Revista CadernoS de PsicologiaS

RPG com adolescentes no CRAS: contribuições da psicologia social

Isabeli Russo Lopes
Graduanda Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina

E-mail: isabelirusso.psi@outlook.com
Lorena Isabela Carvalho
Graduanda Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina

E-mail: carvalho.lorena@uel.br
Roberth Miniguine Tavanti
Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina

Psicólogo (CRP-08/15295) — E-mail: roberth.tavanti@uel.br

#Relatos_de_experiência

Resumo: O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) tem como objetivo trabalhar para a melhora da qualidade de vida e enfrentamento das situações de risco e/ou vulnerabilidade social, tendo como uma de suas estratégias de ação o trabalho com grupos em uma perspectiva psicossocial. Tais grupos constituem-se como espaços de escuta e troca de experiências entre os profissionais dos serviços (psicólogos, assistentes sociais, educadores) e os diferentes segmentos populacionais atendidos. Partindo da noção de saúde como determinada socialmente e afetada por múltiplas vulnerabilidades, o Grupo de RPG com adolescentes, desenvolvido durante uma experiência de estágio em psicologia, buscou contribuir ativamente com a saúde mental dos sujeitos e na construção de sua autonomia. Com tal ação, identificou-se o desenvolvimento da criatividade, liberdade e autonomia dos/as adolescentes, criando um ambiente seguro de expressão, trocas e vivências no espaço da política pública.

Palavras-chave: adolescência; assistência social; saúde mental.

RPG WITH TEENAGERS IN A CRAS: CONTRIBUTIONS FROM SOCIAL PSYCHOLOGY

Abstract: The Service of Protection and Full Care for the Family (PAIF) aims to improve the quality of life and confront situations of social risk and/or vulnerability, using as one of its strategies working with groups from a psychosocial perspective. Such groups are constituted as spaces for listening and exchanging experiences among the service professionals (psychologists, social workers, educators) and the different populational groups assisted. Considering the notion of health as socially determined and affected by multiple vulnerabilities, the RPG group with teenagers, developed during a psychology internship experience, intended to contribute actively to the mental health of the participants and the construction of their autonomy. Through this action, it was observed the development of creativity, freedom, and autonomy of these teenagers, creating a safe environment for expression, affective exchanges and experiences within the public policy sphere.

Keywords: adolescence; social welfare; mental health.

JUEGO DE ROL CON ADOLESCENTES EN UN CRAS: APORTES DE LA PSICOLOGIA SOCIAL

Resumen: El Servicio de Protección y Atención Integral a la Familia (PAIF) tiene por objetivos trabajar por la mejora de la calidad de vida y el enfrentamiento de situaciones de riesgo y vulnerabilidad social, siendo una de sus estrategias el trabajo con grupos desde una perspectiva psicosocial. Estos grupos se constituyen como espacios de escucha e intercambio de experiencias entre los profesionales de los servicios (psicólogos, trabajadores sociales, educadores) y las distintas poblaciones atendidas. Partiendo de la salud como socialmente determinada y afectada por múltiples vulnerabilidades, el grupo de RPG con adolescentes, desarrollado durante la experiencia de prácticas en psicología, buscó contribuir activamente en la salud mental de los sujetos y en su autonomía. Esta acción ha permitido desarrollar la creatividad, la libertad y la autonomía de los/las adolescentes, creando un entorno seguro para la expresión, los intercambios afectivos y las experiencias en el espacio de la política pública.

Palabras clave: adolescencia; asistencia social; salud mental.

Introdução

A Lei Orgânica da Assistência Social (Brasil, 1993) estabelece os objetivos e as diretrizes para a estruturação da política pública de assistência social no Brasil. Entre esses objetivos, estão a defesa de direitos, como a dignidade, autonomia, acesso a serviços e convivência familiar e comunitária; e a proteção social, caracterizada por ações visando prevenção de riscos e garantia da vida, além de ter como um de seus focos as questões da adolescência. A assistência social no Brasil é executada através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que é organizado em níveis diferentes de complexidade, os quais, por sua vez, englobam diferentes serviços e programas para o alcance de seus objetivos. Os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) são unidades nas quais são desenvolvidos serviços da Proteção Social Básica, entre eles o de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), serviço executado pelo CRAS onde foram realizadas as ações que serão aqui relatadas (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2014).

