Revista CadernoS de PsicologiaS

Um Homem Comum, Um Ato Extraordinário
- Uma homenagem a Oziel Branques dos Santos

Álex Bragan1
(CRP-08/37937)
Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa
E-mail: psi.alexbragan@gmail.com | Telefone: (81) 99686-8839

#Estilhaços

ERRATA: Na versão impressa deste artigo, a seção “Como citar este texto” foi inadvertidamente omitida e inserida no texto “Psicologia do Esporte para além do alto rendimento”. A versão aqui apresentada, que segue os padrões editoriais estabelecidos, deve ser considerada a referência oficial para citações em ABNT ou APA, tanto na versão impressa quanto digital. Lamentamos o equívoco e agradecemos pela compreensão.

Um ato heroico é muito mais que uma simples ação em situações adversas; é um gesto notável que revela coragem, altruísmo, empatia e disposição para enfrentar riscos pessoais em prol de terceiros ou de um bem maior. Ele transcende o ordinário, destacando-se pela bravura e pela determinação de fazer o que é certo, mesmo diante de grandes desafios, sem buscar reconhecimento pessoal, mas impulsionado por valores morais e o desejo genuíno de proteger e ajudar.

Mas o que define um herói? Muitos dirão que é a combinação de bravura e empatia. E faz bastante sentido. A bravura é necessária para enfrentar situações críticas, uma coragem que nem todos possuem. Já a empatia, uma qualidade frequentemente esquecida, é fundamental para compreender e compartilhar os sentimentos, emoções e experiências dos outros. É a habilidade de se colocar no lugar do outro, essencial para construir conexões significativas, sem esperar nada em troca.

No mundo atual, pode parecer que os heróis do cotidiano e a capacidade de sentir empatia estão desaparecendo, e que a humanidade está regredindo a comportamentos primitivos. Porém, afirmo categoricamente que não é o caso. Os heróis estão mais presentes do que nunca, mesmo que muitas vezes permaneçam invisíveis. São pessoas comuns que enfrentam as demandas diárias, que pagam suas contas e têm suas próprias lutas pessoais. São imperfeitos, têm receios, podem ficar doentes. Eles têm limitações, medos, sonhos, amores e desilusões, como todos nós.

Você pode se perguntar onde estão esses heróis, já que afirmo sua existência. É um questionamento válido. Talvez os filmes tenham nos condicionado a enxergar os heróis como seres superpoderosos, capazes de feitos sobre-humanos, como disparar lasers pelos olhos, voar ou correr na velocidade da luz. No entanto, os verdadeiros heróis estão em todos os lugares, em formas que, frequentemente, passam despercebidas. Eles podem ser aqueles que cruzam o seu caminho diariamente na rua, sem exibir características excepcionais à primeira vista, mas igualmente capazes de realizar atos extraordinários. 

Ainda assim, algumas vezes esses heróis anônimos podem ser vistos. É o caso de uma senhora de 55 anos, moradora de Santa Luzia, Minas Gerais. No ano de 2022, durante uma enxurrada que inundou muitas casas, incluindo a dela, ela nadou com um grande pedaço de isopor e salvou 17 vidas. No mesmo ano, na Praia de São Conrado, Zona Sul do Rio de Janeiro, houve um outro caso durante uma etapa do Circuito Brasileiro de Bodyboard. Um salva-vidas do Corpo de Bombeiros foi realizar o salvamento de um competidor que estava se afogando. Durante o resgate, o militar acabou sendo puxado pela correnteza e jogado contra as pedras, sendo salvo por outro competidor que estava fora d’água e correu ao seu auxílio.

Infelizmente, nem todas as histórias têm um final feliz para esses heróis. Em 2017, uma professora de uma creche no Norte de Minas Gerais morreu salvando a vida de dezenas de crianças após um ex-funcionário da creche atear fogo em si mesmo e causar um incêndio. Ela teve 90% do corpo queimado. Em São Paulo, em 2022, um menino de 8 anos morreu defendendo sua mãe de seu padrasto agressor, sendo esfaqueado e não resistindo aos ferimentos.

