Revista CadernoS de PsicologiaS

Tecer redes e criar novos sentidos: a supervisão clínico-institucional nos CAPs de Serra Talhada-PE

Annaraí Virgínia Barbosa dos Santos
Pós-graduada em Saúde Coletiva

Psicóloga (CRP 02/19733). E-mail: annaraisantos@gmail.com
Lea Maria Lima Lins
Apoiadora Institucional de Saúde Mental do HCTP - Secretaria de Saúde de Pernambuco

Psicóloga (CRP 02/11855). E-mail: lealimalins@yahoo.com.br
Polyana Felipe Ferreira da Costa
Docente da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE).

Campus Serra Talhada Enfermeira. E-mail: polyana.upe@gmail.com

#Relatos_de_experiência

Resumo: A Supervisão Clínico Institucional (SCI) é uma ferramenta de qualificação e melhoria no processo de trabalho dos profissionais de saúde mental comprometida com o fortalecimento da Atenção Psicossocial e da rede intersetorial. O presente estudo teve por objetivo sistematizar a vivência da observação da SCI nas unidades dos três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Serra Talhada-PE. Foi realizado um estudo qualitativo, as informações recolhidas foram submetidas à análise de conteúdo de modo a identificar categorias, as quais se subdividiram em: As três ilhas; A SCI como espaço de Educação Permanente; Os estudos de caso numa perspectiva dialógica e transversal. Os desdobramentos das categorias possibilitaram concluir que a partir da SCI emergiram novos modos de cuidado ao usuário, integração e enfrentamento de impasses entre os profissionais, resultando em um maior comprometimento com as Políticas de Saúde Mental.

Palavras-chave: saúde mental; supervisão clínico-institucional; centro de atenção psicossocial.

WEAVING NETWORKS AND CREATING NEW MEANINGS: THE CLINICAL-INSTITUTIONAL SUPERVISION IN CAPS OF SERRA TALHADA-PE

Abstract: Institutional Clinical Supervision (SCI) is a qualification and improvement tool in the work process of mental health professionals committed to strengthening Psychosocial Care and the intersectoral network. The present study aimed to systematize the experience of observing SCI in the units of the three Psychosocial Care Centers (CAPS) in Serra Talhada-PE. A qualitative study was carried out, the information collected was submitted to content analysis in order to identify categories, which were subdivided into: The three islands; SCI as a permanent education space; Case studies in a dialogical and transversal perspective. The developments in the categories made it possible to conclude that from the SCI new ways of caring for the user emerged, integration and coping with impasses among professionals, resulting in a greater commitment to Mental Health Politics.

Keywords: mental health; clinical-institutional supervision; psychosocial care center.

TEJER REDES Y CREAR NUEVOS SENTIDOS: LA SUPERVISIÓN CLÍNICO-INSTITUCIONAL EN LOS CAPS DE SERRA TALHADA-PE

Resumen: La Supervisión Clínico Institucional (SCI) es una herramienta de calificación y mejora en el proceso de trabajo de los profesionales de salud mental comprometida con el fortalecimiento de la Atención Psicosocial y de la red intersectorial. El presente estudio tuvo como objetivo sistematizar la experiencia de la observación de las SCI en las unidades de los tres Centros de Atención Psicosocial (CAPS) de Serra Talhada-PE. Fue realizado un estudio cualitativo, y las informaciones recogidas fueron sometidas a análisis de contenido para identificar categorías, las cuales se subdividiron en: Las tres islas; La SCI como espacio de Educación Permanente. Los estudios de caso en una perspectiva dialógica y transversal. El despliegue de las categorías posibilitaron concluir que desde la SCI emergieron nuevos modos de cuidado al usuario, integración y enfrentamiento de dificultades entre los profesionales, resultando un mayor compromiso con las Políticas de Salud Mental.nil; Covid-19;  promoción de la salud.

Palabras clave: salud mental; supervisión clínico-institucional, centro de atención psicosocial.

1. Introdução

S egundo o Ministério da Saúde (2018), os CAPS nas suas diferentes modalidades são pontos de atenção estratégicos da RAPS: serviços de saúde de caráter aberto e comunitário, constituído por equipes multiprofissionais e que atuam sobre a ótica interdisciplinar, realizando prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, em sua área territorial, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial, sendo substitutivos ao modelo asilar.