O PAIF é caracterizado por um trabalho contínuo com as famílias da região, normalmente aquelas que apresentam algum tipo de vulnerabilidade social, como questões com acesso aos serviços públicos, pobreza e vínculos familiares e comunitários fragilizados. Com isso, o serviço tem como alguns de seus objetivos prevenir a ruptura de vínculos, contribuir na melhoria da qualidade de vida e prevenir situações que possam agravar as vulnerabilidades, atuando de forma preventiva e protetiva através de ações variadas, como espaços de escuta e trocas que promovam autonomia (Brasil, 2014)

Questões como as que permeiam os objetivos do PAIF podem ser compreendidas como Determinantes Sociais da Saúde (DSS), ou seja, tais vulnerabilidades sociais permeiam a vida desses sujeitos como um todo e os tornam muito mais expostos a riscos de saúde, incluindo saúde mental e sofrimento psíquico (Solon et al., 2018; Souza, Panúncio-Pinto & Fiorati, 2019). Dessa forma, mesmo que indiretamente, as atividades ligadas ao PAIF atuam na melhoria da saúde mental da população através da lida com questões socioeconômicas, vinculares e de qualidade de vida, já que, como colocam Souza, Panúncio-Pinto e Fiorati (2019, p. 252) “para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, o sofrimento psíquico atinge maior amplitude, sendo que as condições socioeconômicas têm grande impacto na qualidade de vida e bem-estar de pessoas e grupos com menores recursos”.

Para que seja possível a promoção de saúde mental, faz-se necessário um contexto em que haja respeito aos direitos dos sujeitos (Souza, Panúncio-Pinto & Fiorati, 2019) e um movimento de potencialização da cidade como local capaz de promover transformações nas noções sobre loucura, institucionalização e diferença, trabalhando em prol do cuidado à saúde mental como aspecto que precisa de um espaço potente para desenvolver-se (Honorato, 2022). Nesse cenário, as crianças e adolescentes ainda são vistos, mesmo pelos serviços da rede de políticas públicas, como pessoas ora sem liberdade e autonomia ora infratoras ou culpadas por suas questões de saúde mental e pelo lugar que ocupam socialmente (Aristides & Salvadori, 2021). Tomando o CRAS como um espaço público voltado à promoção da cidadania e fortalecimento de vínculos, esses movimentos tão necessários à saúde mental da sociedade, incluindo das crianças e adolescentes, podem ser traçados nesse local como forma de promoção de direitos. Essas movimentações ancoram-se no modelo antimanicomial de atenção à saúde mental, que passa por formas de cuidado baseadas no fortalecimento dos vínculos, num movimento em que “em oposição ao processo diagnóstico-medicalização-cura, afirma-se a diferença-liberdade-vida” (Honorato, 2022, p. 28).

Com base nesse propósito, a Psicologia Social Crítica se mostra como uma teoria, metodologia e posicionamento ético-político em conexão com os objetivos do SUAS e da Proteção Social Básica, isto porque se fundamenta nos processos de transformação social, postura transdisciplinar e prática dialógica entre cidadãos, profissionais e pesquisadores e/ou estagiárias (Tavanti & Malvezzi, 2022). Encontramos, assim, uma perspectiva que não diferencia filosofia e prática, ou seja, a partir da noção de práxis caracterizam-se as intervenções psicossociais e comunitárias nos diversos cotidianos (Freitas, 2012; Ximenes et al., 2017).

Entendendo as questões psicossociais como construídas a partir da relação com o mundo social e cultural e sua estruturação histórica, a transformação dos sujeitos através de uma postura autônoma voltada às mudanças se coloca como essencial para a transformação da realidade concreta (Furlan, 2019). Dessa forma, a valorização de espaços públicos que contribuam para o desenvolvimento da autonomia e da reflexão sobre o cotidiano vivido respondem às metodologias do PAIF (Brasil, 2014), bem como estão alinhadas à visão e ao compromisso ético-político da Psicologia Social Crítica.

