de todos os seus esforços para manter o irmão longe da filha, ainda assim ele teve acesso a criança.
O acolhimento nesse caso serviu para possibilitar que a mãe revisitasse sua própria história de abuso. Dessa forma compreendendo como esse se apresenta na estrutura de sua família. A partir disso Ingrid pode criar estratégias para enfrentar o ocorrido, e prestar o acolhimento e atenção necessários à filha naquele momento. Sobre isso Araujo (2002), indica que em casos de violência contra a criança é crucial uma intervenção que abrace também a família. Entretanto, esse processo de cuidado não se dá sem resistências por parte das instituições e da própria família, considerando o desconforto que o fato proporciona.
Em outro dos casos atendidos, a vítima Ana (nome fictício) foi até a delegacia acompanhada por sua filha. Contou ter sofrido uma “tentativa de agressão” (sic) por parte do ex-marido, o casal estava junto há dezesseis anos e há seis meses decidiram se separar, porém continuaram morando no mesmo apartamento. Após encontrar itens de sex shop nas coisas íntimas da vítima, o ex-marido escondeu uma faca no quarto e ameaçou matá-la caso tivesse se envolvido com outro homem. Além disso, durante a agressão ela foi mantida trancada dentro do próprio quarto. Haack e Falcke (2020) encontraram fortes correlações entre o ciúme e a violência física intrafamiliar. As autoras apontam ainda que o ciúme pode ocasionar consequências notáveis como dificuldade em estabelecer e manter relações.
É possível entender, a partir do relato, que houve violência física, psicológica e verbal em função, respectivamente, das ameaças e abusos verbais (Câmara Municipal de São Paulo, 2020). Entendemos também que a relação do casal é marcada por forte dependência emocional da vítima em relação ao agressor, havendo um componente transgeracional percebido na história da mãe da vítima e, também, no comportamento descrito pela filha.
Sobre a dependência emocional, esta se caracteriza como um forte fator que determina a permanência de mulheres em relações violentas, nela o homem tem grande influência sobre as decisões da mulher (Silva e Silva, 2020).
A fim de compreender melhor a violência transgeracional nos debruçarmos sobre a obra de Moreira e Prieto (2010), vemos que é nas relações familiares que se aprende como se relacionar. Ou seja, uma menina aprende a ser esposa observando a esposa que sua mãe é. Assim sendo, mulheres que vieram de lares onde a violência era uma coisa comum tendem a buscar inconscientemente relacionamentos igualmente violentos a fim de reproduzir o padrão interiorizado (Razera, Cenci & Falcke, 2014).
Moreira e Prieto (2010), ao refletirem sobre a violência doméstica e conjugal, declaram que esta pode ocorrer independente da classe social, raça ou religião. Assim sendo os autores nomeiam essa violência como universal. O caso da vítima em questão reafirma essa visão uma vez que se trata de um casal de classe média, com um bom nível socioeconômico.
Mesmo a raça não sendo uma condição para a ocorrência da violência existem estudos que apontam para o racismo como um atravessador da violência. A exemplo, em 2016, 59,71% das ligações ao 180 (central telefônica de atendimento a mulheres em situação de violência) foram realizadas por mulheres negras (Carrijo & Martins, 2020).
Retomando o caso de Ana, em sua fala a mulher evoca os valores familiares para justificar o fato de ter perdoado o ex-marido anteriormente, sobre isso os autores Jong, Sadala, Tanaka e D`Andretta (2008) refletem que esta representa uma situação comum em se tratando de mulheres vítimas de algum tipo de violência. Constantemente as vítimas buscam nos valores familiares motivos para se manter na relação e não prestar queixa.
O acolhimento, nesse caso, serviu para promover em Ana e em sua filha (que no decorrer do relatado expôs também já ter vivido uma relação com violência) uma profunda reflexão sobre suas relações familiares, e como sua história de vida contribuiu para que estivessem ali naquele momento. Ao sair do atendimento, as duas se mostraram decididas a prestar queixa e buscar um atendimento de psicoterapia.
Esse, porém, não é sempre o caso como vimos ao atender Eliana (nome fictício), uma mulher que buscou a delegacia após ser agredida pelo namorado, com quem se relacionava há cerca de dois anos. Eliana relatou que no início do relacionamento o namorado era muito atencioso e carinhoso, porém com o tempo começou a traí-la e agredi-la, física e psicologicamente.