No ano de 2004, durante o Congresso Brasileiro dos CAPS (promovido pela Coordenação Nacional de Saúde Mental)  um grupo de trabalho deliberou sobre a implantação de supervisão clínico-institucional nesses serviços. Na avaliação nacional dos CAPS  verificou-se a inexistência de acompanhamento e supervisão clínico institucional regular na maioria dos CAPS de todos os estados e do distrito federal. A partir da Portaria nº 1174, publicada pelo Ministério da Saúde em julho de 2005, foi estabelecido o Programa de Qualificação dos CAPS (Portaria nº 1.174) o qual inclui a supervisão clínico-institucional regular (semanal) no seu campo de ação. 

De acordo com o Ministério da Saúde (2007) a supervisão deve ser “clínico-institucional”, no sentido de que a discussão dos casos clínicos deve sempre levar em conta o contexto institucional, isto é, o serviço, a rede, a gestão, a política pública. Assim, ao supervisor cabe a complexa tarefa de contextualizar permanentemente a situação clínica, foco do seu trabalho, levando em conta as tensões e a dinâmica da rede e do território.

A portaria nº 1.174, publicada pelo Ministério da Saúde em 2005, define como supervisão clínico-institucional o trabalho de um profissional de saúde mental externo ao quadro de profissionais dos CAPS, com comprovada habilitação teórica e prática, que trabalhará junto à equipe do serviço durante pelo menos 3 a 4 horas por semana, no sentido de assessorar, discutir e acompanhar o trabalho realizado pela equipe, o projeto terapêutico do serviço, os projetos terapêuticos individuais dos usuários, as questões institucionais e de gestão do CAPS e outras questões relevantes para a qualidade da atenção realizada. 

Figueiredo (2008) pontua que o supervisor é aquele que, desvencilhado do saber como docente ou instrutor, atua no sentido de garantir a responsabilidade partilhada em equipe e de cada um em seu ato. Assim, valendo-se da posição de êxtimo, como alguém que está ao mesmo tempo fora, mas no mesmo movimento da equipe, ocupa-se do lugar de não-saber. Pois, visa-se a construção compartilhada do caso e a responsabilização de cada um da equipe pelo seu ato.

O objetivo deste estudo foi descrever os desafios implicados na supervisão clínico institucional, identificando o efeito da Supervisão no processo de trabalho dos profissionais dos CAPS do município de Serra Talhada-PE.

2. Percurso Metodológico

O presente estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória, a qual, segundo Minayo (2000), permite compreender as informações e conhecimentos quanto ao objeto de pesquisa, trabalhando com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, dos valores, das crenças e das atitudes, inerentes à realidade social investigada. 

A abordagem metodológica adotada trata-se de um relato de experiência com a finalidade de registrar a minha vivência como observadora participante das reuniões de Supervisão Clínico Institucional (SCI) dos CAPS do município de Serra Talhada. De acordo com Queiroz et al. (2007), a observação participante consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação.

De acordo com Turato (2005), na abordagem qualitativa o pesquisador é o próprio instrumento de pesquisa, usando diretamente seus órgãos do sentido para apreender os objetos em estudo, espelhando-os então em sua consciência onde se tornam fenomenologicamente representados para serem interpretados. Para o autor, depreende-se que o pesquisador qualitativista não quer explicar as ocorrências com as pessoas, individual ou coletivamente, listando e mensurando seus comportamentos ou correlacionando quantitativamente eventos de suas vidas. Porém, ele pretende conhecer a fundo suas vivências, e que representações essas pessoas têm dessas experiências de vida.

Nesse sentido, a coleta de dados ocorreu no período de maio a setembro de 2019, em encontros semanais às quartas feiras pela manhã, vale ressaltar que a Supervisão Clínico Institucional (SCI) foi implantada nos serviços dos CAPS de Serra Talhada no mês de novembro do ano de 2018.

O registro das observações foi realizado num diário de campo uma vez que esta ferramenta possibilita detalhar, aprofundar e problematizar as questões que apareceram no decorrer dos encontros com os profissionais do CAPS e a supervisora. A escrita do diário é transversal, permitindo explorar os diversos objetos (pensamentos, sentimentos, leitura de textos, entre outros). Por meio do diário, temos uma acumulação do registro, das experiências, reflexões e sentimentos, e com o transcorrer do tempo ele pode adquirir uma dimensão histórica, tornando-se um banco de dados (Hess, 2006). 