Ainda na dimensão da autonomia, pode-se pensar o lugar dos(as) adolescentes nesses movimentos de transformação. Os(as) adolescentes, no plural, caracterizam-se por múltiplos modos de ser e existir, constituindo-se de forma variável e distinta conforme o tempo histórico, geográfico e cultural. Contudo, discursos hegemônicos no atual contexto reduzem a adolescência como uma fase de crises e conflitos, principalmente relacionados à autoestima, personalidade e família; ou seja, acabam por naturalizar um tipo de adolescência, no singular, como um período problemático para o(a) adolescente. Tal avaliação equivocada demonstra-se limitada e questionável, impondo análises universalizantes sobre esses sujeitos e como eles(as), supostamente, deveriam agir na esfera social (Magro, 2002; Mendonça, É. S. M., Moura, R. P. S. M., Gaia, S. B. R., & Menezes, J. A., 2018).

Em outra direção, as visões que contemplam as adolescências e/ou juventudes, no plural, abrem espaço para que se desenhem outras formas de viver e se relacionar nos cotidianos (Mendonça et al., 2018). Levando em conta a perspectiva da Psicologia Social Crítica articulada aos princípios da política de Assistência Social, podemos falar em protagonismo dos(as) adolescentes, trazendo também uma visão reflexiva das condições de dominação e opressão sob as quais os mesmos são colocados (Aristides & Salvadori, 2021).

Dessa forma, um dos objetivos da ação relatada foi justamente trazer a possibilidade de protagonismo dos(as) adolescentes moradores da região Sul do município de Londrina ao possibilitar o encontro entre eles(as) e a criação de espaços de escuta, troca e interação social em um local seguro, estimulando a participação, o diálogo e a negociação de sentidos no cotidiano do trabalho no CRAS.

Metodologia

O trabalho com os adolescentes da Região Sul de Londrina, atendida pelo PAIF desenvolvido no CRAS Sul A, surgiu por meio de demandas trazidas pelos Colégios Estaduais da Região, sobretudo quanto à evasão de estudantes. Ao investigar mais a fundo as demandas escolares, através de conversas com as equipes pedagógicas dos colégios, foram identificadas diversas outras questões, destacando-se certa prioridade de atenção aos estudantes matriculados nas turmas do oitavo ano. Entre essas questões, não exclusivas dessas turmas, estavam diferenças de idade relevantes entre estudantes repetentes; questões de sexualidade; agressividade e uso de álcool e outras drogas. Contudo, também havia outras demandas que puderam ser identificadas como possíveis focos da atuação das equipes psicossociais com atuação no CRAS, como sofrimento familiar e social, sentimento de não pertencer à comunidade, relações de conflito e violência nos espaços institucionais e questões de saúde mental.

Buscando que os adolescentes dos Colégios da Região Sul A pudessem desenvolver sua autonomia, convívio social, pertencimento à comunidade, entre outros aspectos que poderiam ser trabalhos no diálogo entre os(as) participantes, foi pensado na proposta do trabalho em grupos. Além disso, esse formato seria um meio de fazer com que os sujeitos se tornem ativos em suas próprias vivências e, assim, na lida com os problemas enfrentados por eles(as) (Furlan, 2019). Compreendemos que o grupo, como forma de intervenção, constitui-se como dispositivo potencializador “de modos de singularização e de subjetivação, produzindo novas estéticas de existência” (Gomes, Maheirie, & Corrêa, 2021, p. 4), proposta condizente com as ações relacionadas ao PAIF, à Psicologia Social Crítica e à promoção de saúde mental.