A agressão em questão, que a levava a DDM naquela ocasião, fora mais grave e ocorreu em decorrência de uma briga causada pelo fato de Eliana ter descoberto outra traição. De acordo com o relato da vítima podemos ver todas as fases de uma violência cíclica, inclusive culminando em uma forte dependência emocional que ela tem de seu namorado (Cordeiro, Gomes, Estrela, Paixão, Romano & Mota, 2019). Essa dependência se mantinha forte apesar das agressões, de forma que a vítima não conseguiu registrar o boletim de ocorrência.
A violência cíclica é marcada pela dependência, seja ela emocional, financeira ou de outra ordem; se caracteriza como um ciclo composto por três fases. De acordo com o MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo), a primeira fase é caracterizada pela irritação do agressor aparentemente motivada por nenhuma situação específica. A vítima tenta acalmar o agressor e geralmente esconde esse comportamento das demais pessoas. A segunda fase é aquela que compõe o ato do agressor em si, sendo que a mulher se sente paralisada e impossibilitada de reagir; a última fase é a denominada “lua de mel” na qual o agressor se mostra arrependido e tenta se reconciliar (Cordeiro et al., 2019).
De acordo com Bution e Wechsler (2016), a dependência de relacionamentos seria caracterizada por comportamentos aditivos que teriam como base os relacionamentos interpessoais. A dependência emocional, por sua vez, seria caracterizada como o padrão crônico de demandas afetivas insatisfeitas, que buscam ser realizadas através de relacionamentos interpessoais caracterizadas por um apego patológico.
Para Rodrigues e Chalhub (2009), o termo dependência se refere ao grau em que um indivíduo se apoia e confia em outro para a sua existência, sendo descritas como submissas, com dificuldades de tomarem decisões em seus relacionamentos, sentindo-se responsáveis por todos os acontecimentos e centrando-se completamente em sua relação; cuidados excessivos são dispensados ao outro, mesmo que isso signifique negligenciar a si próprio.
Em seu relato, a vítima em questão sustenta a teoria ao afirmar que se afastou de pessoas das quais o namorado não gostava ou sentia ciúmes, e já abriu mão de um emprego pelo mesmo motivo.
Segundo Rodrigues e Chalhub (2009), alguém envolvido em um relacionamento de dependência emocional tem frequentemente a sensação de dor, tendo o discurso recheado de muito ressentimento e um forte sentimento de injustiça. Dessa forma, encontramos em diversas das vítimas atendidas pensamentos depressivos, ideação suicida, desejo de fuga, entre outros.
Ao fim do atendimento, Eliana que se sentia culpada pela agressão e temia que o namorado não a perdoasse caso ela prestasse queixa, confirmou que possivelmente manteria o relacionamento. Porém o acolhimento das estagiárias levantou diversas questões sobre seus relacionamentos anteriores e os motivos que a levaram a tal grau de dependência.
A partir do relato exposto observamos que o plantão psicológico na Delegacia de Defesa da Mulher contribui para que a vítima reflita sobre sua situação, podendo explorar as questões que a levaram a essa posição, e assim criar uma estratégia mais satisfatória de enfrentamento à situação em que se encontra.
Além disso, a presença das estagiárias de Psicologia contribuiu para uma maior organização psíquica das vítimas, de forma que ao relatar seus casos aos escrivães elas se mostravam mais conscientes e apresentavam uma fala mais clara.
Compreendesse que os processos legais contam ainda com muitas falhas, entre elas a lentidão e imprecisão. Entretanto, ainda assim muito tem-se feito para melhorar e agilizar os processos. A força policial tem buscado agregar mais crimes contra a mulher no atendimento das DDMs e, também, tornar mais eficiente os processos de apuração.
Foi possível notar que os funcionários que compõem a delegacia valorizam o trabalho dos profissionais da Psicologia nesse campo, e enfatizam sua importância. Durante a experiência de estágio buscaram aproveitar a presença das estagiárias encaminhando casos, buscando suas opiniões, assim como sanando e tirando dúvidas.
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APA – Lopes, J. G. S., Rodrigues, M. A. M. (2023). Relato de Experiência: Plantão Psicológico na Delegacia Da Mulher no Combate à Violência Contra a Mulher. CadernoS de PsicologiaS, 5. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/relato-de-experiencia-plantao-psicologico-na-delegacia-da-mulher-no-combate-a-violencia-contra-a-mulher/