Em todas as reuniões foram feitas anotações pontuais, com palavras chave, às vezes era possível descrever os fenômenos com mais detalhes. Eu buscava estar atenta ao que ocorria, para posteriormente na escrita do diário relatar com maior riqueza de detalhes os sentimentos e as entrelinhas do que foi vivenciado. O pesquisador de base qualitativa observa tudo, o que é ou não dito: os gestos, o olhar, o balanço, o meneio do corpo, o vaivém das mãos, a expressão de quem fala ou deixa de falar, porque tudo pode estar imbuído de sentido e expressar mais do que a própria fala, pois a comunicação humana é feita de sutilezas (Demo, 2012).

3. A análise dos dados

Os dados contidos no diário de campo foram previamente analisados, por meio da análise de conteúdo, que, conforme Bardin (2011) consiste no desmembramento do texto em categorias agrupadas analogicamente.  O método Análise de Conteúdo de Bardin (2011) tem as seguintes fases para a sua condução: a) organização da análise; b) codificação; c) categorização; d) tratamento dos resultados, inferência e a interpretação dos resultados. O processo de formação das categorias se concretizou da forma prevista por Bardin (2011), após a seleção do material e a leitura flutuante, a exploração foi realizada através da codificação. Formulei as categorias a partir dos elementos que mais apareceram nas anotações do diário de campo e tiveram maiores desdobramentos nas minhas observações da SCI. 

4. O campo de observação

O município de Serra Talhada está localizado na mesorregião do Sertão Pernambucano e da microrregião do Pajeú, com uma área de 2.979,974 Km², fica a 415 km da capital pernambucana, Recife. Clima semiárido, a população está estimada em média de 86.350 pessoas (IBGE, 2018). A economia se distribui entre agropecuária, comércio, indústria, saúde e educação, gerando empregos públicos e privados na área urbana, o que atrai migrações para a cidade.

As três unidades dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS localizadas em Serra Talhada se organizam da seguinte maneira: 01 CAPS II (atende o município de Serra Talhada), 01 CAPS AD III (atende às demandas de toda a XI Gerência Estadual de Saúde – GERES), CAPS i (infanto juvenil) houve a pactuação para o equipamento atender também usuários dos municípios de São José de Belmonte e Betânia. Inicialmente, a primeira autora solicitou autorização à supervisora clínico-institucional dos CAPS de Serra Talhada para acompanhar as reuniões, as quais são realizadas todas às quartas-feiras das 8:00 às 12:00. As reuniões são distribuídas em um rodízio para que a supervisão ocorre in loco em cada um dos CAPS: (Transtorno, Infanto Juvenil e AD), desse modo cada CAPS recebe uma visita mensal da supervisora, participam das reuniões todos os profissionais de nível superior e os profissionais de nível médio que atuam nas atividades administrativas dos CAPS. E na última quarta-feira do mês ocorre uma reunião de supervisão integrada, reunindo as três equipes, de modo a integrar os equipamentos, e há um momento de educação permanente.

5. Resultados e discussão
5.1 Elaboração das categorias de análise

A análise dos resultados se deu a partir das anotações do diário de campo elas foram confrontadas com referencial teórico que propiciou a base para análise de conteúdo e elaboração das categorias. 

Bardin (2011) apresenta os critérios de categorização, ou seja, escolha de categorias (classificação e agregação). Categoria, em geral, é uma forma de pensamento e reflete a realidade, de forma resumida, em determinados momentos. Na perspectiva da análise do conteúdo, as categorias são vistas como rubricas ou classes que agrupam determinados elementos reunindo características comuns. No presente estudo foram definidas as seguintes categorias:  I – As três ilhas; II – A Supervisão Clínico Institucional como espaço de Educação Permanente; III – Os estudos de caso numa perspectiva dialógica e transversal.

Categoria I – As três ilhas

Em busca de compreender os fatores que contribuíram com a implantação da SCI nos CAPS de Serra Talhada, fez-se necessário solicitar à supervisora clínico institucional algumas informações para compreender a sua inserção nesse projeto de qualificação da RAPS de Serra Talhada. 