Como forma de chamar à atenção desse público para a participação em um grupo, além de aumentar a adesão e a participação ativa dos(as) adolescentes, foi construída a proposta do trabalho de forma presencial com um jogo de interpretação de papéis ou Role-Playing Game (RPG). O RPG é um tipo de jogo frequentemente praticado por adolescentes e jovens e que pode favorecer aspectos como interação social, tomada de decisão, trabalho em grupo, autonomia e raciocínio (Costa, Guedes, & Alberto, 2021). Esse tipo de jogo se caracteriza pela tomada de decisão dos personagens, desenhados pelos(as) jogadores/as, dentro de situações fictícias. Assim, o RPG se baseia em um conjunto de informações sobre o universo onde se passam os acontecimentos (geografia, clima, tempo histórico, criaturas existentes) e regras que garantam a lógica do universo e do jogo (Vasques, 2008). Para trabalhar o pertencimento ao território e também mobilizar a pensar o lugar em que vivem, foi adotado como cenário a Região Sul da cidade de Londrina, porém os aspectos de tempo histórico e ficções envolvidas nesses territórios foram pensadas em conjunto com os(as) adolescentes. A lógica do universo e regras do jogo foram pensadas pelas estagiárias de psicologia que guiaram a intervenção e tendo como base diretrizes de RPG mais simples, a fim de facilitar o entendimento e engajamento do grupo.

Para agirem no jogo, os(as) participantes precisam preencher as fichas dos personagens que irão interpretar, contendo suas características, níveis de habilidade, itens, aparência, entre outras questões (Vasques, 2008). Desenhando o próprio personagem e agindo através dele, o jogador pode expressar suas emoções e valores, além de fomentar a interação com outros(as) jogadores/as, já que muitas vezes é necessário trabalhar em equipe para enfrentar certas situações. Dessa forma, o RPG proporciona um ambiente rico de interação, diálogo, experiências, relacionamentos, novos conhecimentos e experimentações de maneiras de ser (Nunes, 2004). A ficha utilizada para essa experiência foi encontrada online e modificada para nosso uso, sendo retiradas algumas especificações.

Já que os jogos podem ser vistos como uma forma de representar as vivências reais (Nunes, 2004), as estagiárias de psicologia utilizaram-se do papel de “mestre” ou “narrador” do jogo para poderem articular essas vivências através das situações do RPG. A função do mestre nesse jogo é delinear a base das aventuras que serão vividas dentro do universo, além de manter a lógica das ações e do universo desenvolvido ao narrar as consequências das ações dos personagens e testar suas habilidades. Uma vez que cada personagem pode escolher livremente suas ações, a história pode seguir cursos diferentes dos pensados pelo mestre, que deve improvisar com base nas lógicas do universo (Vasques, 2008).

Para a divulgação do grupo, foram realizadas diferentes estratégias: distribuição de fichas de inscrição nas escolas da região; divulgação no Status do Whatsapp CRAS Sul A; e divulgação entre os inscritos pelas fichas, pedindo que convidassem amigos e familiares, caso desejassem. Os encontros ocorreram no espaço do CRAS Sul A, mais especificamente na área que é compartilhada com a Biblioteca Municipal, e foram facilitados por duas estagiárias de psicologia, contando também com o apoio e observação de uma psicóloga e uma bibliotecária. No total foram realizados 4 encontros, com duração de cerca de 2 horas cada, com em torno de 7 participantes.

Vale dizer que as estagiárias fizeram uso do diário de campo para o acompanhamento do cotidiano no CRAS Sul A, bem como para a construção da proposta do trabalho em grupo e, consequentemente, o registro das observações produzidas nos encontros com os(as) adolescentes. Nesse sentido, a utilização do diário de campo no estágio passou a ser compreendida como parte significativa da ação de pesquisa e intervenção. Ou mais: “com ele e nele a pesquisa começa a ter certa fluidez, à medida que o pesquisador dialoga com esse diário, construindo relatos, dúvidas, impressões que produzem o que denominamos de pesquisa” (Medrado, Spink, & Mello, 2014, p. 278). Em suma: “o diário permite a impressão de notas (como na música) já ouvidas ou conhecidas, mas que serão montadas de outra forma produzindo certa ‘composição’ (como as conclusões de uma pesquisa)” (idem, p.278).