 Infelizmente, o mês de celebração do orgulho LGBTQIAPN+ deste ano foi marcado por uma tragédia que chamou a atenção da capital paranaense para uma questão profundamente debatida. Era domingo, 16 de junho. Oziel Branques dos Santos, de 40 anos, trabalhou até cerca de 13h. Foi em casa, almoçou, tomou banho, despediu-se do seu pai e foi visitar um amigo, no bairro Santa Cândida. 

Voltando para casa, à noite, em um ônibus biarticulado da linha Santa Cândida/Capão Raso, testemunhou uma cena chocante de homofobia: um homem e sobrinho, de 17 anos, atacavam um casal LGBTQIAPN+ com palavras de ódio e ameaças. Oziel então confrontou os agressores, resultando em luta corporal. O jovem covardemente desferiu 16 golpes de punhal pelas costas de Oziel, enquanto o tio segurava os braços da vítima, impossibilitando sua defesa. Ambos desceram na estação Maria Clara, no Alto da Glória, fugindo do local. 

O comportamento de Oziel, que perdeu a vida defendendo dois jovens desconhecidos em um ônibus, nos leva a refletir profundamente sobre o altruísmo e a coragem. Em um contexto onde muitos evitariam se envolver em conflitos alheios, ele se destacou como um exemplo de coragem e indignação diante de um crime tão cruel. Ele não previa que suas ações teriam uma consequência tão trágica, mas foi impelido por algo raro nos dias de hoje: a empatia, combinada com uma forte sentimento de desaprovação perante a intolerância.

Com sua atitude, ele representou todos aqueles que se recusam a ficar em silêncio diante da intolerância e da violência. Sua postura nos lembra que a justiça social não é apenas uma ideia, mas uma responsabilidade de cada um de nós, exigindo ação e comprometimento. Ele nos desafia a examinar nossa própria disposição para defender o próximo e nos questiona até que ponto estamos dispostos a arriscar nossa segurança por um bem maior. Ao agir com coragem e empatia, ele nos inspira a sermos mais vigilantes e ativos na defesa dos direitos humanos, mostrando que a verdadeira mudança começa com a coragem de não se calar diante das injustiças.

Além disso, sua história destaca a importância de construir uma sociedade onde atos de ódio e discriminação sejam inaceitáveis. Mostra a necessidade de se criar um ambiente onde todos possam viver sem medo de serem atacados por sua orientação sexual, identidade de gênero, raça, local de nascimento ou qualquer outra característica pessoal. Sua bravura nos motiva a sermos mais altruístas, e nos leva a reconhecer que o verdadeiro heroísmo muitas vezes está em pequenos gestos cotidianos de apoio e na determinação de agir frente as opressões que testemunhamos.

Oziel sempre será lembrado pelos seus familiares como um homem bom e justo, mas agora, seu nome será lembrado por toda uma comunidade, que sempre lhe será grata e sempre lhe usará de exemplo na luta por respeito a comunidade LGBTQIAPN+. Seu nome não será esquecido e seu extraordinário ato de bravura será sempre lembrado. 

OZIEL PRESENTE!

Notas

[1] Residente Técnico – período de Set/2023 a Set/2025 –  da Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa – SEMIPI, trabalha na Coordenação de Enfrentamento às Violências Contra a Mulher. 

Como citar esse texto – edição impressa

ABNT — Bragan, Á. (2024). Um homem comum, um ato extraordinário – uma homenagem a Oziel Branques dos Santos. CadernoS de PsicologiaS, n6, edição impressa.

APA — Bragan, Á. (2024). Um homem comum, um ato extraordinário – uma homenagem a Oziel Branques dos Santos. CadernoS de PsicologiaS, n6, edição impressa.

Como citar esse texto – edição digital

ABNT — BRAGAN, Á. Um homem comum, um ato extraordinário – uma homenagem a Oziel Branques dos Santos. CadernoS de PsicologiaS, n. 6. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/um-homem-comum-um-ato-extraordinario-uma-homenagem-a-oziel-branques-dos-santos/ . Acesso em: __/__/___.

APA — Bragan, Á. (2024). Um homem comum, um ato extraordinário – uma homenagem a Oziel Branques dos Santos. CadernoS de PsicologiaS, n6. Recuperado de: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/um-homem-comum-um-ato-extraordinario-uma-homenagem-a-oziel-branques-dos-santos/