A descrição desta cena pode ser observada a partir da seguinte forma, pelo diário de campo da pesquisadora: Um dos principais objetivos que conduziram a implantação da SCI consistiu em fortalecer a unidade e integração das três modalidades de CAPS do município de Serra Talhada. Não existia nenhum espaço para sistematização de ações, as equipes se assemelhavam a três ilhas que trabalhavam sozinhas. Habitualmente as três modalidades de CAPS comunicavam-se unicamente durante a  referência e contrarreferência dos encaminhamentos dos usuários.  Para que ocorresse o fortalecimento do trabalho em rede, era necessário arrumar primeiramente a casa, iniciando no serviço dos CAPS, no intuito de reorganizar a RAPS num movimento de dentro para fora.   

A SCI teve um papel fundamental na integração das equipes das três unidades de CAPS do município, seja por oportunizar as equipes um contato mensal pelas reuniões integradas, como pela reorganização da rotina de matriciamento das equipes dos CAPS junto às equipes de Atenção Básica. A presença do CAPS no território viabiliza o cuidado do usuário no seu contexto comunitário.

A partir da SCI foi definido que grupos de 03 profissionais, sendo 01 de cada CAPS ficariam responsáveis por matriciar áreas específicas do município de Serra Talhada. O alinhamento desses grupos formados para as atividades nos territórios foi muito importante para uma melhoria no diálogo e coesão entre as três equipes, os profissionais atuam juntos objetivando a resolutividade de casos de transferência do cuidado do usuário em seu território. Constroem junto com a equipe da Atenção Básica uma linha de cuidado para o usuário.

De acordo com Lins (2018) a supervisão é uma estratégia que promove a manutenção da reflexão sobre o processo de trabalho, possibilitando que o serviço desenvolvido no CAPS constitua-se como um fazer vivo, dinâmico e flexível, uma vez que instiga a equipe para pensar sobre as ações, utilizando-se de várias estratégias e criando barreiras à automatização das atividades. Com isso, abre campo ao movimento nas equipes, buscando alternativas de cuidados singulares, principalmente em situações complexas.

A construção da rede precisa perpassar primeiramente a equipe interna de modo a alcançar os equipamentos que estão fora, fazer esse tipo de alinhamento e integração entre os profissionais é uma tarefa desafiadora. Em alguns momentos apenas os nós são visíveis, mas à medida que se faz circular a palavra, possibilidades emergem e o processo vai ganhando fluidez.

Categoria II – A Supervisão Clínico Institucional como um espaço de Educação Permanente em Saúde

De acordo com a Política Estadual de Saúde Mental de Pernambuco (2018) é fundamental promover mecanismos de educação permanente em saúde mental para a rede de saúde e intersetorial. Induzir a descentralização pedagógica do SUS, com o intuito de garantir a ampliação qualificada da RAPS para o ensino aprendizagem no exercício do trabalho, junto aos dispositivos de cuidado estratégicos. A SCI se configura como um espaço de educação permanente.

Para Ceccim (2005) aquilo que deve ser realmente central à Educação Permanente em Saúde é sua porosidade à realidade mutável e mutante das ações e dos serviços de saúde; é sua ligação política com a formação de perfis profissionais e de serviços, a introdução de mecanismos, espaços e temas que geram autoanálise, autogestão, implicação, mudança institucional, enfim, pensamento (disruptura com instituídos, fórmulas ou modelos) e experimentação em contexto, em afetividade.

Durante as observações identifiquei na prática esse fenômeno, no dia 29 de maio participei da minha primeira reunião de supervisão. Nesse dia foi realizada a supervisão integrada, com a presença do profissional responsável pelo Eixo de Monitoramento e Avaliação da Qualidade da rede dos serviços de saúde mental da prefeitura do Recife. Na ocasião o profissional facilitou uma capacitação sobre os registros de indicadores de procedimentos de CAPS, destacando as diferenças entre os 03 instrumentos oficiais de registro: BPA-I (boletim de produção ambulatorial individualizado), BPA-C (boletim de produção ambulatorial consolidado), RAAS (Registro das ações ambulatoriais de saúde). 