Resultados e Discussão

De modo a apresentar os resultados desta experiência de estágio em psicologia, co-produzidos de forma horizontal entre profissionais, estagiárias e adolescentes no cotidiano do CRAS Sul A, sobretudo, durante os encontros realizados em grupo com os(as) adolescentes durante as vivências do jogo de RPG; optou-se por separar os registros produzidos em diários de campo em 4 blocos. Tal divisão responde a um duplo objetivo: 1) caracterizar a singularidade de cada encontro; e 2) possibilitar a construção de reflexões analíticas articuladas à compreensão teórico-metodológica e ético-política da Psicologia Social Crítica, em diálogo com os saberes e práticas do campo multidisciplinar da saúde coletiva como práxis em saúde mental.

Encontro 1

No primeiro encontro compareceram 7 adolescentes. As duas estagiárias de psicologia, psicóloga e bibliotecária se apresentaram aos adolescentes e foi pedido que eles(as) também falassem seus nomes. Foi possível perceber, por meio das apresentações e perguntas, que os(as) adolescentes já tinham alguma proximidade com o mundo de jogos, filmes e/ou leituras, ou seja, produções criativas fictícias. Logo, foi iniciada a explicação sobre o RPG e pontos principais do jogo. Com isso, foi conversado com eles(as) sobre o universo em que o RPG se passaria, expondo que a ideia seria que as histórias se passassem na região em que eles(as) vivem, mas em um formato alternativo – Era Medieval, Distopia, Terror, Ficção, entre outros. A definição que se criou é que o universo seria uma distopia, porém com influências de ficção e terror. A partir disso, as estagiárias compartilharam uma proposta de um universo pós-apocalíptico por conta das questões climáticas atuais e dos conflitos nucleares.

A etapa de criação das personagens englobou a construção das identidades dessas figuras, níveis de habilidade, itens levados, sua história de vida e aparência. Para isso, foram entregues fichas de RPG para a escrita das informações e uma folha sulfite para o desenho do personagem e de seus itens. Ao longo da elaboração e posterior apresentação das personagens, os(as) participantes demonstraram muito empenho na tarefa e trouxeram dúvidas sobre o jogo e até onde poderiam explorar sua imaginação sobre as personagens. Foi possível também perceber que alguns exploraram mais possibilidades, enquanto outros se inspiraram em personagens já existentes e/ou tiveram mais dificuldade em pensar um passado para suas personagens.

Nesse encontro, observou-se de forma significativa a mobilização da imaginação para a criação das personagens e a liberdade e disponibilidade para o compartilhamento das ideias sobre o jogo, além disso, pode-se dizer que foi constituído entre os(as) participantes um espaço de convivência solidário e seguro.

Figura 1 – Ficha de participante ao fim dos encontros (uso autorizado)
Encontro 2

Neste encontro, compareceram 6 dos 7 participantes. Com os personagens confeccionados, o segundo encontro teve como objetivos: 1) fazer uma apresentação detalhada dos participantes, seus personagens, pontos em comum e divergentes entre eles(as) e utilidades de suas habilidades no jogo, buscando que eles(as) falassem mais sobre si com auxílio das personagens; 2) realizar uma dinâmica de aquecimento, na qual cada participante deveria fazer uma mímica sobre as possíveis funções de um objeto (lápis); 3) estabelecer um combinado sobre a busca de referências e leituras relacionadas ao universo do RPG atreladas a ganhos das personagens; e 4) realizar a primeira partida de RPG com os(as) participantes, tendo como base uma história confeccionada anteriormente pelas estagiárias durante a semana de preparação dos encontros.

Durante a apresentação das personagens, alguns não souberam apresentar pontos em comum com eles(as), mas duas das participantes mencionaram que teriam em comum seu “passado obscuro”, sem dar mais detalhes. Devido ao vínculo com e entre os(as) participantes ainda ser recente, essas respostas não foram exploradas, mas as estagiárias e a psicóloga mantiveram isso sob atenção para momentos futuros. Apesar de não haver aprofundamento, foi possível conhecer melhor sobre os(as) participantes e seus interesses. A dinâmica com a mímica permitiu conhecer melhor sobre os(as) participantes e eles(as) foram encorajados(as) a valorizar as suas interpretações.

Após a conversa sobre a busca de referências externas, iniciou-se a partida com a introdução do universo criado para o RPG. Durante a contação sobre ele, os participantes levantaram relações com obras de ficção que eles(as) haviam entrado em contato e tiveram suas dúvidas sobre a história e as condições nesse contexto. Depois do início do jogo, todos(as) participaram ativamente e se empenharam para resolver os problemas que eram colocados a partir do que imaginavam ser mais efetivo, conversando entre si para tomar decisões e lidando com as discordâncias de forma brincalhona. Ao perceberem o fim do encontro e o momento de finalização da história, se mostraram ansiosos pela sua continuidade. Com isso, verificou-se que esse encontro abriu ainda mais um espaço de interação e convivência para os(as) participantes, além de estimular sua curiosidade e engajamento no grupo.

Encontro 3

No terceiro encontro compareceram 7 participantes, sendo um deles um participante novo convidado pelos demais. O encontro teve como objetivos: 1) verificar novas referências e/ou leituras entre os(as) participantes; 2) a realização de outra dinâmica de aquecimento, caracterizada por um jogo no qual cada um deveria fazer uma mímica ou desenhar um animal que tivesse algo em comum consigo e o grupo deveria tentar adivinhar o animal e a característica em comum; 3) realizar a segunda partida de RPG com os(as) participantes, dando continuidade à história anterior e se baseando em uma trajetória pensada anteriormente pelas estagiárias.

Durante a aplicação da dinâmica, o novo participante confeccionou seu próprio personagem. Entre os demais participantes, alguns trouxeram animais que já estavam relacionados com apelidos ou associação feita por amigos em seus círculos de convivência, ligando características neutras ou positivas com tais animais. Dos demais participantes, somente um não ligou o animal escolhido com características neutras ou positivas e disse que havia escolhido um pato pois “ele faz tudo errado”. Usamos esse momento para conversar sobre os diferentes pontos de vista com relação ao pato e como pensávamos que o pato estaria associado a outras características positivas dele. Após o término do encontro, esse fato foi conversado com a psicóloga do CRAS para estarmos atentas a essa situação e na medida do possível retomar a conversa.

Para a continuação do jogo de RPG, foram retomados os aspectos mais relevantes do universo e o ocorrido na semana anterior. Nessa semana, os(as) participantes também participaram ativamente, mas demoraram a fazer as decisões por conta de outras conversas dentro do jogo e dificuldades em tomar ações coletivas. Contudo, foi possível observar muita interação entre eles(as) e que estavam confortáveis para expressar-se livremente neste espaço. A história preparada não terminou nesse encontro e sua continuidade foi deixada para a semana seguinte, apesar de eles(as) desejarem continuar o jogo mesmo após o término do encontro.

Encontro 4

Em nosso quarto e último encontro, compareceram 7 participantes, incluindo o participante da semana anterior, e um convidado novo. O encontro teve como objetivos: 1) verificar novas referências e/ou leituras entre os(as) participantes; 2) a realização de uma dinâmica de aquecimento, sendo escolhida para esse encontro uma meditação guiada baseada em imaginação; 3) dar continuidade à partida de RPG, propondo um final possível, porém deixando aberta a possibilidade de continuidade da história; 4) realizar uma dinâmica de fechamento e despedida, com a proposta de escrever uma carta com o que a personagem de cada um diria ao mundo, para depois trocarem entre si essas cartas.

A dinâmica de meditação iniciou-se por um diálogo sobre eles(as) já terem feito ou não meditações e os benefícios delas para a vida e no jogo. Foi escolhida uma meditação guiada que explorava a respiração e a imaginação. Apesar de no início alguns participantes estarem mais inquietos, logo todos(as) começaram a participar do exercício, que durou cerca de 15 minutos. Ao final, perguntando o que tinham achado e como se sentiram, houve relatos sobre estarem mais relaxados e tranquilos.

Para seguirmos como o jogo, novamente foi feita a introdução ao universo e retomados os acontecimentos das outras partidas. Os(as) adolescentes participaram ativamente das ações com suas personagens e se engajaram em saber quais tinham sido os resultados de suas ações no jogo. Houve mais organização entre as rodadas. Eles(as) demonstraram empatia ao compartilhar itens e magias que ajudariam a curar outros(as) participantes, além da preocupação em como se prevenir com relação a ficarem sem pontos para atacar ou agir no coletivo.