Nessa reunião havia aproximadamente 30 profissionais dos três CAPS, algumas dúvidas foram sanadas para essas equipes, foi possível perceber que os profissionais demonstraram bastante interesse em compreender os procedimentos corretos de registros da produtividade dos CAPS. Foram analisados os registros de cada CAPS e cada equipe conseguiu identificar onde estavam as falhas, senti uma boa integração do grupo para implementar a melhoria no serviço, de modo que a reunião que findara não fosse apenas uma capacitação, e sim um novo caminho para direcionar o processo de trabalho.

De acordo com a Política Estadual de Saúde Mental de Pernambuco é fundamental que a equipe do CAPS possa monitorar e qualificar os registros dos procedimentos realizados pelas equipes dos CAPS seguindo a Portaria nº 854 de 22 de agosto de 2012. Nesse sentido é perceptível o alinhamento da execução da SCI no município de Serra Talhada com a Política Estadual de Saúde Mental de Pernambuco. 

Convêm destacar que a qualificação de monitoramento e avaliação dos registros dos CAPS foi bastante assertiva, a longo prazo potencializou a melhoria dos registros de procedimentos nos três serviços. 

Segundo os autores Batista e Maldonado (2014), quando os registros são bem executados, a informação em saúde representa um ganho para os profissionais e para a sociedade. Sendo ferramentas de apoio ao processo de tomada de decisão e auxílio no controle das organizações de saúde, visando o alcance da melhoria da Atenção à Saúde individual ou coletiva, dependendo do ganho de eficiência e eficácia no registro, recuperação e manipulação das informações sobre a saúde por parte dos envolvidos.

Categoria III – Os Estudos de caso numa perspectiva dialógica

Os autores Silva, Beck, Figueiredo e Preste (2012) descreveram a supervisão como um espaço não só de resolução, mas também de construção de problemas, entendendo tal problematização como um processo educativo e pedagógico, produtor de um trabalho de educação permanente horizontal entre os ideais do supervisor e o desejo e o conhecimento dos trabalhadores nas equipes.

Na conferência Redes, Territórios, Intersetorialidade e Saúde Mental, Pitta (2006) afirma que o supervisor é alguém que age como catalisador e tradutor de sentimentos favorecendo leituras que permitam o grupo a trabalhar os conflitos e que acompanhe a equipe, para “trabalhar o trabalho” cotidiano em “encontros-instituintes”. A partir da discussão de casos, ou do exame de uma situação de crise, ou ainda o debruçar-se sobre qualquer situação adversa ou não, possa se desenvolver uma cultura de compartilhamento e encontro de novas soluções para dilemas clínicos e/ou institucionais que, por serem discutidos coletivamente, formará e informará toda a rede que estabelece na equipe, numa espiral crescente de conhecimento e experiência compartida.

Nessa categoria de análise é importante destacar a relevância dos estudos de caso vivenciados nas reuniões, os quais foram ferramentas de educação permanente que puderam produzir melhores respostas às demandas dos usuários e do território, as reflexões e desdobramentos disparados nesses momentos reverberaram fortemente na prática dos profissionais. 

O exercício da discussão e construção coletiva dos casos desafiou a equipe a experimentar novas linhas de cuidado, os quais foram construídos e geridos coletivamente. Identificando as conquistas e evolução do quadro do usuário para inseri-lo no território, dando continuidade ao cuidado a partir de um encaminhamento implicado com a reabilitação psicossocial e autonomia ao sujeito. 

Conforme o diário de campo da autora, algumas mudanças no processo de trabalho foram frutos dos estudos de caso a partir de um processo gradativo com a implicação dos profissionais.

Ainda que a reunião de SCI se fizesse priorizando a horizontalidade entre os profissionais dos CAPS e a supervisora, era perceptível a expectativa da equipe em relação à supervisora em torno do saber acerca dos casos clínicos debatidos, de uma resolução dos problemas e criação de possibilidades. Esse fenômeno apareceu no início das observações de estudos de caso nas três equipes dos CAPS, a equipe trazia a demanda, mas para pensar a estratégia de cuidado e mudanças na condução do caso os profissionais demonstravam aguardar um feedback da supervisora. Desse modo, a figura da supervisora, está diretamente ligada à de mestre e detentora das soluções. De modo a não se apropriar desse papel de mestre a supervisora convocava a equipe a construir os encaminhamentos da demanda.