Para a dinâmica de fechamento, foram distribuídas folhas sulfite, lápis de cor, giz e outros materiais, e solicitado para que eles(as) escrevessem uma carta vinda das suas personagens. Todos(as) seguiram a proposta e colocaram mensagens interessantes, alguns agradecendo pela ajuda e colaboração entre todos(as) durante o jogo. Um dos participantes escreveu uma carta de agradecimento às estagiárias pela oportunidade do grupo. Outro adolescente trouxe uma mensagem encorajadora em sua carta, além de retratar os(as) amigos(as) de aventura e características singulares.

Com relação às avaliações feitas pelos participantes sobre o grupo, foram positivas e pontuaram aspectos como ter mais encontros na semana, ser um projeto que continuasse a ocorrer e ter uma maior ou menor duração dos encontros. Ao serem perguntados se gostariam de serem multiplicadores/as deste projeto, auxiliando no planejamento e condução de futuros grupos, 3 dos adolescentes se interessaram na proposta, o que pode ser uma demonstração do desenvolvimento de autonomia e protagonismo dos participantes, além da criação de conexões com a política pública.

Considerações Finais

No início do planejamento do grupo, houve certo receio com relação à adesão desse público ao grupo e a realizá-lo no espaço físico do CRAS Sul A, um local que os(as) adolescentes não costumam frequentar. Contudo, a adesão durante os encontros foi muito boa, tanto em questões de frequência quanto pela participação empolgada dos(as) adolescentes. Dessa forma, o espaço do CRAS e da Biblioteca Municipal puderam ser apropriados por eles(as), que agora conhecem o local e sabem que esse é um espaço deles(as) e que poderão utilizar futuramente.

Além disso, alguns dos(as) adolescentes se mostraram desejantes pela continuidade do grupo, inclusive se colocaram como multiplicadores da proposta e considerando a animação e descontração demonstrada nos encontros, esse provavelmente foi um espaço confortável e seguro para a livre expressão das suas vivências. Durante o percurso do grupo, também pode-se observar o desenvolvimento da criatividade, trabalho em grupo, tomada de decisão e raciocínio dos(as) participantes, já que esses são aspectos essenciais ao jogo de RPG.

Nesse sentido, entende-se que o trabalho com os(as) adolescentes utilizando esse tipo de jogo se faz possível, porém mediante a criação de vínculos valiosos com e entre os(as) participantes, estabelecendo uma relação não de fiscalização e ordem, mas de confiança entre os próprios integrantes e deles/s com os(as) profissionais do PAIF. A construção desse vínculo de confiança foi vista através das cartas ao fim dos encontros, mas também no modo como os(as) participantes agiram de forma espontânea e tranquila e relataram gostar da presença e companhia das estagiárias.

Portanto, a partir das conversas e dos encontros semanais entre estagiárias, profissionais do SUAS e cidadãos, conforme previsto no modelo de Proteção Social Básica da Política Nacional de Assistência Social, e potencializado pelas ações e reflexões críticas da Psicologia Social, foi possível a construção de espaços compartilhados e vínculos solidários entre todos(as), que resultaram em práticas de cuidado humanizado, promoção de saúde mental, potencialização da autonomia e autoestima para adolescentes que vivem em territórios vulnerabilizados.

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APA — Lopes, I. R., Carvalho, L. I., & Tavanti, R. M. (2022). RPG com adolescentes no CRAS: contribuições da psicologia social. CadernoS de PsicologiaS, 3. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/rpg-com-adolescentes-no-cras-contribuicoes-da-psicologia-social/

ABNT — LOPES, I. R.; CARVALHO, L. I.; TAVANTI, R. M. RPG com adolescentes no CRAS: contribuições da psicologia social. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 3, 2022. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/rpg-com-adolescentes-no-cras-contribuicoes-da-psicologia-social/ Acesso em: __/__/___.