Em um encontro no CAPS II, numa situação semelhante a supracitada, a supervisora questionou a equipe acerca da participação dos técnicos de referência nas reuniões de estudo de caso que ocorriam semanalmente no serviço, uma problemática importante apareceu, alguns profissionais estavam  priorizando por em prática outras tarefas durante o horário da reunião de estudo de caso da equipe, existindo grande evasão dos profissionais nesse momento crucial para o serviço. Inclusive a reunião de estudo de caso seria o filtro para seleção dos casos que deveriam ser levados para o momento da SCI visto que ocorre apenas uma vez ao mês. A supervisora reforçou a importância de sanar essa falha e orientou que esses profissionais fizessem ajustes viáveis na rotina de modo a priorizar a participação nessas reuniões. A longo prazo foi possível perceber nessa equipe uma maior implicação no processo de elaboração de estratégias de cuidado para os usuários.

A supervisão se constitui um espaço de problematização, não de resolução de problemas, é uma aposta em um dispositivo no qual a equipe e os profissionais participantes possam relançar um olhar sobre si mesmos, sua relação com os usuários, com a rede, entre outros, suas implicações, e possam falar sobre isso (SEVERO et al, 2014).

6. Considerações finais

A experiência evidenciou a SCI como uma poderosa ferramenta de educação permanente, um espaço de problematização e construção coletiva que engloba os saberes da equipe e as características de cada serviço. Ao acompanhar a supervisora em serviços da mesma natureza e no mesmo município, alguns fenômenos apareceram de forma semelhante, mas é importante mencionar que cada serviço também possui a “sua impressão digital”, cada CAPS e cada profissional foi e é afetado de forma distinta por essa atividade que não se furta de ser um fazer dinâmico, moldado nas peculiaridades. 

Adentrar no processo de trabalho da SCI foi uma imersão significativa na compreensão do encadeamento das redes em saúde, sobretudo no que se refere a rede de atenção psicossocial. Acompanhando o processo de reorganização e qualificação dos serviços a partir da lógica de dentro para fora, percebendo a ampliação do espaço de diálogo entre as equipes dos diferentes CAPS, tanto interna como externamente, esse processo se amplia gradativamente no intuito de se ramificar com a rede intersetorial. Os efeitos da supervisão operam pela abertura dos sentidos, produzindo uma ativação e amplificação de conectividade entre os trabalhadores da saúde mental, em um processo contínuo e permanente.

Há aspectos que necessitarão de mais tempo e integração para que os processos em rede possam fluir de forma mais satisfatória e integrada, as raízes desse novo fazer em saúde mental em Serra Talhada estão bem fincadas em um solo que se encontrava árido, foi necessário revolver a terra e irrigar no tempo hábil. Esse trabalho foi feito por várias mãos, posso atribuir a Supervisora o papel do jardineiro, os trabalhadores dos CAPS representam todos os outros elos necessários para a revitalização desse campo frutífero, composto por árvores distintas que necessitam das outras espécies para o equilíbrio do ecossistema.

Referências

Bardin, L. (2011). Ánálise de conteúdo. SP: Edições 70.

Batista, M. A. C., & Maldonado, J. M. S. V. (2014). Sistemas de Informação: elemento indutor e potencializador dos processos internos de gestão nas instituições públicas de ciência e tecnologia em saúde. In I. G. D. Gurgel, K. R. Medeiros, A. A. V. Aragão, & R. M. Santana (Eds.). Gestão em Saúde Pública: Contribuições para a Política. (pp. 174-195). Recife: Editora UFPE. 

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Como citar esse texto

APA – Santos, A. V. B., Lins, L. M. L., & Costa, P. F. F. (2021). Redes e criar novos sentidos: a supervisão clínico-institucional nos CAPs de Serra Talhada-Petecer. CadernoS de PsicologiaS, 2. Recuperado de https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/redes-e-criar-novos-sentidos-a-supervisao-clinico-institucional-nos-caps-de-serra-talhada-petecer/

ABNT – SANTOS, A. V. B.; LINS, L. M. L.; COSTA, P. F. F. Redes e criar novos sentidos: a supervisão clínico-institucional nos CAPs de Serra Talhada-Petecer . CadernoS de PsicologiaS, Curitiba, n. 2, 2021. Disponível em: <https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/redes-e-criar-novos-sentidos-a-supervisao-clinico-institucional-nos-caps-de-serra-talhada-petecer/>. Acesso em: __/__/____ .